
Num confronto entre dois projetos pol�ticos e culturais opostos, o comparecimento de eleitores �s urnas tende a crescer nestas elei��es presidenciais de 2 de outubro em rela��o aos pleitos anteriores, assim como ocorreu nas elei��es presidenciais de 2020 nos Estados Unidos. Esta � a avalia��o de Solange Sim�es, PHD em sociologia, professora da Eastern Michigan University e delegada-l�der do grupo de estudos “Sociologists for Women in Society” junto � Organiza��o das Na��es Unidas (ONU).
Entretanto, o aumento esperado da participa��o pol�tica eleitoral n�o se distribui igualmente entre homens e mulheres; entre eleitores de diferentes escolaridade e renda. � o que mostra um estudo in�dito que analisou o perfil comparecimento dos 117,36 milh�es que foram �s urnas no primeiro turno em 2018, realizado pelo cientista pol�tico Jairo Nicolau, professor e pesquisador da Funda��o Get�lio Vargas/FCPDOC e autor do livro “O Brasil dobrou � direita: a radiografia da elei��o de Bolsonaro em 2018” (Zahar, 2019).
Naquela elei��o, mulheres foram mais �s urnas do que homens; e pessoas de baixa escolaridade - vari�vel correlacionada � renda - participaram menos das elei��es. Se no pr�ximo domingo for mantido o mesmo padr�o, Lula tende a se beneficiar, por um lado, pela maior vota��o de mulheres em rela��o aos homens. Mas por outro lado, Jair Bolsonaro colheria melhor desempenho entre eleitores de maior renda, vari�vel fortemente correlacionada � maior escolaridade formal, estrato que em 2018 compareceu mais �s urnas.
“Al�m de serem maioria no eleitorado, as mulheres compareceram mais do que a dos homens �s urnas no primeiro turno de 2018: 80,4% das eleitoras e 79,2% dos eleitores. A maior participa��o eleitoral das mulheres beneficia a candidatura de Lula. Os n�meros s�o pequenos, mas lhe favorecem”, afirma Jairo Nicolau.
Tamb�m a escolaridade do eleitor demonstra ser um fator decisivo para o comparecimento eleitoral: o percentual cresce de maneira constante � medida que aumenta a faixa de escolaridade, analisa o cientista. “Como os eleitores de baixa escolaridade de Lula comparecem menos do que os de escolaridade alta e m�dia, a maior absten��o daquele grupo poder� prejudicar Lula, se a campanha dele n�o atuar de forma decisiva para estimular este segmento a votar”, afirma Jairo Nicolau.

At� agora, as pesquisas indicam que Lula lidera com folga entre os eleitores que cursaram at� o fundamental completo ou n�o foram � escola. “Em 2018, a escolaridade foi um fator fundamental para a vit�ria de Bolsonaro (ele obteve amplo apoio dos eleitores de m�dia e alta escolaridade). Este ano, a convoca��o para que os eleitores de baixa escolaridade (e baixa renda) saiam de casa no dia 2 de outubro pode ser decisiva para Lula”, reitera Jairo Nicolau.
Perfil das absten��es
Marcado pelo vi�s de classe social e de g�nero, o comportamento eleitoral nesta elei��o presidencial tende a ser impactado pela maior absten��o de grupos de eleitores com essas caracter�sticas. � assim que o estudo de Jairo Nicolau apresenta particular interesse para os progn�sticos de participa��o pol�tica eleitoral no primeiro turno no pr�ximo domingo. Al�m de apontar que em 2018 mulheres, em m�dia, votaram mais do que homens, esse comparecimento n�o se distribuiu uniformemente entre diferentes grupos de escolaridade e de faixa et�ria.A absten��o foi maior no grupo de mulheres de 60 anos ou mais, que nunca estudaram, associado � baixa renda familiar. A participa��o nas elei��es de 2018 foi tamb�m crescente entre faixas et�rias de 16 a 59 anos, voltando a declinar entre 60 e 69 anos e alcan�ando o menor patamar, entre idosos de 70 anos ou mais. A participa��o pol�tica foi sempre crescente e maior, � medida que aumentam os anos de estudo formal.
Motiva��es e reflexos nos EUA
Em roteiro paralelo de muitas similaridades com o atual contexto brasileiro, nas elei��es presidenciais de 2020 nos Estados Unidos, quando Joe Biden derrotou Donald Trump, a polariza��o de pautas centrais para o eleitorado carreou �s urnas o recorde de eleitores americanos: 66,7% das pessoas com direito ao voto, algo que n�o se via desde o in�cio do s�culo passado. Nos EUA, o sufr�gio � facultativo.
Para al�m de quest�es locais, de cada cidade, frequentes nos pleitos municipais, nesta sucess�o presidencial brasileira tamb�m est�o postas motiva��es amplas que confrontam valores centrais de grande parte da popula��o.
De diferentes maneiras, mulheres e minorias s�o alvos preferenciais dessa cultura da viol�ncia e por isso, tendem a se posicionar mais fortemente.
Por outro lado, entrecortado pelo voto de classes sociais m�dia e alta, tamb�m contra-atacam os defensores de um estado de vi�s autorit�rio e personalista, assim como aqueles que se apegam ao fundamentalismo religioso como guia para vida e das narrativas em torno de pautas de retrocesso aos direitos civis e identit�rios. Estes convocam para seguir com a “cruzada” cultural, para aquilo que vislumbram como uma “guerra santa” de m�ltiplas dimens�es. � desse confronto que emerge a expectativa de maior participa��o de eleitores.

Os EUA vivem cen�rio com muitas similaridades. “Aqui, a mobiliza��o em torno de pautas fundantes da democracia tem levado � maior participa��o nas elei��es. O maior comparecimento foi verificado em 2020 e tamb�m � projetado para as elei��es em novembro deste ano, em que, contrariamente aos pleitos anteriores, h� registro de crescimento no n�mero de eleitores, principalmente democratas e independentes, que temem a volta de Trump e os horrores de 6 de janeiro, quando houve a invas�o do Congresso”, constata a PHD Solange Sim�es, professora da Eastern Michigan University, integrante do Comit� Mulher e G�nero na Sociedade da Associa��o Internacional de Sociologia.
“Esse eleitorado est� se mobilizando contra a ascens�o da extrema direita, contra as amea�as � democracia, contra a viol�ncia pol�tica, contra a crescente imposi��o de barreiras � participa��o eleitoral de negros e tamb�m contra o retrocesso imposto �s mulheres, como a recente revoga��o pela Suprema Corte Americana do direito ao aborto”, avalia a soci�loga.
Diferen�as e tend�ncias entre os votos
O eleitorado nos EUA, tamb�m como no Brasil, � majoritariamente de mulheres. “Em seu conjunto, as mulheres americanas, � exce��o das mulheres brancas, t�m por v�rios ciclos eleitorais votado majoritariamente em candidatos do Partido Democrata e em pautas progressistas. Podemos dizer, que nos EUA e no Brasil h� outro tipo de polariza��o com potencial para grande impacto nos resultados e participa��o eleitoral: as diferen�as e tend�ncias entre os votos das mulheres e dos homens”, afirma Solange Sim�es.
A soci�loga tra�a o paralelo entre a ascens�o de pautas antidemocr�ticas aos direitos civis no Brasil e nos Estados Unidos e afirma: “H� a reemerg�ncia da extrema direita voltada para o �dio na pol�tica e para o autoritarismo, com a��es nos estados americanos para a intimida��o do eleitor negro, visando a diminui��o de sua participa��o e amea�as �s conquistas de direitos de mulheres e minorias.
A rea��o a estas pautas, que na elei��o de Donald Trump, em 2016, levou �s urnas um maior contingente at� ent�o identificado de homens brancos e de baixa escolaridade, agora impulsionado � mobiliza��o principalmente mulheres n�o brancas e pessoas progressistas que nem sempre compareciam para votar”.
A rea��o a estas pautas, que na elei��o de Donald Trump, em 2016, levou �s urnas um maior contingente at� ent�o identificado de homens brancos e de baixa escolaridade, agora impulsionado � mobiliza��o principalmente mulheres n�o brancas e pessoas progressistas que nem sempre compareciam para votar”.
A evolu��o da absten��o brasileira
Depois de um longo jejum imposto pela ditadura militar em 1964, sem direito a votar para a Presid�ncia da Rep�blica, 1989 registrou no Brasil o recorde de participa��o pol�tico-eleitoral: 88,07% compareceram �s urnas para escolher o presidente da Rep�blica. Ao longo das elei��es que se seguiram, o �ndice de absten��o variou segundo um conjunto de fatores pol�ticos, conjunturais e burocr�ticos.
Os pleitos presidenciais de 2002 e de 2006, elei��o e reelei��o de Lula, apresentaram a segunda e terceira maior taxa de participa��o eleitoral ap�s a redemocratiza��o: 82,26% e 83,25%. Nas tr�s elei��es seguintes, a absten��o cresceu sucessivamente: 18,62% em 2010; 19,39% em 2014; e 20,32% em 2018.
Para al�m do desalento pol�tico, h� outros fatores de ordem burocr�tica que tamb�m explicam esse aumento. “Uma parte da absten��o registrada ao longo do tempo decorre de problemas com o cadastro e tamb�m com problemas de domic�lio eleitoral: o eleitor est� morando em outra cidade ou estado e por diversas raz�es, n�o viaja para votar”, afirma o cientista pol�tico Jairo Nicolau, professor e pesquisador da Funda��o Get�lio Vargas/FCPDOC.
Para al�m do desalento pol�tico, h� outros fatores de ordem burocr�tica que tamb�m explicam esse aumento. “Uma parte da absten��o registrada ao longo do tempo decorre de problemas com o cadastro e tamb�m com problemas de domic�lio eleitoral: o eleitor est� morando em outra cidade ou estado e por diversas raz�es, n�o viaja para votar”, afirma o cientista pol�tico Jairo Nicolau, professor e pesquisador da Funda��o Get�lio Vargas/FCPDOC.
O recente recadastramento do eleitorado brasileiro com biometria, vai reposicionar a situa��o de muitos eleitores que n�o compareceram em suas respectivas cidades de origem, melhorando a qualidade do cadastro. At� este momento, dos 156.454.011 eleitores registrados junto � Justi�a Eleitoral, 75,52% tiveram o recadastramento biom�trico realizado.
Se por um lado, com a maior parte do cadastro eleitoral atualizado, a absten��o tende a cair - fator este que se soma � polariza��o eleitoral em torno de pautas centrais para a vida das pessoas - por outro, a facilidade para justificar o n�o comparecimento, agora em aplicativo, pode se tornar um incentivo ao eleitor menos interessado em pol�tica a se abster, considera o cientista pol�tico. “Al�m de uma elei��o muito disputada, o que favorece a participa��o, o recadastramento vai ajustar os eleitores �s suas se��es, ambos fatores que contribuem para diminuir a absten��o.