Corrup��o ataca R$ 1,48 bilh�o destinados ao combate � COVID-19
Pol�cias Federal e Civil e MP investigam suspeita de fraudes em contratos ligados ao combate � pandemia em v�rios estados. Valor � mais de 13 vezes maior que o desviado em 2006 pela m�fia dos sanguessugas
Em meio � disparada de pessoas contaminadas e de �bitos decorrentes da pandemia do novo coronav�rus, que j� matou quase 40 mil brasileiros, chega a quase R$ 1,5 bilh�o o valor de contratos investigados pelas pol�cias Federal e Civil e pelo Minist�rio P�blico nos estados, por ind�cios de fraudes em compras e contratos assinados para enfrentar a doen�a. A soma dos valores suspeitos – R$ 1,48 bilh�o –, mais de 13 vezes superior ao rombo atribu�do � m�fia dos sanguessugas, nome dado ao esquema de compra superfaturada de ambul�ncias, descoberto em 2006, que movimentou R$ 110 milh�es.
O montante � tamb�m muito superior aos R$ 173 milh�es movimentados pelo mensal�o – esc�ndalo de compra de votos de parlamentares durante a tramita��o no Congresso de projetos de interesse do governo Lula, em 2005. Vale lembrar que, embora algumas opera��es estimem valores desviados, ainda n�o � poss�vel estabelecer o montante efetivamente desviado ou o superfaturamento total em a��es que deveriam se voltar contra a pandemia.
Uma das principais investiga��es em andamento diz respeito � aquisi��o de 3 mil respiradores da China, feita por S�o Paulo. O governo paulista anunciou o pagamento de R$ 550 milh�es pelos equipamentos, que viraram alvo do MP e do Tribunal de Contas do estado (TCE-SP). Depois, a gest�o Jo�o Doria (PSDB) explicou que problemas com os fornecedores fizeram com que a encomenda fosse diminu�da em mais da metade. Os novos termos preveem o repasse de 1.280 ventiladores ao custo total de R$ 261 milh�es. Mesmo com a repactua��o, inqu�ritos para averiguar o teor do acordo original continuam. H� contratos investigados tamb�m no Rio, Santa Catarina, Cear�, Amap�, Roraima, Par�, Maranh�o, Acre e Rond�nia.
Veja o que est� sendo investigado em cada estado (foto: Arte EM)
Se a opera��o de R$ 550 milh�es fosse mantida, cada equipamento teria sido vendido por cerca de R$ 183 mil. Nos termos mais recentes, cada unidade ter� custo m�dio de quase R$ 204 mil. O valor do material importado � bem superior ao custo de 3,3 mil ventiladores adquiridos pelo governo federal junto � brasileira KTK Ind�stria e Com�rcio. Ao anunciar a negocia��o, em 20 de abril, o Minist�rio da Sa�de disse ter gasto R$ 78 milh�es.
A Secretaria de Estado de Sa�de de S�o Paulo informou que, dos 1.280 respiradores adquiridos, 283 j� haviam chegado ao Brasil at� o dia 2 deste m�s. Segundo a pasta, a opera��o seguiu as regras dispostas na lei federal que trata dos acordos de emerg�ncia firmados em virtude da pandemia. Ainda conforme a SES-SP, caso as cl�usulas contratuais sejam violadas, h� previs�o de devolu��o do dinheiro gasto, acrescido de multa de 10% do valor da opera��o.
CPI
Em Santa Catarina, at� mesmo uma comiss�o parlamentar de inqu�rito foi aberta pela Assembleia Legislativa para investigar poss�vel superfaturamento na compra de 200 respiradores artificiais que, em conjunto, custaram R$ 33 milh�es. Ap�s reportagem do site The Intercept, Minist�rio P�blico, Pol�cia Civil e o Tribunal de Contas do estado passaram a investigar eventuais irregularidades no contrato firmado entre a Secretaria de Estado de Sa�de e a Veigamed, empresa respons�vel por fabricar os equipamentos.
"A corrup��o est� se revelando em sua forma mais s�rdida,
que � no desvio de recursos que podem salvar vidas. Tirar
dinheiro de respiradores � roubar de pessoas sem f�lego o equipamento que d� oxig�nio a elas"
Bruno Brand�o, representante no Brasil da Transpar�ncia Internacional
Os respiradores foram adquiridos em 26 de mar�o, com dispensa de licita��o garantida por lei federal. Desde o in�cio das investiga��es, o governador Carlos Mois�s (PSL) perdeu dois secret�rios: Helton Zeferino, ex-chefe da Sa�de estadual, e Douglas Borba, que ocupava a Casa Civil, pediram exonera��o.
Rio de Janeiro
Investiga��es sobre irregularidades nos gastos para combater o coronav�rus provocaram a queda tamb�m do ent�o secret�rio de Sa�de do Rio de Janeiro Edmar Santos. Um dos alvos dos mandados de busca e apreens�o cumpridos pela Pol�cia Federal na semana passada foi o Pal�cio das Laranjeiras, sede do governo estadual e onde mora o governador Wilson Witzel (PSC). Os celulares dele e da esposa, Helena, foram levados pelos agentes.
Sede da PF em Bras�lia (foto: Pol�cia Federal/Divulga��o)
O atraso na entrega de hospitais de campanha est� no centro das apura��es que envolvem o governo fluminense. Em maio, o site UOL revelou que a Iabas, organiza��o social contratada para erguer as unidades, embora tivesse entregue apenas parte de um dos sete hospitais provis�rios prometidos, j� havia recebido R$ 256,5 milh�es dos R$ 770 milh�es or�ados para custear seis meses de funcionamento das estruturas. Na semana passada, Witzel assinou decreto que afasta a Iabas da gest�o do setor, que passou a ser de responsabilidade da Funda��o Estadual de Sa�de.
No Rio, tamb�m h� suspeitas sobre respiradores que teriam sido comprados por valores acima da m�dia do mercado. Poucos dias ap�s ser afastado do posto de subsecret�rio estadual de Sa�de, Gabriel Neves foi preso, acusado de compor grupo ligado a contratos para a compra do insumo, celebrados sem licita��o. Segundo o MP, uma encomenda de 50 ventiladores custou R$ 9,9 milh�es — pagos antecipadamente. Para o o MP, a movimenta��o pode ter sido superfaturada em R$ 4,9 milh�es.
Legisla��o federal dispensa licita��o
O estado de calamidade p�blica decretado pelo governo federal em virtude da pandemia deu origem a uma lei federal que permite, sem a necessidade de licita��o, a compra de insumos para combate � doen�a. Santa Catarina fez valer a medida para adquirir os respiradores. O diretor-executivo da Transpar�ncia Brasil, Manoel Galdino, alerta: aquisi��es sem editais pr�vios devem ser feitas apenas em situa��es extremas. “Tudo precisa ser justificado. N�o � porque h� possibilidade de dispensar licita��o que isso deve ser feito. A dispensa s� deve ocorrer se for absolutamente necess�ria: em casos de urg�ncia nos quais, por meios usuais, n�o for poss�vel implementar determinada pol�tica p�blica em tempo h�bil. H� muitos governos achando ser uma licen�a para fazer de qualquer jeito”, afirma.
Respirador faturado por loja de vinhos
O governo do Amazonas, estado onde o novo coronav�rus provoca a maior taxa de mortalidade por 100 mil habitantes, tamb�m � investigado por suposta supervaloriza��o no pre�o de respiradores. Emitida por uma loja de vinhos, a nota fiscal de 28 respiradores diz que a gest�o de Wilson Lima (PSC) desembolsou R$ 2,9 milh�es pela compra, feita em abril. � �poca, o Conselho Regional de Medicina do Amazonas (Cremam) alegou que os dois tipos de ventilador vendidos ao estado n�o eram adequados para tratar a COVID-19.
O Minist�rio P�blico de Contas estadual abriu inqu�rito. Assim como em Santa Catarina, os deputados estaduais amazonenses tamb�m instauraram CPI. O Tribunal de Contas local chegou a recomendar o afastamento da secret�ria de Sa�de, Simone Papaiz, mas ela continua no cargo.
No Cear�, a Pol�cia Federal promoveu, na semana passada, uma opera��o que investiga a utiliza��o pela Prefeitura de Fortaleza de R$ 34,7 milh�es para a obten��o de respiradores. Foram cumpridos mandados de busca nas capitais cearense e paulista, onde est� sediada a empresa envolvida na transa��o. Al�m de ind�cios de superfaturamento, o andamento da investiga��o leva a crer que o fornecedor escolhido n�o tem capacidade t�cnica e financeira para dar conta da encomenda. A PF suspeita de que os cofres de Fortaleza possam ter sido lesados em at� R$ 25,4 milh�es.
Em Roraima, a compra de 30 respiradores por R$ 6,4 milh�es � alvo do MP de Contas local. Ap�s o contrato vir � tona, o governador Ant�nio Denarium (PSL) demitiu o secret�rio de Sa�de, Francisco Monteiro Neto. No Amap�, um rombo mais “modesto” foi identificado: opera��o feita por PF, MP Federal e Controladoria Geral da Uni�o constatou que m�scaras foram superfaturadas em 220%. Dos cerca de R$ 930 mil gastos com a transa��o, pouco mais de R$ 639 mil poderiam ter sido poupados.
Ontem, a PF deflagrou opera��o que apura R$ 50,4 milh�es gastos pelo governo do Par� para comprar respiradores. Outra investiga��o mira contrato de R$ 21 milh�es, assinado pelo Executivo de Rond�nia em troca de uma s�rie de insumos hospitalares. No in�cio da semana, a Prefeitura de S�o Lu�s virou alvo das autoridades por causa de m�scaras com sobrepre�o — ao custo total de R$ 3,1 milh�es. O mesmo ocorre no Acre, onde 70 mil litros de �lcool gel e 1 milh�o de m�scaras valeram R$ 7 milh�es.
Muito dinheiro e pouco controle
O representante em solo brasileiro da Transpar�ncia Internacional – entidade que n�o tem liga��o com a Transpar�ncia Brasil — Bruno Brand�o, diz que o mundo atravessa a “tempestade perfeita” para o cometimento de il�citos. “Nunca foram gastos tantos recursos p�blicos como agora. Ao mesmo tempo, por serem gastos emergenciais, os controles nunca foram t�o relaxados como atualmente. Isso gera um contexto em que h� alt�ssimo risco de corrup��o”, afirma.
Por isso, destaca, a transpar�ncia � essencial para o enfrentamento da pandemia. “A eleva��o dos gastos p�blicos, agora, � justificada. � necess�rio gastar muito para dar a resposta ao problema, assim como gastar r�pido, pois h� emerg�ncia. Mas, ao mesmo tempo, � preciso gastar bem. Por isso a transpar�ncia conta tanto, para que sociedade, imprensa e �rg�os de controle possam avaliar a qualidade a integridade dos gastos”, completa.
A Transpar�ncia Internacional divulgou, no �ltimo dia 21, um ranking sobre a lisura das contrata��es emergenciais feitas pelos estados brasileiros. Enquanto o Esp�rito Santo est� no topo da tabela, S�o Paulo ocupa a �ltima coloca��o. Segundo Bruno Brand�o, o estado tem “problemas hist�ricos” no diz respeito � pouca transpar�ncia. “Apesar de ter sido muito ativo nas respostas � pandemia, com muitos discursos do governador, S�o Paulo deixou muito a desejar ao apresentar informa��es sobre contratos e uso dos recursos p�blicos. As informa��es s�o disponibilizadas de maneira incompleta e inadequada”, avalia.
Na vis�o de Brand�o, ind�cios de desvios podem prejudicar a forma como a popula��o enxerga a pandemia. “A corrup��o est� se revelando em sua forma mais s�rdida, que � no desvio de recursos que podem salvar vidas. Tirar dinheiro de respiradores � roubar de pessoas sem f�lego o equipamento que d� oxig�nio a elas”, diz.
E Minas?
No ranking, Minas Gerais ocupa o 11º posto. De acordo com o representante da Transpar�ncia Internacional, o governo do estado procurou a entidade para obter orienta��es. “Apesar do resultado negativo inicial, houve resposta positiva no sentido da busca de informa��es para melhorar. Parece que h� um empenho. Vamos cobrar”, avisa Brand�o. A pr�xima atualiza��o da classifica��o ser� divulgada no dia 24.
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