
Filho de professores e natural de Tatu� (SP), o ministro Jos� Celso de Mello Filho se despede da cadeira que ocupou, por 31 anos, na mais alta Corte do pa�s. Para o magistrado, o Supremo Tribunal Federal (STF) � muito mais do que um tribunal. Para amigos e colegas pr�ximos, ele afirma que v� a Corte como o grande s�mbolo da Justi�a brasileira, que deve dar exemplo para toda a sociedade, julgar de maneira t�cnica e proteger, a qualquer custo, a Constitui��o e a democracia. Foi um dos primeiros a ocupar a cadeira do STF ap�s a Assembleia Constituinte de 1987-1988, que mudou o pa�s ao restabelecer o primado da democr�tica.
julgamento do recurso da Advocacia-Geral da Uni�o (AGU) para que Jair Bolsonaro deponha por escrito na a��o que apura a suposta interven��o pol�tica do presidente para controlar a Pol�cia Federal. A determina��o para que Bolsonaro depusesse pessoalmente foi decidida pelo decano, que � o relator do caso.
Mas, antes de deixar vaga a cadeira que ocupa, Celso tem uma �ltima tarefa, hoje: oAssumindo o posto com o fim da ditadura militar, per�odo em que tr�s ministros do STF foram aposentados compulsoriamente (Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva) e dois, em solidariedade, entregaram o cargo (Gon�alves de Oliveira e Lafayette de Andrade), Celso sabe o custo da liberdade e a import�ncia da prote��o do regime constitucional.
Na mem�ria do magistrado, est�o as marcas deixadas pelas agress�es contra o Estado de direito. N�o � � toa que vem confidenciado a interlocutores que teme pela integridade das institui��es e defende que o Supremo imponha sua autoridade para destacar que n�o aceita incurs�es que atentem contra a Carta e direitos fundamentais, conquistados no s�culo passado.
Na mem�ria do magistrado, est�o as marcas deixadas pelas agress�es contra o Estado de direito. N�o � � toa que vem confidenciado a interlocutores que teme pela integridade das institui��es e defende que o Supremo imponha sua autoridade para destacar que n�o aceita incurs�es que atentem contra a Carta e direitos fundamentais, conquistados no s�culo passado.
Da escola em Tatu�, Celso obteve uma bolsa para continuar a educa��o b�sica nos Estados Unidos. Concluiu o colegial na Robert E. Lee Senior High School, em Jacksonville, Fl�rida, cidade da qual recebeu o t�tulo de cidad�o honor�rio, dificilmente concedidos a brasileiros. Ao retornar ao pa�s, o magistrado foi aprovado no vestibular da Faculdade de Direito do Largo de S�o Francisco, que chama de As Arcadas, apelido que faz refer�ncia ao antigo convento franciscano que antes ocupava o pr�dio. Corria a d�cada de 1960.
Ainda jovem, Celso demonstrou grande apre�o pela democracia e, a colegas de turma, confidenciou sua indigna��o com a ditadura, que revogou direitos e perseguiu opositores. A oportunidade para se opor ao regime com maior for�a surgiu quando ingressou, ap�s ser aprovado em primeiro lugar, no Minist�rio P�blico de S�o Paulo, onde permaneceu por 20 anos. Mesmo com amea�as e recomenda��es para n�o se opor aos militares, Celso n�o se intimidou.
O ministro Lu�s Roberto Barroso afirmou, ao Correio, que, nos bastidores, o decano trata todos com respeito e humildade, al�m de ser um exemplo para os colegas de plen�rio. “� uma honra e um privil�gio conviver com o ministro Celso de Mello no plen�rio do Supremo Tribunal Federal. Sua atua��o se pauta pela integridade e fineza no trato com todos — ministros, advogados, Minist�rio P�blico. A firme atua��o em defesa da moralidade na esfera p�blica, das minorias e da liberdade de express�o deixar�o um legado que ser� observado no STF pelas pr�ximas d�cadas,” disse.
Em 1997, Celso foi levado ao comando da Corte, o mais novo presidente da hist�ria do Supremo desde a instala��o. Em discurso prestado em homenagem ao colega, o hoje presidente do STF, Luiz Fux, destacou a import�ncia do decano para o Tribunal. “Seus anos dedicados � Suprema Corte praticamente se confundem com a hist�ria da nossa Constitui��o cidad�. Concedeu decis�es que revolucionaram a jurisprud�ncia do Supremo. Nosso decano encara uma esp�cie de patrim�nio moral do Supremo; suas decis�es s�o, tamb�m, did�ticas. Trata-se de decis�es sempre marcadas por um alto grau de intensidade e profundidade. Pode-se dizer que o magistrado Celso de Mello foi incans�vel defensor das regras constitucionais presentes na Carta de 1988”, disse Fux”.
Fiel da balan�a
A sa�da de Celso alterar a configura��o e a pol�tica interna do Supremo. O magistrado � visto como um exemplo aos demais e seus votos, com alta carga te�rica de fundamenta��o, norteiam n�o s� a posi��o dos demais, mas, tamb�m, consolidam a jurisprud�ncia fixada para ser seguida por todos os tribunais. Na Segunda Turma, � considerado um voto de equil�brio, se dividindo entre a maioria, ora ficando na corrente dos ministros Edson Fachin e C�rmen L�cia, tidos como “punitivistas”, ora se alinhando com os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, considerados “garantistas”.
Ao se aposentar, o jurista deixa para o sucessor, ou para algum colega — caso os processos relatados por ele sejam redistribu�dos —, a��es relacionadas ao presidente Jair Bolsonaro, acusado de interferir na Pol�cia Federal, e a participa��o no julgamento que deve decidir se o senador Fl�vio Bolsonaro (Republicanos-RJ) tem direito a foro privilegiado nas investiga��es contra ele no Rio de Janeiro. Em seu discurso de despedida, o magistrado mais uma vez defendeu o Estado de direito e se manifestou contra autoridades que avan�am contra a ordem democr�tica.
“Absolutamente convencido, senhor presidente, que os magistrados deste alto tribunal, com suas qualidades e atributos, sempre estiveram � altura das maiores e mais dignas hist�rias deste Supremo. Especialmente em um delicado momento de nossa vida institucional em que se ignora os ritos do poder. E em que altas autoridades da Rep�blica, ignorando que nenhum poder � ilimitado e absoluto, se aventuram em perigosos ensaios de capta��o de institui��es republicanas cuja atua��o s� se pode ter por leg�tima quando preservado grau de autonomia que a constitui��o lhe assegura”, exortou o decano.
Resultado imprevis�vel para Bolsonaro
Est� marcado para hoje o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do recurso da Advocacia-Geral da Uni�o (AGU) em que Jair Bolsonaro pede para prestar depoimento por escrito � Pol�cia Federal (PF). Como a relatoria � do ministro Celso de Mello, que se aposenta no pr�ximo dia 13, nos bastidores da Corte n�o h� quem preveja o resultado da sess�o. Isso porque, no �ltimo julgamento do qual o decano participa, poderia haver alguma resist�ncia dos ministros de imporem uma derrota ao colega, em sua despedida do colegiado.
O caso � relativo ao inqu�rito que investiga suposta interfer�ncia pol�tica do presidente da Rep�blica, ap�s den�ncia do ex-ministro da Justi�a e Seguran�a P�blica Sergio Moro, em abril deste ano, quando pediu demiss�o do cargo. Celso determinou que o presidente deveria prestar depoimento presencialmente, o que foi contestado pela AGU.
No plen�rio
Quando o decano foi obrigado a licenciar-se por motivos de sa�de, o ministro Marco Aur�lio Mello ficou com o caso e enviou o recurso para an�lise do plen�rio virtual — neste formato os processos n�o s�o discutidos; os ministros apenas colocam seus votos e, ao final do prazo, o resultado � informado. Quando retornou � Corte, Celso retirou o recurso do plen�rio virtual e enviou-o ao plen�rio f�sico.
Na �ltima segunda-feira, o decano liberou a mat�ria para pauta e o presidente do Supremo, Luiz Fux, j� pautou-a para hoje. A a��o foi entendida como uma forma de prestigiar Celso.
Quando decidiu que Bolsonaro deveria prestar depoimento pessoalmente, o ministro justificou que a legisla��o prev� a possibilidade de faz�-lo por escrito apenas para autoridade que seja testemunha do caso — o que n�o seria esta situa��o, uma vez que Bolsonaro � investigado no inqu�rito. J� a AGU alega que este epis�dio tem semelhan�as com o que envolveu o ex-presidente Michel Temer, que prestou depoimento no caso Rodrimar — por um suposto pagamento de propina — por escrito.
Na despedida, defesa e f� na democracia
A sess�o do Supremo Tribunal Federal, ontem, foi marcada por despedidas ao ministro Celso de Mello do plen�rio. Al�m dos ministros, a sess�o teve presen�a e discurso do procurador-geral da Rep�blica, Augusto Aras; do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz; e do advogado-geral da Uni�o, Jos� Levi. A sess�o terminou com o presidente da Corte, Luiz Fux, agradecendo: “Muito obrigado pela sua exist�ncia”, disse, dirigindo-se ao decano. Ao fazer os agradecimentos, o ministro ressaltou ter uma “inabal�vel f�” na integridade e na independ�ncia do Supremo, “por mais desafiadores, dif�ceis e nebulosos que possam ser os tempos que vir�o e os ventos que soprar�o”.