
O texto recomenda que o presidente Jair Bolsonaro seja investigado e, eventualmente, responsabilizado em tr�s frentes devido � gest�o do seu governo na pandemia de coronav�rus: por crimes comuns, por crimes de responsabilidade e por crimes contra a humanidade.
Com o resultado, essas acusa��es contra o presidente ser�o analisadas em tr�s �rg�os.
Al�m do presidente, o relat�rio pede o indiciamento de 77 pessoas - incluindo ex-ministros, ministros, pol�ticos, servidores p�blicos, empres�rios, membros do chamado "gabinete paralelo" - e duas empresas, a Precisa Medicamentos e a VTCLog.
Entre os que tiveram o pedido de indiciamento mencionado no relat�rio est�o o ex-ministro da Sa�de Eduardo Pazuello, o atual titular da Pasta Marcelo Queiroga, Ernesto Ara�jo (ex-chanceler), Onyx Lorenzoni (ministro-chefe da Secretaria Geral da Presid�ncia), Mayra Pinheiro (secret�ria do Minist�rio da Sa�de conhecida como "capit� cloroquina"), Roberto Dias (ex-diretor de Log�stica do minist�rio), Francisco Maximiano (s�cio da Precisa), Flavio, Eduardo e Carlos Bolsonaro (filhos do presidente e respectivamente senador, deputado e vereador), Bia Kicis e Carla Zambelli (deputadas governistas), os empres�rios Carlos Wizard, Luciano Hang e Ot�vio Fakhoury e os m�dicos Nise Yamaguchi, Paolo Zanotto e Rodrigo Esper, entre outros (veja o relat�rio completo da CPI aqui ; o nome do senador Luis Carlos Heinze, do PP ga�cho, foi retirado na reta final das discuss�es).
Os pedidos de indiciamento ser�o encaminhados a outros �rg�os.
No caso de Bolsonaro, as suspeitas de crime comum ser�o encaminhadas � Procuradoria-Geral da Rep�blica (PGR), que avaliar� uma poss�vel den�ncia criminal contra Bolsonaro. J� as de crime de responsabilidade v�o para an�lise da C�mara dos Deputados, para poss�vel abertura de processo de impeachment.
Por fim, as acusa��es de crimes contra a humanidade ser�o enviadas ao Tribunal Penal Internacional (TPI), onde o presidente poderia sofrer um processo.
No entanto, juristas ouvidos pela BBC News Brasil consideram que os tr�s caminhos oferecem obst�culos hoje para que o presidente de fato venha a ser punido por poss�veis crimes durante a pandemia de coronav�rus, doen�a que j� matou mais de 606 mil pessoas no Brasil desde mar�o de 2020.
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Durante viagem ao Cear�, enquanto Calheiros lia seu relat�rio na CPI, na semana passada, Bolsonaro negou qualquer responsabilidade nas mortes.

"Como seria bom se aquela CPI tivesse fazendo algo de produtivo para nosso Brasil. Tomaram tempo de nosso ministro da Sa�de, de servidores, de pessoas humildes e de empres�rios", criticou o presidente.
"Nada produziram, a n�o ser o �dio e o rancor entre alguns de n�s. Mas sabemos que n�o temos culpa de absolutamente nada, fizemos a coisa certa desde o primeiro momento", disse ainda.
Entenda a seguir o que pode acontecer concretamente contra o presidente nos tr�s tipos de crimes que Bolsonaro � citado no texto de Calheiros.
1) Acusa��es de crimes de responsabilidade
Calheiros ressalta em seu relat�rio que, entre os crimes de responsabilidade previstos na legisla��o brasileira, est� o ato de atentar contra o exerc�cio dos direitos sociais e contra a probidade na administra��o.
Al�m disso, ele destaca que o direito � sa�de � previsto como um dos direitos sociais no artigo 6º da Constitui��o, enquanto o artigo 196 estabelece que "a sa�de � direito de todos e dever do Estado, garantido mediante pol�ticas sociais e econ�micas que visem � redu��o do risco de doen�a e de outros agravos e ao acesso universal e igualit�rio �s a��es e servi�os para sua promo��o, prote��o e recupera��o".
Na avalia��o de Calheiros, por�m, a investiga��o da CPI mostrou que a gest�o de Bolsonaro agiu em sentido contr�rio: ao inv�s de proteger a vida dos brasileiros da covid-19, o presidente teria contribu�do para o agravamento da pandemia ao demorar a comprar vacinas, incentivar o uso de medicamentos sem comprova��o cient�fica, promover aglomera��es, entre outros comportamentos.
"A minimiza��o constante da gravidade da covid-19, a cria��o de mecanismos ineficazes de controle e tratamento da doen�a, com �nfase em protocolo de tratamento precoce sem o aval das autoridades sanit�rias, o d�ficit de coordena��o pol�tica, a falta de campanhas educativas sobre a import�ncia de medidas n�o farmacol�gicas, o comportamento pessoal contra essas medidas, e, por fim, a omiss�o e o atraso na aquisi��o de vacinas e a contrata��o de cobertura populacional baixa do cons�rcio da OMS foram algumas das condutas do chefe do Poder Executivo Federal que incontestavelmente atentaram contra a sa�de p�blica e a probidade administrativa", diz trecho do relat�rio.
Apesar das duras acusa��es do relator, por�m, hoje parece pouco prov�vel que elas gerem abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro. O �nico que pode iniciar esse procedimento � o presidente da C�mara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que atualmente mant�m boa rela��o com presidente.
E, a partir dessa alian�a com Lira, o Pal�cio do Planalto construiu uma base de apoio entre os deputados do chamado Centr�o (siglas de centro-direita de comportamento mais fisiol�gico), sustentada pela distribui��o de cargos para indicados desses parlamentares e pelo envio de verbas federais para investimentos em seus redutos eleitorais. Com isso, hoje o presidente parece reunir o m�nimo de 172 votos na C�mara necess�rios para barrar a aprova��o de um processo de impeachment.

Outro elemento que reduz as chances desse processo ser iniciado � o fato de os protestos de rua realizados ao longo desse ano pedindo a cassa��o do presidente n�o terem reunidos um p�blico t�o grande quantos os atos que pressionaram pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.
J� as pesquisas de opini�o t�m indicado que o governo Bolsonaro � reprovado pela maioria da popula��o, mas ainda � bem avaliado por cerca de um ter�o dos brasileiros — patamar de aprova��o superior ao que Dilma tinha quando foi cassada.
2) Acusa��es de crimes comuns
Para Calheiros, as condutas de Bolsonaro tamb�m podem ser enquadradas em sete crimes comuns, previstos no C�digo Penal.
S�o eles: epidemia com resultado de morte (por suspeita de propagar o v�rus); infra��o de medida sanit�ria preventiva (por realizar aglomera��es e n�o usar m�scara); charlatanismo (devido ao incentivo de uso de medicamentos sem efic�cia), incita��o ao crime (por incentivar aglomera��o e o n�o uso de m�scara); falsifica��o de documento particular (por ter apresentado uma falsifica��o como sendo um documento oficial do Tribunal de Contas da Uni�o que provaria haver um excesso na contabiliza��o de mortes por covid-19);
emprego irregular de verbas p�blicas (por uso de recursos p�blicos na compra de medicamentos ineficazes); e prevarica��o (por supostamente n�o ter mandado investigar den�ncias de corrup��o na compra de vacinas).
Caso o relat�rio seja aprovado, os elementos que baseiam essas acusa��es ser�o encaminhadas � PGR, pois o procurador-geral da Rep�blica, Augusto Aras, � a �nica autoridade que pode apresentar uma den�ncia criminal contra o presidente no Supremo Tribunal Federal (STF).
Aras � visto como aliado de Bolsonaro e hoje parece improv�vel que o denuncie, j� que a PGR tem arquivado diversas queixas-crimes que j� foram apresentadas solicitando a investiga��o criminal de Bolsonaro por sua conduta na pandemia.
A PGR, por exemplo, j� arquivou pedido de investiga��o devido ao n�o uso de m�scara por entender que isso configura infra��o administrativa, sujeita a multa, e n�o um crime.
O �rg�o tamb�m recusou pedido de investiga��o por causa das aglomera��es provocadas pelo presidente. Segundo a PGR, Bolsonaro s� poderia ser processado por disseminar coronav�rus se estivesse contaminado com a doen�a e contrariasse ordem m�dica para se isolar.

Por outra lado, a PGR j� abriu inqu�rito para investigar se Bolsonaro prevaricou ao n�o tomar provid�ncias ap�s ser informado pelo deputado Luiz Miranda (DEM-DF) de supostas ilegalidades no contrato para compra da vacina indiana Covaxin. A investiga��o est� em andamento.
Quanto a suspeitas de crimes pelo incentivo de Bolsonaro ao chamado "tratamento precoce" (uso de medicamentos sem efic�cia contra covid-19), Aras informou ao STF em junho que havia iniciado uma apura��o preliminar para avaliar a abertura de investiga��o. Cr�ticos de Aras, por�m, o acusam de usar esse tipo de procedimento para responder a press�es para investigar Bolsonaro sem de fato adotar medidas concretas contra o presidente.
Para o criminalista Pierpaolo Bottini, professor da Universidade de S�o Paulo (USP), � dif�cil cravar que Aras n�o dar� qualquer encaminhamento as acusa��es do relat�rio da CPI.
"N�o � s� uma avalia��o pol�tica, tem uma avalia��o jur�dica que ele ter� que fazer. Ele vai ter que motivar (justificar juridicamente) seja qual for a decis�o dele. Se tiver muito subs�dio (sustentando as acusa��es), tamb�m � dif�cil ele deixar de dar qualquer encaminhamento", acredita.
Segundo Bottini, h� um outro caminho jur�dico para Bolsonaro ser denunciado no STF. Em caso de omiss�o da PGR, ou seja, se o �rg�o demorar para dar alguma resposta ao relat�rio da CPI, as pr�prias v�timas da pandemia poderiam processar o presidente por meio de uma a��o penal privada subsidi�ria da p�blica.
A Associa��o de V�timas e Familiares de V�timas da Covid-19 (Avico) disse � BBC News Brasil que de fato analisa essa possibilidade. A organiza��o apresentou em junho � PGR um pedido de investiga��o contra Bolsonaro, mas a an�lise desse pedido tem transcorrido em sigilo e a pr�pria Avico enfrenta dificuldades para obter informa��es sobre seu andamento.
Eventual apresenta��o de uma a��o contra Bolsonaro pelas v�timas da pandemia seria algo in�dito. Segundo Bottini, provavelmente o STF faria uma primeira avalia��o de admissibilidade (decidir se a a��o est� dentro dos requisitos jur�dicos necess�rios) e depois encaminharia a den�ncia para an�lise da C�mara dos Deputados.
O professor ressalta que a Constitui��o s� permite que o Presidente da Rep�blica seja processado ap�s aval de 342 deputados (mesmo n�mero necess�rio para abertura de um processo de impeachment).
3) Acusa��es de crimes contra a humanidade
Calheiros tamb�m defende em seu relat�rio que Bolsonaro seja investigado no Tribunal Penal Internacional (TPI), Corte sediada em Haia, na Holanda, que julga graves viola��es de direitos humanos, como genoc�dio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.
No entanto, s�o poucas as den�ncias recebidas pelo Tribunal que de fato geram investiga��es - e, quando isso ocorre, os casos se alongam por muitos anos, explicou � BBC News Brasil o juiz criminal e professor da USP Marcos Zilli, estudioso do funcionamento do Tribunal Penal Internacional.
Em tese, diz ele, o TPI pode condenar criminosos a penas de 30 anos de pris�o e at� a pris�o perp�tua, mas essas puni��es m�ximas nunca foram aplicadas pela Corte.
A inten��o inicial de Calheiros era acusar o presidente de crime de genoc�dio contra popula��es ind�genas, mas essa ideia foi abandonada devido � oposi��o de outros membros da CPI. Com isso, a proposta do relator � enviar ao TPI duas acusa��es de crimes contra a humanidade por parte do presidente.
Esses crimes est�o previstos no Tratado de Roma, incorporado ao direito brasileiro desde setembro de 2002.

Uma das acusa��es propostas por Calheiros sustenta que Bolsonaro cometeu crime contra a humanidade a praticar "ato desumano que afete gravemente a integridade f�sica ou a sa�de f�sica ou mental". Isso teria ocorrido, segundo o senador, quando vidas humanas foram usadas como "cobaias" em estudos fraudulentos para aplica��o de tratamentos sem efic�cia contra covid-19.
Ele cita, por exemplo, a promo��o do "tratamento precoce" pelo Minist�rio da Sa�de durante a crise de falta de oxig�nio em Manaus, no in�cio de 2021. Outro argumento usado pelo senador foi o uso em massa de hidroxicloroquina pelo plano de sa�de Prevent Senior. Resultados de um suposta pesquisa da empresa atestando a efic�cia do rem�dio contra covid foram divulgados por Bolsonaro - no entanto, o estudo n�o havia sido autorizado pela Comiss�o Nacional de �tica em Pesquisa (Conep) e ex-m�dicos da Prevent Senior acusaram o plano de fraudar os resultados.
A outra acusa��o � de crime contra a humanidade devido � postura do governo Bolsonaro em rela��o aos povos ind�genas. O relat�rio destaca a decis�o do STF de determinar em julho de 2020 a ado��o de um plano emergencial pelo governo de apoio a essas popula��es durante a pandemia "diante das muitas falhas na pol�tica de enfrentamento � pandemia junto aos povos ind�genas e da preocupa��o com a r�pida interioriza��o da doen�a, que prenunciavam um desastre".
Ainda segundo o parecer de Calheiros, "esta CPI identifica o Presidente da Rep�blica Jair Messias Bolsonaro como o respons�vel m�ximo por atos e omiss�es intencionais que submeteram os ind�genas a condi��es de vida, tais como a priva��o do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destrui��o dessa parte da popula��o, que configuram atos de exterm�nio, al�m de priva��o intencional e grave de direitos fundamentais em viola��o do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa, que configura atos de persegui��o".

Segundo o professor Marcos Zilli, essas acusa��es, caso sejam realmente apresentadas pela CPI ao TPI, passar�o por um longo processo de an�lise e n�o necessariamente v�o gerar investiga��es internacionais contra o presidente brasileiro.
Todas as representa��es criminais feitas ao TPI s�o analisadas pela Procuradoria da Corte, �rg�o respons�vel por realizar investiga��es de forma independente. Um filtro inicial da procuradoria descarta casos em que os crimes denunciados claramente n�o s�o de compet�ncia do Tribunal.
Se a representa��o passar dessa etapa, ela � submetida a um exame preliminar, em que a Procuradoria avalia a presen�a dos elementos necess�rios � instaura��o de uma investiga��o formal. Nesse momento, � analisado, por exemplo, a gravidade dos crimes apontados na representa��o e se h� omiss�o da Justi�a nacional em apurar esses delitos.
"A experi�ncia que n�s temos no Tribunal Penal Internacional revelam que os casos demandam muitos anos de investiga��o, caso uma investiga��o seja instaurada, e muitos anos de processo tamb�m, caso o processo seja aberto", explica Zilli.
Na sua avalia��o, a acusa��o envolvendo popula��es ind�genas � a que teria mais potencial de prosperar no TPI, devido ao contexto mais amplo de a��es da gest�o Bolsonaro relacionadas a esses povos, como a redu��o da prote��o aos seus territ�rios e falas recorrentes do presidente defendendo a explora��o econ�mica das terras ind�genas.
O TPI, inclusive, j� recebeu algumas acusa��es contra Bolsonaro, envolvendo tanto os povos ind�genas como a conduta na pandemia. Por enquanto, apenas uma relacionada aos ind�genas, apresentada em 2019, avan�ou para a etapa de an�lise preliminar pela procuradoria.
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