(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas ESPECIAL

Juruna: a voz do guerreiro gravada na hist�ria

H� 40 anos, M�rio Juruna, primeiro ind�gena a conquistar uma cadeira na C�mara dos Deputados, subia � tribuna para denunciar a invisibilidade social do seu povo


19/04/2023 04:00 - atualizado 19/04/2023 06:58

foto em preto e branco do deputado indígena Juruna, de 1983
No hist�rico pronunciamento de 1983, Juruna sugeriu o retorno dos militares aos quart�is (foto: Get�lio Gurgel/Folhapress)

H� exatos 40 anos, em 19 de abril de 1983, M�rio Dzurur� – ou M�rio Juruna (1943-2002), como se tornou conhecido o chefe guerreiro xavante – subiu � tribuna da C�mara dos Deputados para pronunciar-se em um discurso hist�rico, que abordava a dura realidade dos povos origin�rios e a conjuntura pol�tica da �poca – em certos aspectos muito parecida com a de hoje.

Ele criticou a aus�ncia de representa��o ind�gena no Parlamento, a falta de acesso � escolariza��o do seu povo, cobrou elei��o direta para presidente e denunciou o Brasil de castas privilegiadas do poder econ�mico e do poder pol�tico, em contraposi��o �s classes despossu�das, que lutavam para fazer a pr�xima refei��o. O deputado Juruna, em sua fala aos colegas parlamentares, trouxe � luz a condi��o de invisibilidade social da sua gente antes da Constitui��o Federal de 1988.

Apontando o dedo para a ditadura militar, naquele pronunciamento hist�rico, Juruna sugeriu o retorno dos militares aos quart�is e reivindicou o direito de a popula��o brasileira eleger o seu presidente da Rep�blica, num momento em que a sociedade ainda n�o se mobilizara em respaldo � emenda Dante de Oliveira, apresentada em 2 de mar�o de 1983, restabelecendo as elei��es diretas para a Presid�ncia da Rep�blica.



“Presidente da Rep�blica tem que ser mais votado com povo brasileiro (...) O presidente foi eleito com empres�rio, presidente foi compromisso com multinacional, com fazendeiro, com empres�rio e grande empres�rio. Se presidente pai do Brasil, presidente segurava toda barra que est� acontecendo no Brasil. E aqui gente t� morrendo. E por qu�? Porque n�o tem presidente, n�o tem autoridade. E toda autoridade � comprada, toda autoridade est� se vendendo, quer o dinheiro, quer ganhar dinheiro”, declarou Juruna, que ainda pediu a demiss�o de todo o minist�rio do general Jo�o Batista Figueiredo e pleiteou que a Funai fosse administrada por ind�genas, n�o por militares.

M�rio Juruna foi o primeiro ind�gena na hist�ria do Brasil a conquistar, em 1982, mandato representativo na C�mara dos Deputados, pelo Rio de Janeiro. Filiou-se ao PDT estimulado por Leonel Brizola e pelo antrop�logo Darcy Ribeiro.
 


Precursos da participa��o ind�gena na pol�tica

elei��o dele representou um ponto de inflex�o do movimento ind�gena brasileiro. Al�m de afrontar a tutela do estado aos povos origin�rios, foi precursor da participa��o de ind�genas na pol�tica partid�ria, abrindo a avenida para as candidaturas e algumas vit�rias de representantes dos povos origin�rios, em todos os n�veis de governo.

Em 2022 foram eleitas quatro deputadas federais – C�lia Xacriab� (Psol-MG), Juliana Cardoso (PT-SP), Silvia Wai�pi (PL-AP) e Sonia Guajajara (Psol-SP). Entre 2016 e 2020, os prefeitos ind�genas passaram de seis para oito; j� os vereadores aumentaram de 168 para 179. Considerando tamb�m os vice-prefeitos, 197 ind�genas sa�ram-se vitoriosos nas elei��es municipais de 2020, contra 184, no pleito anterior.

Mudan�as na Funai

M�rio Juruna exerceu a legislatura 1983-1987 focado nas quest�es ind�genas. Criou a Comiss�o do �ndio, da qual foi o primeiro presidente. Conseguiu aprovar um projeto que modificava a composi��o da diretoria da Funai – dirigida at� ent�o por militares desconectados com a realidade dos povos origin�rios –, o que garantiu a forma��o de um conselho diretor para fiscalizar a atua��o da entidade nas �reas ind�genas, com membros indicados pelas comunidades.

Deu visibilidade � causa dos povos origin�rios, marcando forte presen�a �tnica na C�mara dos Deputados, com corte de cabelo, ornamentos caracter�sticos, discursando algumas vezes em sua l�ngua original. Em decorr�ncia da cr�tica permanente ao governo militar, ap�s um discurso em que chamou ministros de corruptos e ladr�es, houve tentativa de cass�-lo.

"Aqui gente t� morrendo. E por qu�? Porque n�o tem presidente, n�o tem autoridade. E toda autoridade � comprada, toda autoridade est� se vendendo, quer o dinheiro, quer ganhar dinheiro"

Juruna (1943-2002)


Eleitor de Tancredo Neves no col�gio eleitoral, Juruna viu o fim de seu mandato se eclipsar, ap�s denunciar o empres�rio Calim Eid, coordenador da campanha presidencial do candidato Paulo Maluf, (PDS), por tentar comprar a mudan�a do voto dele. Fotografado com a pilha de dinheiro � sua frente, Juruna admitiu ter recebido para votar em Maluf, mas devolveu o suborno. Ele n�o se reelegeria no pleito seguinte.

Desligou-se do PDT e deixou a C�mara dos Deputados em janeiro de 1987. Contratado pelo Projeto Rondon, foi colocado � disposi��o da Assembleia Constituinte como assessor t�cnico.

A realiza��o da representa��o ind�gena, com a presen�a de Juruna na C�mara dos Deputados, estimulou a ascens�o de novas lideran�as dos povos origin�rios e abriu caminho para que na Assembleia Nacional Constituinte ocorressem mudan�as importantes, como o reconhecimento da organiza��o social ind�gena, dos costumes, l�nguas, cren�as e tradi��es, e os seus direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo � Uni�o demarc�-las, proteg�-las e fazer respeitar todos os seus bens.

Gravador, arco e flecha urbano

O l�der Xavante M�rio Juruna come�ou a se destacar nacionalmente ao longo da d�cada de 70, em que a luta social e �tnica dos povos origin�rios por direitos e cidadania fora marcada por sua organiza��o em assembleias de chefes ind�genas. Inicialmente idealizadas pelo Conselho Indigenista Mission�rio (Cimi), mas com a participa��o direta das lideran�as, entre 1974 e 1980, 15 dessas assembleias reuniram diferentes etnias, propiciando a emerg�ncia do protagonismo ind�gena em um movimento social propositivo.

"Eu comprei gravador porque branco faz muita promessa. Depois esquece tudo"

Juruna (1943-2002)


Em 1978, Juruna tamb�m participaria da mobiliza��o nacional contr�ria ao Decreto de Emancipa��o Ind�gena de 1978, proposto pela ditadura militar, que mirava as terras ind�genas, que tamb�m seriam emancipadas, tornando-se pass�veis de explora��o em projetos tidos por desenvolvimentistas. Amplos espectros da sociedade civil aderiram ao movimento de resist�ncia ao decreto, que foi vitorioso em derrubar a proposta do governo militar.

M�rio Juruna, que por essa �poca estava amplamente engajado no movimento nacional pela conquista de direitos ind�genas, inaugurou uma nova abordagem para denunciar a omiss�o e promessas n�o cumpridas aos ind�genas feitas pelas autoridades do governo militar. Depois de enganado por pol�ticos e autoridades reiteradas vezes, passou a carregar um gravador a tiracolo pelos meandros de Bras�lia, registrando tudo o que lhe era dito, sempre que tentava se fazer ouvir pelas autoridades do ent�o governo Ernesto Geisel (1974-1979).

“Eu comprei gravador porque branco faz muita promessa. Depois esquece tudo”, costumava explicar Juruna. Ao cobrar coer�ncia entre as palavras e as a��es das autoridades, exibindo as grava��es, Juruna ganharia notoriedade. Ao mesmo tempo, era ridicularizado por segmentos que pretendiam desqualificar a sua lideran�a e explorar o seu “exotismo”.

Em 1980, com a presen�a na cena pol�tica nacional consolidada, M�rio Juruna foi convidado, junto com Darcy Ribeiro, para participar na Holanda como jurado no IV Tribunal Bertrand Russel em Roterdam, que julgava crimes contra ind�genas do mundo inteiro. A Funai tentou impedi-lo e a disputa foi para a justi�a, ganhando grande visibilidade nas p�ginas dos principais jornais. Questionava-se, assim, pela primeira vez, a tutela do estado brasileiro sobre os povos origin�rios.

Vida na selva at� os 17 anos

A demarca��o das terras ind�genas sempre esteve no centro das preocupa��es de M�rio Juruna. No s�culo 18, o povo Xavante vivia na cabeceira do Rio Xingu, mas depois de uma s�rie de conflitos com posseiros, atravessaram o corredor do Tocantins-Araguaia, descendo para a regi�o do Rio Roncador e Rio das Mortes, onde, nos anos 40, foram localizados pela expedi��o dos irm�os Villas-B�as e pelo sertanista Francisco Meirelles, que os teria convencido a permanecer na Serra do Roncador.

Os xavantes viveram ali protegendo a margem do Rio das Mortes, que n�o deixavam ser atravessado, longe do contato com os colonos, at� por volta dos anos 50. M�rio Juruna, que nasceu em Couto Magalh�es (MT) em 3 de setembro de 1943, filho dos �ndios xavantes Isa�as Buts� e Mercedes Ro Otsitsina, viveu na selva, sem contato com a civiliza��o, at� os 17 anos. Adulto, tornou-se l�der guerreiro da aldeia Vavante Namunjur�, localizada na reserva ind�gena de S�o Marcos, no munic�pio de Barra do Gar�a (MT).

V�tima de diabete cr�nica, o ex-cacique xavante morreu em 17 de julho de 2002. Debilitado pela doen�a, preso a uma cadeira de rodas, Juruna, que publicou em 1983 “O gravador de Juruna”, fora esquecido pelos pol�ticos. Mas sua atua��o foi um marco hist�rico. E os seus gestos em defesa ao direito da exist�ncia ind�gena, nas palavras de Ailton Krenak, seguem ressurgindo em outros corpos.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)