
A guinada na pol�tica externa brasileira faz parte da estrat�gia adotada pelo presidente Luiz In�cio Lula da Silva de confrontar o bolsonarismo em todas as frentes poss�veis. Para isso, o governo conta com um aliado fiel, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que assumiu, nesta semana, o comando da CRE.
O primeiro passo foi dado: o Pal�cio do Planalto retirou da comiss�o uma lista de 16 diplomatas indicados pelo governo anterior para assumir embaixadas que est�o sem titular. Uma nova lista ser� encaminhada nas pr�ximas semanas.
Conhecida como a comiss�o "dos punhos de renda", por adotar protocolos da diplomacia, como receber delega��es estrangeiras e representar o Poder Legislativo em agendas internacionais, a CRE dever� ganhar um protagonismo in�dito a partir deste ano. "A prioridade � frente da comiss�o, neste momento �nico da hist�ria, � a reconstru��o, o resgate do papel que o Brasil sempre exerceu no cen�rio internacional", disse Renan Calheiros ao Correio.
Al�m das rela��es externas, em que a prioridade ser� a reinser��o do pa�s nas agendas globais, o novo presidente do colegiado pretende acompanhar de perto a atividade militar, cuja rela��o com os Tr�s Poderes foi contaminada pela proximidade dos comandos das For�as Armadas com o projeto de poder de Bolsonaro. Os ataques golpistas de 8 de janeiro acenderam o sinal de alerta do novo governo.
O primeiro ato de Calheiros n�o poderia ser mais simb�lico: ele vai pautar para aprecia��o da CRE o projeto da Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito (CPI) da Covid-19 que tipifica os crimes contra a humanidade, como o genoc�dio. O parlamentar presidiu a investiga��o do Senado que apontou as responsabilidades do governo anterior na condu��o da crise sanit�ria que provocou quase 700 mil mortes no pa�s.
Recolocar a pandemia na pauta pol�tica tamb�m faz parte da estrat�gia de desconstru��o do bolsonarismo e de responsabiliza��o do ex-presidente por erros de comando. Dessa forma, a comiss�o tamb�m relembrar� a participa��o do general Eduardo Pazuello (eleito deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro) na condu��o do Minist�rio da Sa�de.
A pol�tica externa � uma seara promissora para marcar diferen�as entre os dois governos. Quando vem acompanhada de um esc�ndalo que envolve militares, ganha contornos ainda mais urgentes, que v�o ser explorados pelos aliados de Lula na CRE. � o caso do esc�ndalo das joias que o ex-presidente recebeu na Ar�bia Saudita. Calheiros quer que o tema tamb�m fa�a parte da agenda da comiss�o, que deve acompanhar as investiga��es sobre a participa��o de militares, como o ex-ministro de Minas e Energia almirante Bento Albuquerque e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro no Pal�cio do Planalto tenente-coronel Mauro Cid. At� por obriga��o regimental, as primeiras autoridades ouvidas na comiss�o ser�o os ministros das Rela��es Exteriores, embaixador Mauro Vieira, e da Defesa, Jos� M�cio Monteiro.
A reinser��o do Brasil nos principais f�runs multilaterais — em especial, a Organiza��o Mundial de Com�rcio (OMC) — e a reativa��o dos blocos econ�micos que perderam import�ncia no governo anterior, como o Mercosul (que dever� retomar as discuss�es com a Uni�o Europeia para retirada de barreiras comerciais) e o Brics (acr�nimo da uni�o entre Brasil, R�ssia, �ndia, China e �frica do Sul), v�o competir, em import�ncia, com a chamada diplomacia ambiental, que envolve os debates sobre aquecimento global e sustentabilidade em todo o mundo.
Artilharia pesada
Enquanto a diplomacia caminha pela trilha da chamada "soft power" (poder suave, em tradu��o livre), Calheiros prepara artilharia pesada contra o governo Bolsonaro, refor�ando o discurso da gest�o Lula de que o per�odo anterior n�o representa a tradi��o brasileira nas rela��es externas.
A imagem do pa�s foi severamente comprometida por uma s�rie de epis�dios que ser�o lembrados pelo senador, como o coment�rio do ex-chanceler Ernesto Ara�jo, em 2020, de que, se a "nova pol�tica externa (do governo Bolsonaro) nos faz ser um p�ria internacional, que sejamos esse p�ria".
"O Brasil sempre foi respeitado pelos pressupostos de sua chancelaria, e isso, infelizmente, foi dilapidado no governo anterior, ao ponto de nos tornarmos p�ria mundial. Mas o Brasil voltou ao centro das aten��es, e o mundo demonstrou que estava com saudades do Brasil", disse Calheiros.
Com Bolsonaro, o pa�s se aproximou de governos pouco democr�ticos (como Hungria e Pol�nia) e ditaduras de fato, como a da Ar�bia Saudita — agora, piv� do caso das joias (leia reportagem na p�gina 4). Tamb�m criou embara�os na rela��o com o maior parceiro comercial do pa�s, a China, quando Bolsonaro declarou que n�o confiava "na vacina chinesa (contra covid-19)", e se alinhou de corpo e alma ao governo de Donald Trump nos Estados Unidos, a ponto de n�o criticar a invas�o do Capit�lio e fazer do Brasil o �ltimo membro do G-20 a reconhecer a vit�ria de Joe Biden nas urnas, 38 dias depois de o democrata ser declarado ganhador das elei��es presidenciais.