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Estado de Minas PENSAR

Laura Erber busca a radicalidade da intimidade em 'As palavras trocadas'

Com lan�amento nesta sexta-feira (21/7) em Belo Horizonte, obra abre a cole��o Arco, da editora �yin�


21/07/2023 04:00 - atualizado 20/07/2023 23:25
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Laura Erber
Laura Erber, poeta, tradutora e professora: "Estou sempre lidando com a linguagem" (foto: divulgacao)

 

O reencontro, uma viagem imposs�vel a amantes viciados na intensa partilha er�tica de gozos e amores, se torna viv�vel na l�rica po�tica. “No cinzel dos beijos”, de palavras trocadas pela l�ngua e na l�ngua, o impulso em dire��o ao outro se realiza no poema, espa�o da n�tida mem�ria das sensa��es e profunda experi�ncia de afeto. O sil�ncio da aus�ncia, abre espa�o ao del�rio que incendeia, e, longe de caminhar em dire��o ao fim, se refaz em recome�o, no tempo da poesia. 

 

“toda a nossa candura

pronomes egressos

de sonhos escabrosos

posso sentir ainda

n�o por ser supremo

mas por ser o real

no c�u devastado

fogo com fogo

olha como s�o

lan�ados nossos

corpos na estrada

nossos beijos

da boca ao nada

como posso saber

o que nos espera no fundo

caminhando em dire��o nenhuma

se o que n�o tem fim

j� come�ou realmente (...).”

 

 

O intenso e eletrizante encontro de corpos “s�fregos”, que trocam verdades numa dimens�o descarnada, abstrata, emerge em cad�ncia ritmada na in�dita obra po�tica “as palavras trocadas” de Laura Erber. O livro inaugura a cole��o Arco, voltada � fic��o brasileira (prosa e poesia), da Editora �yin�, que h� cinco anos dedica-se a autores estrangeiros. O lan�amento em Belo Horizonte, com noite de aut�grafos, ser� neste 21 de julho, �s 19h30, na Livraria Quixote, com a participa��o da pesquisadora Carolina Anglada e do violinista Paulo S�rgio Thomaz. 

 

“Dois tempos” � o poema seminal, em que a autora Laura Erber reconhece a experi�ncia em torno da qual gravita a obra: apartados est�o os corpos do homem, - “quieto agora” - e da mulher, “vazada em formas, que tamb�m se arrasta”, num aprendizado “tresloucado de si”, “insistentes na travessia terrestre de prazeres inventados”. Apesar do improv�vel reencontro de corpos, que por circunst�ncias incertas, assim, separados, aqui chegaram, o poema marca a incandescente paix�o, e permanente urg�ncia: “na minha boca te consagro outro princ�pio, l�quidos e fantasmas conseguem atravessar muitas coisas”. 

 

Na complexa fus�o de dores e �xtases, na palavra escrita, as cenas ganham cores e se eternizam no espa�o-tempo: “Vem, diz ela, e ele vem, simplesmente, com a luz da lua inteira, pois sobreviver � quest�o de saber beber da fonte de �gua corrente, deixar o vento rejuntar os restos, estar perto na presen�a dos gemidos e recolher o que brota quente do corpo langoroso.”  O poema segue, na permanente trilha de um novo come�o. “As coisas n�o terminam no fim, n�o terminam quando acabam. O poema est� sempre em dire��o, n�o ao fim, mas do come�o. S�o esses paradoxos que a l�ngua do poema consegue capturar”, diz Laura Erber. 

 

Escritora, editora e artista visual, nascida no Rio de Janeiro, Laura Erber coordena o programa de p�s-doutorado do International Institute for Asian Studies, IIAS, na Holanda, onde, assim como no Brasil, tamb�m vive e trabalha. Publicou os livros de poemas “Os corpos e os dias” (Editora de Cultura, 2008); “A retornada”, (Relic�rio, 2016); “Mesa de inspec��o do a��car e tabaco” (n�o edi��es, 2018), o romance “Esquilos de Pavlov” (Alfaguara, 2013), al�m de diversas obras infantis.  Traduziu, em parceria com Sergio Flaksman, “Falas curtas” (Relic�rio, 2022), de Anne Carson e “A beleza do gesto t�cnico na pr�-hist�ria” (Zazie Edi��es, 2021), de Sophie A. de Beaune.  J� realizou exposi��es na Funda��o Mir�, em Barcelona, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e no Skive Ny Kunstmuseum, na Dinamarca. � fundadora da Zazie Edi��es que co-dirige com Maria de Andrade. Leia, a seguir, a entrevista do Pensar com a autora:

 

Como a escrita po�tica interage com o seu contexto de vida profissional?

A escrita de poesias � central para mim, �, no fundo, o entorno do qual organizo a minha vida profissional, mas n�o � a minha pr�tica cotidiana, que ocupa a maior parte do meu tempo. Meu trabalho envolve v�rias formas de escrita - das mais burocr�ticas �s mais inventivas -, mas tamb�m formas de comunica��o, sou coordenadora de um programa de p�s-doutorado na Holanda, sou professora visitante da Universidade Cat�lica Portuguesa e na UFMG. Estou sempre lidando com a linguagem, a textualidade. Mas fui estruturando a minha vida profissional de forma que houvesse sempre um lugar para a escrita da poesia. A poesia n�o � uma pr�tica em que voc� tem controle do tempo da escrita, ela � menos previs�vel, n�o � sistem�tica, mas est� sempre presente e sempre pode acontecer. O importante � estar em estado de aten��o, que ela possa emergir.  

 

Qual foi o tempo de escrita de “as palavras trocadas” e qual foi a inspira��o para a obra, foi uma experi�ncia biogr�fica?

O tempo de escrita foi intermitente, mas acho que ao todo foram dois anos, escrevendo, abandonando alguns poemas, reescrevendo outros. A inspira��o vem de trocas intensas de palavras, ancoradas numa experi�ncia de troca amorosa, mas tamb�m de aus�ncia. O posf�cio do Marcos Siscar fala sobre isso: esse jogo de desencontros temporais, mas um encontro num outro n�vel, de uma l�ngua comum, ou de uma l�ngua que se incendeia, que uma eletriza a outra. O encontro de que fala o livro � nessa outra dimens�o, e tem um desencontro temporal-espacial que vai sendo, vai surgindo, que vai sendo refletido, metabolizado. Acho que a inspira��o da poesia l�rica � esse pr�prio impulso em dire��o ao outro, � isso que mais interessa na poesia, esse momento de possibilidade, de at� um extravio do sujeito em dire��o ao outro, de contato incendi�rio, de uma l�ngua para outra, a experi�ncia dos apaixonamentos e das rela��es, onde a palavra n�o � um instrumento de troca, � onde acontece o encontro. Ent�o a inspira��o vem de experi�ncias biogr�ficas e de vida nesse contato, mas depois a poesia � uma reelabora��o disso. 

 

No prel�dio, esse “impulso em dire��o ao outro” que menciona, que inspira a poesia l�rica, est� presente na afirma��o “Os poemas eram todos seus. Agora � o livro de um sil�ncio”?

� uma dedicat�ria n�o nomeada. Existe um outro a quem o livro se dirige e que alimentou a escrita do livro, mas n�o quis nomear, porque n�o queria fechar o circuito da leitura do livro como o testemunho de uma experi�ncia biogr�fica singular �nica. E h� uma tentativa dos poemas de tamb�m falar das aberturas, em que outros leitores v�o colocar outros. Se eu fizesse isso seria lido por essa clave, e depois seria lido por outras perspectivas. Foi ent�o uma decis�o editorial: onde quero colocar a leitora, o leitor? Foi decis�o consciente para deixar mais espa�o para que as leitoras e leitores encontrarem as suas entradas e sa�das. 

 

Como tem�ticas existenciais, como a finitude, s�o exploradas em sua poesia l�rica, que n�o � er�tica, mas que interage e orbita o campo do erotismo e de intensas trocas amorosas?

A poesia l�rica como a possibilidade do extravio, do se perder, aborda quest�es existenciais, que s�o quest�es onde existe uma esp�cie de del�rio pronominal, que � o que me interessa, e vai at� na contram�o de uma tend�ncia contempor�nea de usar a linguagem para se afirmar o lugar de onde se fala ou a identidade de um sujeito. A poesia l�rica � um contraponto a isso, porque � um lugar em que n�o h� estabilidade dos sujeitos e nem � isso o que se busca. O que se busca � um pouco o contr�rio, uma esp�cie de del�rio. E h� sim, uma quest�o existencial que � de finitude, inclusive na pr�pria forma dos planos que come�am com essa prosa respirat�ria, tem uma cad�ncia que se experimenta ao longo da leitura e depois os poemas v�o se tornando de uma esp�cie de conversa em prosa para o verso, da conversa ao verso. E gosto dessa forma do livro, em que aquelas massas de texto inicial v�o dando lugar a uma coisa mais vazada, mais sil�ncios, acho at� que uma resigna��o que vai aparecendo, de uma ansiedade inicial para uma experi�ncia mais silenciosa. 

 

A amplitude da poesia l�rica, em contraposi��o ao identitarismo, encontra mais dificuldade de comunica��o em decorr�ncia desta tend�ncia de se falar para p�blicos espec�ficos?

Talvez pelo contr�rio, a poesia l�rica seja cada vez mais necess�ria e importante, como contraponto a esse discurso social. Aqui estamos falando de uma busca de uma radicalidade da intimidade, que � o contr�rio desse lugar da politiza��o pronominal dos lugares de contato entre o eu e o outro no discurso. A pol�tica da poesia � outra. A poesia l�rica, dentro dessa busca, de ser um lugar de arrebatamentos e assombros, arroubos s�o poss�veis, fala de um deslocamento da pr�pria l�ngua. Ent�o n�o � um lugar de afirma��o de orgulho ou de empoderamento das pol�ticas. � o lugar em que a perda de si, a perda do lugar de fala, o sil�ncio, s�o fundamentais. A poesia ouve os sil�ncios, � o lugar de preservar as outras l�nguas da l�ngua, at� l�nguas n�o sociais, at� as l�nguas antissociais, que s�o radicalmente ego�stas (n�o egoc�ntricas) no sentido de que � uma partilha muito espec�fica, n�o � partilha da distribui��o dos lugares pol�ticos. Quando eu comecei a publicar poesia l�rica nos anos 2000 n�o havia espa�o acolhedor, a poesia naquele momento era cada vez mais impessoal, havia uma necessidade dentro da tradi��o modernista de expurgar do poema tudo o que tivesse a ver com uma subjetividade. Mas existia ao mesmo tempo, nessa �poca, com a quest�o da subjetividade como experimento de radicaliza��o, desse lugar do eu, que � mais de endere�amento da fala. A poesia est� mais interessada para onde as palavras se encaminham do que com a origem, do lugar de onde partem. Ent�o � esse tipo de for�a, atra��o, em que as palavras v�o sendo puxadas por um outro que pode ser um nada, a morte, um algu�m. 

 

“Vem comigo ver o opala da noite o ano inteiro a vida inteira”. Os versos do �ltimo poema, “Futurologia”, podem ser entendidos como um convite ao leitor para o prazer dessa viagem � poesia l�rica?

Acho que o tempo inteiro h� esse convite, essa experi�ncia de carna��o das palavras. Conter a crueldade do tempo que n�o para e que vai tornando cada vez mais imposs�vel o encontro. O livro inteiro � ultral�rico, mas vai se encaminhando para esse lugar em que o tempo inteiro � uma l�rica dialogando com o campo do erotismo, sem ser um livro de poesia er�tica, mas ter passado por essa quest�o da carna��o, da palavra encarnada, das encarna��es e desencarna��es. Essa � a tentativa de fazer com que a linguagem seja o lugar de encarna��o, contra essa finitude. O que se pode colocar contra? Acho que � conseguir estabelecer com a palavra uma rela��o f�sica, encontrar na palavra uma satisfa��o f�sica, de gozo, de desejo, de prazer onde aquilo substitui, mas gera prazer entre o encarnado e o desencarnado. � tudo um convite, porque o leitor � colocado nesse lugar, por isso n�o quis dedicar nomes, para que o leitor possa se colocar em v�rios lugares, do outro, para quem os poemas v�o se endere�ando e os poemas v�o conversando, n�o � est�vel.

 

Como o jogo e a estrat�gia est�o presentes nessa experi�ncia do erotismo desta troca amorosa intensa? 

O jogo � uma palavra boa para se referir a esse vaiv�m das pr�prias palavras, pois o livro fala tamb�m de que numa troca amorosa, a gente vai adquirindo as palavras do outro e o outro tamb�m. Existe uma transfus�o de l�nguas, e, para al�m do beijo, existe uma transfus�o da l�ngua. Essa transfus�o � fundamental. � sobre isso, as palavras trocadas s�o sobre essa transfus�o de l�nguas e de sensa��o de afeto e de prazer na linguagem, da l�ngua do poema como � o lugar em que rememora o prazer e de novo produz um outro componente de prazer ou deixa que aquilo que se torne uma esp�cie de instru��o para um leitor futuro. Mas acho que a ideia da transfus�o � forte, a ideia do jogo, que tem a ver com isso, n�o � uma troca inocente, n�o h� ingenuidade nem em rela��o � rela��o com o outro, nem em rela��o � linguagem nem �s formas de contato. Ent�o jogo pode ser palavra boa, porque pode ter algo de uma certa estrat�gia. Um jogo que teria uma quest�o de tradu��o do prazer da troca amorosa em todos os sentidos: troca de flu�dos, troca de palavras, de afetos, de sensa��es. Tem uma quest�o de como traduz uma troca. Ent�o esse era um desafio. Mas o poema pode ser tamb�m um lugar de transfus�o, mas que tamb�m traduz essa experi�ncia, mas n�o simplesmente tamb�m um lugar de chegada, que pode propor essa experi�ncia a outro leitor ou leitora. Ent�o n�o � uma entrega inocente, ing�nua, tem um lugar t�tico.  

 

“as palavras trocadas”

 

  • De Laura Erber.
  • Projeto gr�fico de Federico Barbon.
  • Cole��o Arco. Editora �yin�.
  • 62 p�ginas.
  • R$56,90
  • Lan�amento nesta sexta-feira (21/07), �s 19h30, na Livraria Quixote (Savassi). 

 


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