
O registro hist�rico dos “brancos” tenta apag�-los, mas os gestos de resist�ncia ao direito de existir ressurgem em outros corpos. � assim que, sob a inspira��o de M�rio Juruna, primeiro ind�gena da hist�ria a ser eleito deputado federal, salta � cena pol�tica da Assembleia Nacional Constituinte, em 4 de setembro de 1987, o jovem ind�gena Ailton Krenak.
Em manifesta��o hist�rica em defesa dos direitos ind�genas, discursa da tribuna enquanto pinta o rosto com jenipapo, refer�ncia ao luto Krenak pelo exterm�nio de mais de cinco milh�es de ind�genas no Brasil. “Naquele momento, pensei: ‘Agora sou um totem diante deles’. Ent�o me senti Juruna”, revive Ailton Krenak hoje, aos 69 anos, j� membro da Academia Mineira de Letras e considerado um dos mais destacados ativistas do movimento socioambiental e de defesa dos direitos ind�genas.
Os atos e mensagens de resist�ncia de M�rio Juruna, Davi Kopenawa, Raoni Metuktire, Ailton Krenak e tantos outros l�deres se multiplicam na voz das deputadas federais eleitas S�nia Guajajara (Psol-SP), C�lia Xakriab� (Psol-MG) e Joenia Wapichana (Rede-RR), esta, presidente da Funda��o Nacional dos Povos Ind�genas (Funai).
“� assim que as mulheres ind�genas assumem hoje um protagonismo que nenhum homem ind�gena alcan�ou, ocupando lugar de fala em lugares que, h� 30 anos, seria impens�vel imaginar que uma ind�gena pudesse falar e pudesse estar”, acrescenta Ailton Krenak.
"Os povos ind�genas deveriam ter desaparecido ao final do s�culo 20. Este era o projeto colonial. Ent�o costumo dizer: eles perderam, n�s ganhamos. A sociedade avan�ou"
As conquistas cravadas na Constitui��o Federal sucedem vit�rias da luta ind�gena sobre a ditadura militar, que em 1978 tentou baixar o decreto de emancipa��o, que largaria os povos origin�rios � pr�pria sorte, � semelhan�a do que fez o estado brasileiro com a popula��o negra escravizada, ap�s a aboli��o.
“N�s, povos ind�genas, escapamos de alguns truques da hist�ria. Dever�amos ter desaparecido ao final do s�culo 20. Este era o projeto colonial. Tentaram, � semelhan�a dos corpos escravizados ap�s a aboli��o, nos largar no meio da estrada. Ent�o costumo dizer: eles perderam, n�s ganhamos”, celebra Ailton Krenak.
Leia tamb�m: C�lia Xakriab� � a primeira ind�gena a representar Minas no Congresso
Vit�rias de uma longa luta pela exist�ncia � parte, seguem e s�o hoje lembradas, no Dia dos Povos Ind�genas, as batalhas dos tempos coloniais, ainda atuais, para arrastar ind�genas de suas terras, for�ando-os ao modo de vida “civilizado”.
A mais recente, o enfrentamento da tese jur�dica do marco temporal, a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual os povos origin�rios s� teriam direito a reivindicar determinada terra caso j� estivessem nela quando da promulga��o da Constitui��o Federal, em 5 de outubro de 1988. “O estado brasileiro at� concebe que os ind�genas possam ter um territ�rio, mas t�m de viver l� dentro como brancos. E vamos continuar a lutar contra isso”, diz Ailton Krenak.
Leia tamb�m: Juruna: a voz do guerreiro gravada na hist�ria
O que representa para a causa ind�gena, naquele ano de 1982, a elei��o de M�rio Juruna para deputado federal?
A hist�ria, como tradu��o de sentido social, tem truques. O fen�meno da insurg�ncia de um sujeito ind�gena, tutelado pelo estado colonial brasileiro, deve ser percebido como um evento extraordin�rio. N�o deve ser naturalizado.
� isso que chamo de truque da hist�ria. N�o s� no campo ind�gena, mas sabemos que outras pessoas, outros povos, ao longo da hist�ria do Brasil, foram invisibilizados, como as personalidades negras que, desde o final do Imp�rio, atuaram ativamente no sentido de afirmar a presen�a dos povos de matriz africana no contexto brasileiro. Porque tem o truque da hist�ria, o de sumir. Quase que o nosso querido M�rio Juruna foi lan�ado no sumidouro da hist�ria.
� isso que chamo de truque da hist�ria. N�o s� no campo ind�gena, mas sabemos que outras pessoas, outros povos, ao longo da hist�ria do Brasil, foram invisibilizados, como as personalidades negras que, desde o final do Imp�rio, atuaram ativamente no sentido de afirmar a presen�a dos povos de matriz africana no contexto brasileiro. Porque tem o truque da hist�ria, o de sumir. Quase que o nosso querido M�rio Juruna foi lan�ado no sumidouro da hist�ria.

O que pretendia o governo militar com o Decreto de Emancipa��o Ind�gena?
Quando Juruna aparece na cena brasileira, o governo militar anunciava o Decreto de Emancipa��o Ind�gena (1978). Houve grande mobiliza��o social contr�ria, M�rio Juruna participa ativamente da resist�ncia ao decreto, que representava a tentativa de um golpe dentro do golpe.
Com isso, a ditadura iria jogar os ind�genas na estrada, no momento em que estavam se organizando, em movimento coordenado por assembleias de chefes ind�genas em todo o pa�s. A ditadura pretendia fazer com os ind�genas, � semelhan�a do que o estado brasileiro j� havia feito com os corpos escravizados dos negros, com a aboli��o.
Era um truque bem acomodado da produ��o de cima para baixo da hist�ria brasileira. No caso dos povos ind�genas, escapamos desse truque. Os povos ind�genas deveriam ter desaparecido ao final do s�culo 20. Este era o projeto colonial. Ent�o costumo dizer: eles perderam, n�s ganhamos. A sociedade avan�ou.
Com isso, a ditadura iria jogar os ind�genas na estrada, no momento em que estavam se organizando, em movimento coordenado por assembleias de chefes ind�genas em todo o pa�s. A ditadura pretendia fazer com os ind�genas, � semelhan�a do que o estado brasileiro j� havia feito com os corpos escravizados dos negros, com a aboli��o.
Era um truque bem acomodado da produ��o de cima para baixo da hist�ria brasileira. No caso dos povos ind�genas, escapamos desse truque. Os povos ind�genas deveriam ter desaparecido ao final do s�culo 20. Este era o projeto colonial. Ent�o costumo dizer: eles perderam, n�s ganhamos. A sociedade avan�ou.
Como M�rio Juruna conseguiu registrar a sua candidatura em 1982, se ind�genas tutelados n�o tinham direito de votar e nem de serem votados?
M�rio Juruna se elegeu pelo Rio de Janeiro, no PDT, levado pelas m�os de Leonel Brizola e de Darcy Ribeiro. A condi��o do ind�gena antes da Constituinte era semelhante � da mulher no C�digo Civil brasileiro: era tutelada pela fam�lia, submetida � administra��o feita pelo marido ou pais, e ela n�o podia tomar decis�es sozinha. J� os ind�genas eram submetidos a uma tutela ainda mais absoluta, nem sequer podiam interpor representantes, eram considerados uma esp�cie de idiota.
O C�digo Civil brasileiro, que era de 1916, que inclusive s� foi revogado em 2002 pela Lei nº 10.406, colocava todo mundo no mesmo patamar, nulo, tutelado. Juruna transgride essa ordem colonial, que atravessou o Imp�rio e a Rep�blica, por ser muito corajoso e inocente, aceitou o convite para assinar a filia��o dele a uma legenda, que ele n�o sabia o que era.
Mas pela f� e confian�a no Darcy Ribeiro, ele assinou. Dizem inclusive que o Darcy teria feito o desenho para o M�rio Juruna imitar, que era o nome M�rio Juruna. Ele n�o sabia ler nem escrever. Juruna n�o era do Rio de Janeiro, mas do Mato Grosso. Mas para garantir a candidatura dele, foi indicado o endere�o no hotel em que ele ficava no Rio.
O C�digo Civil brasileiro, que era de 1916, que inclusive s� foi revogado em 2002 pela Lei nº 10.406, colocava todo mundo no mesmo patamar, nulo, tutelado. Juruna transgride essa ordem colonial, que atravessou o Imp�rio e a Rep�blica, por ser muito corajoso e inocente, aceitou o convite para assinar a filia��o dele a uma legenda, que ele n�o sabia o que era.
"Para Juruna, era algo totalmente sem sentido que pessoas nas quais acreditava, autoridades moralmente reconhecidas, se utilizassem da mentira de maneira t�o descarada"
Mas pela f� e confian�a no Darcy Ribeiro, ele assinou. Dizem inclusive que o Darcy teria feito o desenho para o M�rio Juruna imitar, que era o nome M�rio Juruna. Ele n�o sabia ler nem escrever. Juruna n�o era do Rio de Janeiro, mas do Mato Grosso. Mas para garantir a candidatura dele, foi indicado o endere�o no hotel em que ele ficava no Rio.
O registro de candidatura de Juruna foi questionado pela ditadura militar?
Como nada igual jamais havia acontecido, as autoridades da ditadura n�o entenderam o que estava se passando. S� vieram a entender quando Juruna foi eleito e diplomado. Houve ent�o uma grita. O primeiro questionamento foi feito � Funai – o presidente era um coronel – que recebeu uma notifica��o do ministro da Justi�a indagando: “Como voc� deixou escapar um ind�gena tutelado, se candidatar a deputado federal, se eleger e afrontar a tutela dentro do Congresso? Vamos cassar o mandato desse sujeito”.
Ent�o fizeram todo tipo de tentativa para cassar o mandato do Juruna. Alguns dos grandes juristas brasileiras o defenderam. Enquanto isso, Juruna colocava terno, gravata, assumia o mandato com o corte de cabelo tradicional ind�gena, com brinco de madeira adornando a orelha, determinado a fazer o discurso de posse na l�ngua Xavante.
Quando na posse, inaugurou o discurso de posse na l�ngua Xavante, a Mesa da C�mara dos Deputados retirou o som: “Vossa Excel�ncia tem de falar portugu�s, que � a l�ngua oficial do Brasil”. O Juruna respondeu: “N�o � a minha l�ngua”. A� ele mostrou que estava ali para incomodar, que n�o iria fazer concess�o. Fez o discurso dele na l�ngua Xavante e o assessor dele distribuiu um texto com a tradu��o do discurso.
Ent�o fizeram todo tipo de tentativa para cassar o mandato do Juruna. Alguns dos grandes juristas brasileiras o defenderam. Enquanto isso, Juruna colocava terno, gravata, assumia o mandato com o corte de cabelo tradicional ind�gena, com brinco de madeira adornando a orelha, determinado a fazer o discurso de posse na l�ngua Xavante.
Quando na posse, inaugurou o discurso de posse na l�ngua Xavante, a Mesa da C�mara dos Deputados retirou o som: “Vossa Excel�ncia tem de falar portugu�s, que � a l�ngua oficial do Brasil”. O Juruna respondeu: “N�o � a minha l�ngua”. A� ele mostrou que estava ali para incomodar, que n�o iria fazer concess�o. Fez o discurso dele na l�ngua Xavante e o assessor dele distribuiu um texto com a tradu��o do discurso.
Por qu� Juruna se espantava tanto com a cena pol�tica brasileira, levando-o a carregar um gravador para registrar e denunciar a mentira de autoridades? Como a cultura ind�gena aborda a mentira?
Quando M�rio Juruna, a partir desses eventos p�blicos ao final dos anos 70, se d� por uma personalidade conhecida, portando um gravador, gravava falas de ministros e autoridades, desvelando depois essas mentiras gravadas. Cada vez que Juruna ligava o gravador dele era um esc�ndalo.
A mentira que escandalizou o Juruna, escandaliza o pensamento origin�rio nos mitos. Se olhar os mitos, a obra “Mitol�gicas” do Claude Levi-Strauss, demonstra que a ideia da mentira � condenada de uma maneira t�o ampla que n�o tem lugar nas narrativas, foi banida. Nas narrativas m�ticas, nas hist�rias antigas, a escolha pela mentira � irrepar�vel.
Quando Juruna se escandaliza com as mentiras, faz como as crian�as que veem uma coisa pela primeira vez, que nunca entendeu, aponta e fala: “Olha isso!” Para Juruna, era algo totalmente sem sentido que pessoas nas quais acreditava, autoridades moralmente reconhecidas, se utilizassem da mentira de maneira t�o descarada. � como a crian�a que diz: “O rei est� nu”. Lembrando que, para o ind�gena, ficar nu � a verdade. O gravador do Juruna virou um �cone. E para alguns virou piada.
A mentira que escandalizou o Juruna, escandaliza o pensamento origin�rio nos mitos. Se olhar os mitos, a obra “Mitol�gicas” do Claude Levi-Strauss, demonstra que a ideia da mentira � condenada de uma maneira t�o ampla que n�o tem lugar nas narrativas, foi banida. Nas narrativas m�ticas, nas hist�rias antigas, a escolha pela mentira � irrepar�vel.
"Aprendi isso com Juruna: mesmo quando se � esquecido, apagado, o seu gesto vai ressurgir em outros corpos. Assim � com as mulheres ind�genas, que assumem hoje um protagonismo que nenhum homem ind�gena alcan�ou"
Quando Juruna se escandaliza com as mentiras, faz como as crian�as que veem uma coisa pela primeira vez, que nunca entendeu, aponta e fala: “Olha isso!” Para Juruna, era algo totalmente sem sentido que pessoas nas quais acreditava, autoridades moralmente reconhecidas, se utilizassem da mentira de maneira t�o descarada. � como a crian�a que diz: “O rei est� nu”. Lembrando que, para o ind�gena, ficar nu � a verdade. O gravador do Juruna virou um �cone. E para alguns virou piada.
Embora a mentira seja esperada no meio pol�tico, o comportamento do Juruna causa estranhamento e mote de piadas. O que Juruna ensinou � sociedade dos “brancos”?
Tom Jobim cunhou a frase: “O Brasil n�o � para principiantes”. � uma frase terr�vel, porque na verdade quer dizer que � dominado pela mentira. Vivemos experi�ncias muito traum�ticas recentemente na vida brasileira, em que o negacionismo ganhou express�o t�o ampla que fic�vamos diante de pessoas que diziam: Mas a terra � plana”.
Ent�o em estado de nega��o absurda, a pessoa cai num abismo moral. Uma pessoa como Juruna era a inoc�ncia diante de um conjunto de for�as pol�ticas amoral, que fazem prevalecer a verdade que querem. Ent�o travestem a mentira de verdade. Uma sociedade que convive com a mentira como se fosse verdade est� em nega��o. E no caso do Juruna, nunca foi recebido como a voz ind�gena no Parlamento.
Houve tentativa de cassa��o do mandato de Juruna dentro do Parlamento, por a��o direta do gabinete do presidente da Rep�blica, que acusava Juruna de ter ofendido o ent�o ministro Leit�o de Abreu. Foi pretexto para o Congresso abrir uma consulta para a cassa��o do mandato de Juruna, que reagiu bravamente, mobilizou a opini�o p�blica, os povos ind�genas.
O grande chefe Raoni Metuktire se fez presente e convocou os povos do Xingu e fizeram pela primeira vez a ocupa��o do plen�rio em Bras�lia, onde denunciaram a trapa�a em curso para cassar o mandato do �nico ind�gena parlamentar jamais eleito. M�rio Juruna n�o era visto como uma amea�a real. Era visto como um empecilho, um trope�o, uma crian�a na sala ouvindo segredos de velhos corruptos.
Os velhos olhavam e pensavam: “Tira ele da�”. Ent�o acho que Juruna era considerado inconveniente, at� porque falava o que pensava com uma espontaneidade t�o grande, que quando da elei��o indireta no col�gio eleitoral para a Presid�ncia da Rep�blica, o Paulo Maluf tentou compr�-lo, atrav�s de Calim Eid, que botou uma montanha de dinheiro na frente do Juruna, fez uma foto e disse que estava negociando o voto dele.
Juruna reagiu chamando a imprensa e devolvendo a montanha de dinheiro. Foi um esc�ndalo moral na �poca, que foi abafado. Mas Juruna foi sendo cada vez mais objeto de piadas e chacotas, e foi perdendo o brilho, uma esp�cie de apagamento daquele vulto que representou no Congresso no in�cio do mandato.
Ent�o em estado de nega��o absurda, a pessoa cai num abismo moral. Uma pessoa como Juruna era a inoc�ncia diante de um conjunto de for�as pol�ticas amoral, que fazem prevalecer a verdade que querem. Ent�o travestem a mentira de verdade. Uma sociedade que convive com a mentira como se fosse verdade est� em nega��o. E no caso do Juruna, nunca foi recebido como a voz ind�gena no Parlamento.
"O que a Constituinte introduz radicalmente � um basta naquela conduta de empurrar os ind�genas para fora de suas terras, ela coloca um limite"
Houve tentativa de cassa��o do mandato de Juruna dentro do Parlamento, por a��o direta do gabinete do presidente da Rep�blica, que acusava Juruna de ter ofendido o ent�o ministro Leit�o de Abreu. Foi pretexto para o Congresso abrir uma consulta para a cassa��o do mandato de Juruna, que reagiu bravamente, mobilizou a opini�o p�blica, os povos ind�genas.
O grande chefe Raoni Metuktire se fez presente e convocou os povos do Xingu e fizeram pela primeira vez a ocupa��o do plen�rio em Bras�lia, onde denunciaram a trapa�a em curso para cassar o mandato do �nico ind�gena parlamentar jamais eleito. M�rio Juruna n�o era visto como uma amea�a real. Era visto como um empecilho, um trope�o, uma crian�a na sala ouvindo segredos de velhos corruptos.
Os velhos olhavam e pensavam: “Tira ele da�”. Ent�o acho que Juruna era considerado inconveniente, at� porque falava o que pensava com uma espontaneidade t�o grande, que quando da elei��o indireta no col�gio eleitoral para a Presid�ncia da Rep�blica, o Paulo Maluf tentou compr�-lo, atrav�s de Calim Eid, que botou uma montanha de dinheiro na frente do Juruna, fez uma foto e disse que estava negociando o voto dele.
Juruna reagiu chamando a imprensa e devolvendo a montanha de dinheiro. Foi um esc�ndalo moral na �poca, que foi abafado. Mas Juruna foi sendo cada vez mais objeto de piadas e chacotas, e foi perdendo o brilho, uma esp�cie de apagamento daquele vulto que representou no Congresso no in�cio do mandato.
Como a atua��o de M�rio Juruna influencia a sua atua��o na Assembleia Nacional Constituinte e o movimento ind�gena que se consolida depois?
Juruna influencia passando aquela mensagem para mim e jovens ind�genas que aparecem mobilizados em torno da Constituinte, dizendo: “Cuidado, a pol�tica � terreno escorregadio. N�o jogue pelas regras deles”.
Quando chegamos no debate da Constituinte, toda a f�ria contra ind�genas se traduz na tentativa de n�o permitir que se inserisse um cap�tulo dos direitos ind�genas. Foi por isso que tive de fazer aquela manifesta��o, pintando meu rosto de preto, com jenipapo. Por isso entendi que estava num lugar em que n�o podia fazer discurso, a regra do Parlamento.
Eu pensei: “N�o v�o me ouvir, assim como n�o ouviram Juruna. Tenho de fazer algo que surpreenda esse Congresso”. Quando comecei a pintar o meu rosto ficaram paralisados, n�o sabiam o que fazer comigo. Alguns gritaram: “O que esse sujeito est� fazendo? Tira ele da�!”. Pensei: “Agora sou um totem diante deles”. Ent�o me senti Juruna. E fiz breve discurso, porque estavam paralisados e n�o tinham como me impedir. E mais ainda, estavam loucos para entender o que eu estava falando.
Acho que as pessoas d�o pouca aten��o, at� hoje, para o texto que falei, que foi objeto de an�lise pelo professor da Universidade Federal de Bras�lia, Pedro Mandagara, considerando que a estrutura da fala parece ter sido constru�da longamente para aquele lugar, aquela ocasi�o. Mas aquela fala saiu do meu cora��o, inspirada em todos que me antecederam nesta luta para ser ouvido, ser escutado.
E o efeito disso � que est� cravado na Constitui��o de 1988, que os povos t�m o direito de falar, inclusive em suas l�nguas maternas. Isso vai continuar sendo negado, vai continuar sendo disputado, porque essa disputa nunca para. Mas aprendi isso tamb�m com Juruna: mesmo quando se � esquecido, apagado, o seu gesto vai ressurgir em outros corpos.
Assim � com as mulheres ind�genas, que assumem hoje um protagonismo que nenhum homem ind�gena alcan�ou, ocupando lugar de fala do pr�prio estado brasileiro, como presidente da Funai, a Joenia Wapichana, como outras mulheres se destacam em lugares que, h� 30 anos, seria impens�vel imaginar que uma ind�gena pudesse falar e pudesse estar.
Quando chegamos no debate da Constituinte, toda a f�ria contra ind�genas se traduz na tentativa de n�o permitir que se inserisse um cap�tulo dos direitos ind�genas. Foi por isso que tive de fazer aquela manifesta��o, pintando meu rosto de preto, com jenipapo. Por isso entendi que estava num lugar em que n�o podia fazer discurso, a regra do Parlamento.
"N�s podemos entender que o territ�rio � como o corpo, e o modo de estar l� dentro � o esp�rito. Se n�o houver o territ�rio, esse esp�rito vai estar sujeito a todo tipo de abuso, viol�ncia e negatividades, porque a sua alteridade n�o ser� realizada"
Eu pensei: “N�o v�o me ouvir, assim como n�o ouviram Juruna. Tenho de fazer algo que surpreenda esse Congresso”. Quando comecei a pintar o meu rosto ficaram paralisados, n�o sabiam o que fazer comigo. Alguns gritaram: “O que esse sujeito est� fazendo? Tira ele da�!”. Pensei: “Agora sou um totem diante deles”. Ent�o me senti Juruna. E fiz breve discurso, porque estavam paralisados e n�o tinham como me impedir. E mais ainda, estavam loucos para entender o que eu estava falando.
Acho que as pessoas d�o pouca aten��o, at� hoje, para o texto que falei, que foi objeto de an�lise pelo professor da Universidade Federal de Bras�lia, Pedro Mandagara, considerando que a estrutura da fala parece ter sido constru�da longamente para aquele lugar, aquela ocasi�o. Mas aquela fala saiu do meu cora��o, inspirada em todos que me antecederam nesta luta para ser ouvido, ser escutado.
E o efeito disso � que est� cravado na Constitui��o de 1988, que os povos t�m o direito de falar, inclusive em suas l�nguas maternas. Isso vai continuar sendo negado, vai continuar sendo disputado, porque essa disputa nunca para. Mas aprendi isso tamb�m com Juruna: mesmo quando se � esquecido, apagado, o seu gesto vai ressurgir em outros corpos.
Assim � com as mulheres ind�genas, que assumem hoje um protagonismo que nenhum homem ind�gena alcan�ou, ocupando lugar de fala do pr�prio estado brasileiro, como presidente da Funai, a Joenia Wapichana, como outras mulheres se destacam em lugares que, h� 30 anos, seria impens�vel imaginar que uma ind�gena pudesse falar e pudesse estar.
As conquistas ind�genas da Constitui��o de 1988 convergiram para direitos e reconhecimento da organiza��o social, costumes, l�nguas, cren�as e tradi��es, al�m dos direitos origin�rios sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Essas conquistas est�o consolidadas?
O que a Constituinte introduz radicalmente � um basta naquela conduta de empurrar os ind�genas para fora de suas terras, ela coloca um limite, invoca a imagem daquele poema do Carlos Drummond de Andrade: “Stop, a vida que parou ou foi o autom�vel?” Meu amigo Nego Bispo, um s�bio mestre quilombola, faz a diferen�a entre converg�ncias e conflu�ncias.
As conflu�ncias t�m natureza sutil, porque a converg�ncia sup�e um conjunto de prop�sitos alinhados, enquanto as conflu�ncias t�m uma certa dose de simultaneidade de prop�sitos. Aquilo n�o vai ficar o tempo todo, mas por um instante, � o que fica valendo. Assim como o texto da Constitui��o, por um instante ficou valendo, apesar de todas as novas tentativas do marco temporal, golpes legislativos, a tentativa constante de negar o direito aos povos ind�genas em seus territ�rios, em seu modo de viver dentro de seu territ�rio. Porque o estado brasileiro at� concebe que os ind�genas possam ter um territ�rio, mas t�m de viver l� dentro como brancos. E vamos continuar a lutar contra isso.
As conflu�ncias t�m natureza sutil, porque a converg�ncia sup�e um conjunto de prop�sitos alinhados, enquanto as conflu�ncias t�m uma certa dose de simultaneidade de prop�sitos. Aquilo n�o vai ficar o tempo todo, mas por um instante, � o que fica valendo. Assim como o texto da Constitui��o, por um instante ficou valendo, apesar de todas as novas tentativas do marco temporal, golpes legislativos, a tentativa constante de negar o direito aos povos ind�genas em seus territ�rios, em seu modo de viver dentro de seu territ�rio. Porque o estado brasileiro at� concebe que os ind�genas possam ter um territ�rio, mas t�m de viver l� dentro como brancos. E vamos continuar a lutar contra isso.
O que representa o territ�rio para a identidade ind�gena?
N�s podemos entender que o territ�rio � como o corpo, e o modo de estar l� dentro � o esp�rito. Se n�o houver o territ�rio, esse esp�rito vai estar sujeito a todo tipo de abuso, viol�ncia e negatividades, porque a sua alteridade n�o ser� realizada. Esse caminho que a cultura de um povo permite que ele se realize, sonhando, cantando, dan�ando, se expressando, vai ficar chapado de mensagens acusat�rias, criticando o modo de viver ind�gena.
Tivemos um sujeito � frente do governo brasileiro que disse que os ind�genas s�o pregui�osos, que ficam em seus territ�rios imensos e n�o fazem nada. Um discurso sugerindo que os ind�genas tenham que sair de dentro da mata. Todo esse discurso arcaico, atrasado, sendo repetido por autoridades do governo no s�culo 21 d� a impress�o que estamos no s�culo 17. Essas frases caberiam na boca de um colonizador do s�culo 17, 18.
Tivemos um sujeito � frente do governo brasileiro que disse que os ind�genas s�o pregui�osos, que ficam em seus territ�rios imensos e n�o fazem nada. Um discurso sugerindo que os ind�genas tenham que sair de dentro da mata. Todo esse discurso arcaico, atrasado, sendo repetido por autoridades do governo no s�culo 21 d� a impress�o que estamos no s�culo 17. Essas frases caberiam na boca de um colonizador do s�culo 17, 18.
Durante a campanha presidencial, circulou um v�deo do ex-presidente Jair Bolsonaro, em que ele declara em entrevista ao jornal New York Times em 2016, que ele s� n�o comeu carne de um ind�gena, em Surucucu, porque “ningu�m quis ir com ele”. Como recebeu essa declara��o?
Eu n�o recebi. Fiz o que um mestre do budismo, que n�o � da nossa cultura mas diz coisas importantes para mim, que voc� s� recepciona o que quer. Eu n�o recebi isso.
