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Estado de Minas PENSAR

HQ 'O mundo sem fim' chega ao Brasil com alerta para o aquecimento global

Livro mais vendido na Fran�a em 2022 mostra os problemas do consumo de energia da humanidade e os riscos do futuro


09/06/2023 04:00 - atualizado 09/06/2023 00:02
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O mundo sem fim
'O mundo sem fim': perigos do aquecimento global (foto: Reprodu��o)
Basta uma r�pida circulada nas livrarias para encontrar espa�os - n�o mais reduzidos como era at� alguns anos atr�s - dedicado �s HQs. Esses espa�os, � verdade, ainda s�o associados ao universo geek, no qual imperam her�is imbat�veis com poderes tit�nicos ou personagens orientais que protagonizam as mais diferentes aventuras nos mang�s que circulam por aqui.

H�, contudo, outras HQs que, embora dividam estantes com os super-her�is, est�o muito distantes do g�nero dominado pela Marvel e DC Comics. S�o as adapta��es de cl�ssicos da literatura mundial, como “Guerra e Paz”, de Tolstoi; “Os miser�veis”, de Victor Hugo; e “A divina com�dia”, de Dante Alighieri; entre outros. At� mesmo “Dom Casmurro” ganhou uma vers�o em quadrinhos pela editora Nemo, selo do Grupo Aut�ntica especializado na publica��o de hist�rias do g�nero.

Para al�m das adapta��es, existem ainda hist�rias originais que transcendem o conceito que se tem no Brasil - bastante equivocado, cumpre dizer - de que as HQs s�o voltadas para o p�blico infantil e infantojuvenil, ou para adultos “geeks”.

O pr�prio jornalismo incorporou os quadrinhos, desenvolvendo uma maneira sui generis de fazer reportagem. A Revista Badar�, por exemplo, ve�culo que mais se destaca nesse segmento, transforma em HQs desde uma not�cia sobre o Brics (grupo de pa�ses emergentes do qual o Brasil faz parte junto com R�ssia, �ndia, China e �frica do Sul), at� dados do �ndice de homic�dios no Brasil.

O car�ter formativo, portanto, � uma tend�ncia na produ��o de quadrinhos em diferentes pa�ses e tem recebido grande aceita��o popular. “O mundo sem fim”, por exemplo, da dupla francesa Jean-Marc Jancovici e Christophe Blain, que chega agora ao Brasil pela Editora Nemo, foi o livro mais vendido no pa�s europeu em 2022 - n�o apenas entre as hist�rias em quadrinhos -, com mais de 600 mil exemplares comercializados.

“Quer�amos criar um livro que fosse informativo, engra�ado, acess�vel e compreens�vel por quase qualquer pessoa com 15 anos ou mais (mesmo que alguns leitores nos dissessem que precisavam l�-lo duas vezes!). Tamb�m quer�amos fazer um livro surpreendente: uma leitura que mudasse sua vis�o de mundo”, diz Jancovici ao Pensar.

O livro n�o segue a linha ficcional. Muito pelo contr�rio, mostra ao leitor como o cartunista Blain, preocupado com a mudan�a clim�tica, recorreu � Jancovici, para juntos escreverem um livro alertando sobre a urg�ncia em discutir o aquecimento global. Os dois s�o os personagens da hist�ria, com Blain assumindo um papel de C�ndido, de Voltaire, e Jancovici o de mestre Pangloss, que passa seus conhecimentos ao pupilo.

Jancovici � reconhecido internacionalmente por suas pesquisas em rela��o � energia e �s mudan�as clim�ticas. S�o dele, por exemplo, livros como “C’est Maintenant! 3 ans pour sauver le monde” (“� agora! 3 anos para salvar o mundo”, em tradu��o livre), “Transition �nerg�tique pour tous, ce que les politiques n'osent pas vous dire” (“Transi��o energ�tica para todos, o que os pol�ticos n�o ousam dizer”) e “L’avenir climatique. Quel temps ferons-nous?” (“O futuro clim�tico. Como vai estar o tempo?”).

Professor associado da Mines ParisTech, fundador e presidente do The Shift Project (centro de estudos que pesquisa a economia livre de carbono) e cofundador e s�cio da Carbone 4, escrit�rio que presta consultoria em estrat�gias de baixo carbono e mudan�as clim�ticas; ele foi o respons�vel pela cria��o do m�todo de medi��o de carbono que deu origem � norma mundial para medir as emiss�es de gases de efeito estufa das empresas.

Com curr�culo t�o extenso e com peso consider�vel, ele poderia muito bem seguir com suas atividades profissionais sem a necessidade de embarcar na concep��o de uma HQ. Mas, por qual motivo, decidiu topar o desafio?

“J� fazia muito tempo que eu estava ansioso para abordar novos p�blicos que n�o conseguia alcan�ar por meio de v�deos do YouTube ou ensaios regulares. Um filme poderia ter sido uma possibilidade, mas uma hist�ria em quadrinhos tamb�m era, e acabou que a primeira oportunidade que tive foi uma hist�ria em quadrinhos”, conta. “Levei meio segundo para aceitar a oferta de Christophe: com meus desejos pr�-existentes e seu hist�rico, era uma oferta que eu n�o poderia recusar”, emenda.

A ideia de criar “O mundo sem fim” surgiu quando Blain estava no carro com a companheira, em 2018, a caminho de �tretat. Pelo r�dio, ouviu que fazia cerca de 25ºC em Paris e que, at� 2050, a temperatura m�dia da Fran�a estaria em torno dos 50ºC.

“Dois mil e dezoito n�o foi h� muito tempo. No entanto, foi o primeiro ano em que associaram uma onda de calor ao aquecimento global em toda a grande imprensa”, escreveu Blain no pr�logo do livro.

A informa��o ficou martelando na cabe�a do cartunista. Afinal, se em 2050, a Fran�a vai registrar 50ºC, qual vai ser a temperatura do pa�s em 2040? E em 2030? E em 2020?

Atemorizado com a descoberta de que a mudan�a clim�tica n�o era um evento distante, e sim algo pr�ximo, que o afetaria ainda em vida, Blain decidiu se abrir com o pr�prio irm�o, que sugeriu convidar Jancovici para fazer um livro juntos.

Cartunista respeitado na Fran�a, Blain � um dos poucos escritores a vencer mais de uma vez o pr�mio de melhor �lbum do festival Angoul�me - o j� tradicional Festival de la Bande Dessin�e d'Angoul�me, voltado para as produ��es em HQs. Blain venceu em 2002 (com o primeiro volume da saga “Isaac, o Pirata”) e em 2013 (com o segundo volume do “Quai d’Orsay”).

“O mundo sem fim”, portanto, mostra como se deu a g�nese criativa do trabalho, os encontros entre Blain e o irm�o, o contato entre o cartunista e Jancovici, e, sobretudo, o pensamento do engenheiro franc�s a respeito de como a humanidade usa a energia e como isso afeta na mudan�a clim�tica.

Jancovici � enf�tico. Para ele, n�o existe energia verde. “Nem rosa, nem preta”, afirma no livro. “Ali�s, nem limpa, nem suja, em termos absolutos. Escolher uma energia significa escolher um tipo de transforma��o com seus pr�s e seus contras. Toda energia fica suja se for usada em larga escala, n�o importa qual”, escreve, acrescentando que, se a humanidade usasse 10 barris de petr�leo e uma tonelada de carv�o por ano, n�o haveria problema algum.

O que existe, explica ele, s�o as energias renov�veis (basicamente a for�a humana, o vento ou tra��o animal) e f�sseis (carv�o, g�s e petr�leo). Seria poss�vel, ent�o, substituir todas as ind�strias em funcionamento por outras que utilizem energia renov�vel? Imposs�vel, responde o engenheiro. Se depender do sol ou dos ventos, a humanidade est� sujeita �s condi��es clim�ticas inst�veis de cada dia. 

Sem contar que, para construir turbinas para pain�is de energia solar e h�lices para usinas e�licas, s�o necess�rios materiais que demandam justamente grande quantidade de energia f�ssil para serem produzidos.

Jancovici, no entanto, n�o prenuncia o caos sem dar sugest�es de alternativa. Para ele, a sa�da � o ur�nio. Afinal, uma grama do elemento seria o equivalente 2,5 toneladas de carv�o ou uma tonelada de petr�leo.

A proposta � pol�mica e n�o agradou a todos os leitores franceses de “O mundo sem fim”. Em janeiro deste ano, ativistas ambientais fraudaram um papel timbrado da editora original da HQ e imprimiram nela uma falsa errata de uma suposta comiss�o ambiental da empresa. Passando-se por funcion�rios da editora, compartilharam o documento nas redes sociais e mandaram para as livrarias solicitando que elas o anexasse aos exemplares da HQ.

Na errata, acusavam Jancovici de usar desinforma��o e dispositivos ret�ricos no intuito de defender a energia nuclear, sem acreditar nas virtudes solar, e�lica e hidrel�trica. E ainda categorizavam o livro como “de tend�ncia liberal e bastante autorit�ria”.

Para Jancovici, no entanto, o ur�nio � uma esp�cie de “paraquedas emergencial” at� que os pa�ses decidam agir para conter a mudan�a clim�tica. “Claro que ele fala a partir do contexto franc�s”, diz Fernando Scheibe, um dos tradutores de “O mundo sem fim”. “Na Fran�a, essa quest�o da energia nuclear � bem desenvolvida, nunca teve acidentes e tem toda um hist�ria. Ent�o, o Jancovici acha que o ur�nio � a alternativa para a transi��o energ�tica”, emenda.

Pol�micas � parte, Scheibe, que � professor de franc�s no curso de Letras da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e tradutor das HQs franc�fonas da Editora Nemo h� 10 anos, percebe que h� uma tend�ncia entre os quadrinistas em produzir hist�rias autobiogr�ficas. E que “O mundo sem fim” segue essa onda.

Ele n�o condena essa tend�ncia, contudo. Pelo contr�rio, v� muitas produ��es relevantes saindo nos �ltimos anos. “Tem coisas maravilhosas, que trazem riquezas de detalhes e profundidade liter�ria”, afirma o tradutor. “J� traduzi HQs que citavam Baudelaire”, enfatiza. Basta uma r�pida circulada nos espa�os das livrarias dedicados �s HQs para encontrar tais preciosidades. 
 

“O mundo sem fim”

  • Jean-Marc Jancovici e Christophe Blain
  • Tradu��o de Fernando Scheibe e Bruno Ferreira Castro
  • Nemo Editora
  • 196 p�ginas
  • R$ 124,90
 

Entrevista
Jean-Marc Jancovici

 
“Quer�amos fazer um livro que mudasse a sua vis�o de mundo” 
Quais foram as principais preocupa��es que voc� e Christophe Blain tiveram ao escrever o livro?
Quer�amos criar um livro que fosse informativo, engra�ado, acess�vel e compreens�vel por quase qualquer pessoa com 15 anos ou mais (mesmo que alguns leitores nos dissessem que precisavam l�-lo duas vezes!). Tamb�m quer�amos fazer um livro surpreendente: uma leitura que mudasse sua vis�o de mundo. Quer�amos fazer com que nossos leitores percebessem que tudo o que veem ao seu redor - incluindo estudos, aposentadoria, elei��es, exporta��o de caf� e TVs - � consequ�ncia direta ou remota do uso de combust�veis f�sseis, de modo que a diminui��o do uso de petr�leo, g�s e carv�o � uma revolu��o. Mas tamb�m quer�amos explicar o que � a mudan�a clim�tica, o que podemos temer sobre isso e por que a humanidade mudar� de qualquer maneira, seja porque queremos mitigar a mudan�a clim�tica ou devido ao eventual esgotamento geol�gico do petr�leo e do g�s.

O livro foi um best-seller na Fran�a. Como voc� reagiu?
Obviamente n�o ficamos muito tristes! Quando escrevemos o livro, n�o t�nhamos ideia se vender�amos 50.000 c�pias ou dez vezes mais (atualmente somos mais de 800.000). � claro que � muito mais f�cil explicar o sucesso depois do que tentar prev�-lo. O que ajudou muito � que esse livro foi massivamente dado de presente: pessoas j� convencidas de que as quest�es de energia e mudan�as clim�ticas merecem mais aten��o do que a que dedicamos hoje compraram exemplares de sobra para oferecer a amigos, parentes, funcion�rios, clientes, pol�ticos ou quem quer que eles quisessem convencer. Oferecer uma revista em quadrinhos � uma a��o muito “suave” como ativista: raramente voc� ver� algu�m recusar tal presente porque � considerado um movimento agressivo! E o fato de ser uma hist�ria em quadrinhos, e n�o um ensaio levar�, na maioria das vezes, � leitura real por parte do destinat�rio. Acredito que oferecemos uma ajuda de boas-vindas aos "ativistas" que queriam embarcar seus parentes por meio de um gesto positivo - um presente - ao inv�s de uma culpa (que geralmente n�o � t�o eficiente).

No meu ponto de vista (um brasileiro que acompanha os pa�ses estrangeiros nas not�cias internacionais), h� uma preocupa��o maior das novas gera��es em rela��o ao meio ambiente e � sustentabilidade. Por�m, nos �ltimos anos, pol�ticos que rejeitam essa agenda (Trump e Bolsonaro, por exemplo) foram eleitos com forte apelo popular. O que explica esta situa��o paradoxal?
O paradoxo n�o existe efetivamente: os representantes da gera��o mais jovem que s�o falados na m�dia (um pouco) e vis�veis nas redes sociais (principalmente) geralmente pertencem � fra��o mais educada de sua classe et�ria. Por outro lado, aqueles que pertencem �s classes populares muito raramente se expressam sobre quest�es ecol�gicas nos mesmos lugares, pelo menos na Fran�a. E, ao mesmo tempo, alguns jovens educados podem protestar na segunda-feira enquanto outros representantes da mesma faixa et�ria embarcam em um avi�o ou comem um hamb�rguer por refei��o!

No livro, voc� aponta poss�veis solu��es para o caos iminente para o qual caminhamos. No entanto, com base no que voc� v� hoje, qual � o seu progn�stico para o futuro?
Devido � in�rcia da deriva clim�tica que desencadeia consequ�ncias crescentes, e devido � nossa forte depend�ncia de combust�veis f�sseis que diminuir� maci�amente ao longo do s�culo 21, fa�amos o que fizermos, n�o evitaremos um n�mero crescente de surpresas ruins. � imposs�vel, por�m, descrever quando exatamente e onde exatamente eles ocorrer�o primeiro, o que � um obst�culo para agir, porque todos esperam que o azar seja do vizinho! Minha esperan�a � que em algum momento decidamos reagir, mas a situa��o mais prov�vel � que os pa�ses n�o o fa�am ao mesmo tempo e n�o necessariamente com alto grau de coopera��o. Rocking times are coming...  


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