
Imagine uma vereadora, em pleno exerc�cio da fun��o, durante uma vota��o, escutar de um colega que ela "tem tes�o" nele. � repugnante at� cogitar tal situa��o, mas o caso se tornou alvo de den�ncia de importuna��o sexual, ass�dio moral e quebra de decoro na C�mara Municipal de Porto Alegre.
"Acabei de ouvir do vereador Alexandre Bobadra (PSL) que tenho 'tes�o' nele, uma t�pica demonstra��o do machismo que n�s mulheres somos submetidas", escreveu a vereadora da capital ga�cha Bruna Rodrigues (PCdoB). "Que a C�mara de Vereadores � um espa�o hostil �s mulheres eu j� sabia. Talvez alguns homens desse lugar � que n�o sabem que sou do tipo das que n�o leva desaforo pra casa. Medidas est�o sendo tomadas", finalizou, antes de protocolar a den�ncia na Comiss�o de �tica da C�mara local.
ESTOU INDIGNADA
%u2014 Bruna Rodrigues (@bru_rodrigues65) September 1, 2021
Acabei de ouvir do vereador Alexandre Bobadra que tenho "tes�o" nele, uma t�pica demonstra��o do machismo que n�s mulheres somos submetidas. J� entrei com uma representa��o � mesa diretora contra essa que � mais uma manifesta��o da viol�ncia pol�tica de g�nero.
"Nada de novo sob o sol. N�o h� uma conquista feminina que n�o tenha vindo com muito esfor�o. E elas s�o resultado da uni�o de mulheres em prol dos nossos direitos, ainda que algumas se digam antifeministas. � bom lembrar que, se elas votam e podem ser eleitas, � fruto da luta do movimento feminista", analisa Maria Carolina Medeiros, professora, doutoranda na PUC-Rio e pesquisadora da socializa��o feminina.
A cada 10, 9 sofrem viol�ncia
O percentual choca - apesar de n�o surpreender: a cada 10 mulheres que concorreram �s prefeituras de capitais no ano passado, nove afirmaram ter sofrido viol�ncia nas elei��es. Essa � uma das conclus�es de levantamento feito pelo jornal O Estado de S�o Paulo com as 50 mulheres que disputaram o Executivo municipal em 2020.
A maior parte (46,7%) disse sofrer ataques com frequ�ncia. Do total, 88% afirmam ter sofrido viol�ncia pol�tica de g�nero nas elei��es de 2020 e 72,3% acreditam que os epis�dios prejudicaram a campanha. A viol�ncia psicol�gica � a mais recorrente (97,7%) e a internet � o espa�o onde as mulheres s�o mais atacadas (78%), seguida da campanha de rua (50%).
"'Ter o direito de' � muito diferente de criar o ambiente necess�rio e dar ferramentas que de fato possibilitem o acesso. O papel social da mulher sempre esteve ligado � esfera privada, ao lar e � fam�lia, enquanto os homens ocupavam a esfera p�blica'', afirma a pesquisadora Maria Carolina Medeiros.
A estudiosa pontua que o direito ao voto foi conquistado em uma hist�ria recente e que a representatividade pol�tica ainda � m�nima. "Quando olhamos pra Hist�ria, � f�cil constatar: pol�tica nunca foi espa�o da mulher. A viol�ncia, real ou simb�lica, � mais uma forma de dizer �s mulheres que o nosso lugar n�o � ali".
A doutora em Ci�ncia Pol�tica e professora da UFMG Mara Telles ainda complementa ao dizer que mulheres correspondem a pouco mais do que a metade da popula��o brasileira e a participa��o delas tem crescido no mercado de trabalho, na ci�ncia e nas artes. ''Contudo, a participa��o feminina n�o ocorreu na pol�tica, pois sua representa��o nos legislativos n�o corresponde a sua presen�a em diversos outros setores, o que dificulta a democratiza��o'', pontua.
'Danos psicol�gicos'
E o desgaste para se manter nesse cargo ainda � um dos principais dificultadores. Isso porque a viol�ncia pol�tica contra a mulher pode ter um impacto que vai al�m das mulheres que a sofrem diretamente, pois tem como o objetivo diminuir o alcance de sua atua��o.
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No fim do m�s passado, a vereadora mais votada da hist�ria de Divin�polis, Lohanna Fran�a (Cidadania), protocolou representa��o por quebra de decoro parlamentar contra o vereador Eduardo Azevedo (PSC) .
Ap�s repetidos ataques mentirosos e covardes do vereador Eduardo, precisei entrar na comiss�o de �tica da C�mara contra ele.
%u2014 Lohanna Fran�a - USE M�SCARA! (@lohannaf) August 31, 2021
Sei que voc�s sabem que sou uma mulher de luta, mas confesso que preferiria estar apenas nas lutas por nossa cidade, e n�o me defendendo de mentiras.
Oponentes, principalmente nas quest�es ideol�gicas, Lohanna alegou que o vereador extrapolou a razoabilidade e causou danos psicol�gicos. A parlamentar afirmou que ele tem manipulado fatos que a envolvem, distorcendo a realidade e incitando a propaga��o de inverdades pela popula��o.
"Dando ensejo a um desgaste da autoestima e autoconfian�a da vereadora, com consequente preju�zo � sua sa�de psicol�gica", diz trecho da representa��o feita por ele, contra Azevedo, na C�mara Municipal.
Vale lembrar que viol�ncia psicol�gica se tornou lei recentemente, no fim de julho. � crime "causar dano emocional � mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas a��es, comportamentos, cren�as e decis�es, mediante amea�a, constrangimento, humilha��o, manipula��o, isolamento, chantagem, ridiculariza��o, limita��o do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause preju�zo � sua sa�de psicol�gica e autodetermina��o".
O vereador Eduardo Azevedo, por sua vez, afirmou que Lohanna est� "tentando se vitimizar" porque a imagem dela est� "queimada, arranhada e desgastada".
Ambiente hostil para afast�-las
''H� todo um ambiente hostil que refor�a que pol�tica n�o � para ela'', define a pesquisadora Maria Carolina Medeiros, ao explicar que h� muitas dificuldades que n�o s�o transpostas somente porque a mulher tem a "possibilidade" de se candidatar ou mesmo, no caso de Lohanna, se eleger como a mais votada da hist�ria do munic�pio.
"Desde a inf�ncia somos socializadas para a docilidade, como diz Simone de Beauvoir: na conten��o do corpo que n�o sobe em �rvores e senta de pernas fechadas, na conten��o da fala sob pena de ser tachada de agressiva (o que n�o seria "coisa de mulher"), no est�mulo ao casamento e � maternidade compuls�ria como destino da felicidade. A socializa��o coloca a mulher em um lugar no qual ela aprende que, para agradar, deve renunciar � sua autonomia, �s ferramentas para apreender o mundo'', afirma Maria Carolina.
Por outro lado, segundo a pesquisadora, homens foram criados debatendo com homens no espa�o p�blico e, mesmo que de forma subjetiva, tendem a achar as mulheres inferiores, como se dividir o espa�o com elas fosse uma concess�o.
"Mesmo homens que conceitualmente apoiem a participa��o feminina, dificilmente querem negociar seus privil�gios para mudar a realidade, seja dividindo as tarefas dom�sticas e cuidado com os filhos para que haja tempo para o trabalho da mulher, seja propondo divis�o igualit�ria de recursos partid�rios, seja respeitando a fala da mulher", analisa.
Viol�ncia contra a mulher n�o tem partido
Os casos de viol�ncia contra as mulheres atravessam partidos de direita ou de esquerda. Em julho, a vereadora de Niter�i (RJ) Ver�nica Lima (PT) denunciou, pelas redes sociais, ter sido v�tima de ataques machistas e lesbof�bicos por parte do tamb�m vereador Paulo Eduardo Gomes (PSOL).
De acordo com a parlamentar, o vereador avan�ou em sua dire��o e teve que ser contido por colegas. "Voc� quer ser homem?, se voc� quer ser homem, vou te tratar como homem", disparou. O gesto foi condenado por outros vereadores e tamb�m pelo diret�rio local do PSOL.
Eles querem nos calar, mas n�o v�o conseguir! Sigo firme na luta contra a opress�o. %uD83D%uDC4A%uD83C%uDFFE
%u2014 Ver�nica Lima (@VeronicaLimaVe) July 8, 2021
Minha manifesta��o na noite de ontem (07), no plen�rio da C�mara Municipal de Niter�i. Assista ao v�deo completo no meu Instagram: https://t.co/eAgKrCag57 pic.twitter.com/h6PZ9lLVON
"Adoraria acreditar que posicionamentos pol�ticos, por si s�, garantiriam que as mulheres n�o sofressem opress�o. Infelizmente, o que eu vejo, na pr�tica, s�o homens dos mais diversos partidos agredindo, assediando mulheres ou silenciando diante da viol�ncia", diz a pesquisadora Maria Carolina Medeiros.
Em fevereiro, outro caso gerou movimenta��o nas redes sociais. A co-deputada Raquel Marques (Rede), integrante de um mandato coletivo na Assembleia Legislativa de S�o Paulo, foi destitu�da do posto por seus colegas ap�s publica��es nas redes sociais que defendiam que a esquerda deveria se indignar com o desrespeito aos direitos das crian�as tanto quanto se revolta com a transfobia.
Raquel defendia a abertura das escolas para alunos vulner�veis. A expuls�o foi decidida pelo PSOL-SP em reuni�o realizada sem sua presen�a e comunicada em nota p�blica nas redes sociais do partido.
Em resposta, Raquel publicou em seu Facebook: ''� absurda a acusa��o feita pela titular do mandato e � lament�vel que um mandato que se apresenta como defensor da democracia, do di�logo e da coletividade recorra a m�todos t�o autorit�rios por um projeto de poder."
Viol�ncia pol�tica contra elas na mira
Em julho, o Senado aprovou, por unanimidade, projeto que combate a viol�ncia pol�tica contra a mulher. Entre as a��es previstas no texto, est�o a criminaliza��o de abusos e a determina��o de que o enfrentamento a esse tipo de viol�ncia fa�a parte dos estatutos partid�rios. O PL 5.613/2020 segue para san��o presidencial.