
Mineira de Uberaba, Maria Madalena Prata Soares, uma das 1.843 v�timas de tortura no pa�s durante a ditadura militar, lembra perfeitamente do dia em que foi presa. Era 23 de outubro de 1973. Ela foi levada, gr�vida, junto de um dos filhos, na �poca com 3 anos, para o Col�gio Militar, em Belo Horizonte, e depois para o Dops de S�o Paulo. Durante os cinco dias em que seu filho esteve com ela, foi poupada das torturas f�sicas, mas n�o das psicol�gicas. “Diziam que iriam agredi-lo. Um dia penduraram ele na janela e amea�aram jogar l� em baixo. Era um terror. Ele n�o entendia o que acontecia e achava que se a gente mudasse a cama da cela de local os guardas n�o iam nos achar e a gente podia fugir”, conta. Assim que ele saiu da pris�o, entregue aos av�s, come�aram os supl�cios, conta Mad�, como � conhecida a ex-militante , que foi casada com Jos� Carlos da Matta Machado. O companheiro de Mad� foi morto em 1973 pelo regime militar, hoje nome de rua em Belo Horizonte, que antes se chamava chamava Dan Mitrione, torturador norte-americano que veio para o Brasil ensinar "m�todos modernos de interrogat�rio" para os militares.
Mas quem l� o depoimento de Mad� nos arquivos do Brasil Nunca Mais n�o se esquece. Um de seus primeiros interrogat�rios come�ou �s 8h da manh� e s� terminou na madrugada do dia seguinte. Ela levou choques, surras de palmat�ria que deixaram seu corpo roxo, com feridas cheias de pus, e de tanto apanhar perdeu o filho. Deprimida com a viol�ncia e com a not�cia da morte do marido, era vigiada de perto pelos seus algozes para evitar que atentasse contra a vida. Mas ao contr�rio de muitas outras mulheres, Mad� conseguiu ao menos resgatar o corpo do marido.
Mesma sorte n�o tiveram os familiares do pernambucano Ramires Maranh�o do Valle, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucion�rio desaparecido durante a ditadura militar, aos 23 anos, no Rio de Janeiro. “Meu av� Francisco tem 95 anos e est� sendo torturado a cada dia que passa, pois n�o tem informa��es sobre o paradeiro de seu filho. O meu sonho � que tenha ainda em vida, mas como sou brasileiro, n�o tenho muito esperan�a quanto a isso”, comenta Carlos Beltr�o do Valle, historiador, sobrinho de Ramires. H� 40 anos a fam�lia trava uma luta constante para tentar localizar o corpo de Ramires, que faz parte da rela��o dos 147 presos pol�ticos desaparecidos durante a ditadura. “Todas as informa��es que tivemos sobre o paradeiro do meu tio foram fruto de muito trabalho investigativo de meu pai, Romildo Maranh�o do Valle, junto do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro”, afirma Carlos, cr�tico da atua��o da Comiss�o Nacional da Verdade e da n�o abertura de todos os arquivos sobre o regime militar.
Informa��es obtidas pela fam�lia indicam que o corpo de Ramires foi carbonizado e enterrado em uma cova rasa e clandestina no Cemit�rio de Ricardo de Albuquerque, no Rio de Janeiro, localizada na d�cada de 90, junto de outras pessoas n�o identificadas. “Como n�o foi poss�vel a identifica��o das ossadas, por estarem entre mais de duas mil, elas foram acondicionadas em um memorial, que foi inaugurado em 11 de dezembro de 2011, quase 20 anos ap�s serem localizadas. N�o s� seus corpos foram negados aos familiares, mas tamb�m suas hist�rias � sociedade”, comenta Beltr�o, autor de uma tese de mestrado que defende a transforma��o dos locais de tortura em museus para a preserva��o da mem�ria dos tempos da ditadura. “No Brasil, s� realizamos a repara��o financeira, que deveria ser o final do processo. Os corpos continuam desaparecidos e os torturadores comemorando o golpe todo ano.”
Inqu�ritos
O Brasil Nunca Mais foi um projeto desenvolvido nos anos 1980, sob a coordena��o de dom Paulo Evaristo Arns e do reverendo James Wright, com apoio financeiro do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Aproveitando-se de uma brecha da lei, que permitia que os advogados de defesa dos presos pol�ticos tirassem, no prazo de 24h, c�pia dos inqu�ritos, foram reproduzidos integralmente os processos de 710 presos, hoje uma das principais fontes de informa��o de pesquisas sobre o regime militar. Temendo repress�o, a �ntegra desse material foi remetida para Genebra, na Su��a, sede do CMI, e s� retornou ao Brasil em 2011, onde foi totalmente digitalizado e hoje pode ser consultado no endere�o www. bnmdigital.mpf.mp.br. Foi desse arquivo que foram retirados os depoimentos e os relatos sobre as formas de tortura, os locais e os torturadores.