
Catracas queimadas, vitrines quebradas, g�s lacrimog�neo, spray de pimenta, prote��o para olhos e bocas. Dez anos depois da onda de protestos de junho de 2013, � poss�vel afirmar que, desde ent�o, nenhum outro momento marcou tanto as ruas das grandes cidades do Brasil como aquele m�s. Os protestos, que come�aram questionando o pre�o da passagem do transporte p�blico em S�o Paulo, culminaram em um encontro de movimentos, pautas e reivindica��es pa�s afora.
Ora por gritos, ora nos cartazes, novas vozes ecoaram nas assembleias horizontais – ou populares – que se reuniam sob viadutos, nas universidades ou no Parlamento. De 2013 para c�, influenciados diretamente ou n�o pelos protestos que arrastaram multid�es, surgiram muitos pol�ticos no cen�rio nacional e estadual. Alguns admitem que s�o fruto daqueles acontecimentos, outros nem pensavam em entrar na pol�tica na �poca, mas hoje ocupam cadeiras na C�mara e na Assembleia ou cargos importantes no Executivo.
Na quarta reportagem da s�rie sobre os protestos de Junho de 2013, o Estado de Minas conversou com alguns desses “novos” nomes da pol�tica mineira sobre os dez anos daquelas manifesta��es. Onde estavam? O que pensavam na �poca? Como avaliam aquele movimento? Confira os depoimentos*.

Duda Salabert (PDT-MG) - deputada federal
Para a deputada federal Duda Salabert (PDT), junho de 2013 representou um tremor de terra na pol�tica brasileira e tamb�m um divisor de �guas. A parlamentar – que na �poca era professora de literatura em col�gios e pr�-vestibulares do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte – revelou que participou e ajudou a construir alguns dos atos e assembleias populares que discutiam t�ticas para as grandes manifesta��es.
“Eu sou produto pol�tico de junho de 2013, j� que a minha rela��o com os movimentos sociais se aproximaram, se estreitaram e se imbricam sobretudo nesse momento. A li��o que eu trago para mim dessa �poca � de que � necess�rio, mais do que nunca, fortalecer os partidos do ponto de vista program�tico, pol�tico e ideol�gico, uma vez que os partidos s�o ferramentas fundamentais para conduzir as massas populares para a justi�a social. Em 2013, o que n�s vimos foi uma nega��o dos partidos, uma nega��o da bandeira partid�ria, e a�, quando se discute tudo, n�o se discute nada”, afirmou a deputada federal.

Carlos Viana (Podemos-MG) - senador
O senador Carlos Viana (Podemos), que em 2013 trabalhava como jornalista, disse ter acompanhado o ciclo de protestos com muita aten��o para entender com clareza o que estava acontecendo. O parlamentar acredita que foi o primeiro passo de um processo de crescimento para o brasileiro entender o valor da pol�tica.
“Esse eleitor voltou para casa insatisfeito, e ele hoje revela sua insatisfa��o no voto. Seja nos antagonismos da pol�tica, de direita e esquerda, como foi na �ltima elei��o, seja na renova��o dos nomes para o parlamento, at� a volta para os nomes mais conhecidos. Quer dizer, o eleitor est� mais atento, mais indignado e mais preocupado com a pol�tica. Eu vejo que h� uma busca hoje por entender ou buscar quem realmente traz melhores resultados para o pa�s”, disse o senador.

Andr� Janones (Avante-MG) - deputado federal
O deputado federal Andr� Janones (Avante), um dos nomes mais atuantes na campanha que elegeu Luiz In�cio Lula da Silva (PT) presidente no ano passado, diz que em junho de 2013 era filiado ao PT e n�o participou dos protestos porque estava “militando pelas pautas sociais”. Na avalia��o do parlamentar, os protestos eram variados, com reivindica��es leg�timas, mas acabaram sendo desvirtuados e canalizados para um apoio � derrubada da presidente Dilma Rousseff (PT).
“No interior de Minas, por exemplo, (o protesto) foi contra o prefeito, em algumas capitais foi pelo transporte p�blico, depois juntou-se e era contra a realiza��o da Copa do Mundo. A verdade � que existiam pessoas com reivindica��es leg�timas que foram surrupiadas por movimentos organizados, que conseguiram levar essas manifesta��es de 2013 a 2015, tirando de um contexto leg�timo para um apoio a um golpe, que acabou por vir a destituir a presidente Dilma, que n�o havia cometido qualquer irregularidade”, afirmou Janones.

Marcela Tr�pia (Novo) - vereadora de BH
A vereadora belo-horizontina Marcela Tr�pia (Novo) conta que participou de alguns protestos em 2013, pois “j� estava atuando para mudar o Brasil”. Entretanto, a parlamentar afirmou que decidiu parar de comparecer quando percebeu demandas que n�o concordava, tais como o “tom antipol�tica” e a “rejei��o aos partidos”.
“Por um lado, foi um marco importante para despertar o pa�s para a necessidade de olhar para a pol�tica, em especial para o Poder Legislativo, e cobrar maior representatividade dos pol�ticos. Tamb�m foi um movimento que gerou mais press�o por transpar�ncia e fiscaliza��o do poder p�blico pela popula��o. Por outro lado, infelizmente, vimos nascer tamb�m movimentos radicais, de ambos os lados do espectro pol�tico, al�m do fortalecimento do discurso antipol�tica. Acredito que essa � uma consequ�ncia que precisamos vencer, pois o pa�s precisa superar a polariza��o e encontrar solu��es para problemas que de fato impactam a vida das pessoas”, comentou Tr�pia.
Andr�ia de Jesus (PT) - deputada estadual
A deputada estadual Andr�ia de Jesus (PT) diz que em junho de 2013 trabalhava em uma creche, fazia est�gio no Tribunal de Justi�a e estava se formando no curso de direito e que o tema do seu Trabalho de Conclus�o de Curso (TCC) era a mobilidade urbana. “O t�tulo foi ‘Transporte p�blico por �nibus como direito fundamental de ir e vir’. Comecei dois anos antes e terminei no m�s que eclodiu uma s�rie de manifesta��es a partir do aumento da passagem em S�o Paulo. Ent�o foi feliz, embora tenha sido muito desafiador encontrar um professor que quisesse ser meu orientador porque o tema at� ent�o n�o era discutido no campo do direito”, revelou.
Andr�ia disse que n�o participou diretamente do ciclo de protestos, embora tenha ajudado na mobiliza��o das ocupa��es para irem aos atos. A deputada ressaltou que � importante localizar o lugar dos negros nos espa�os da esquerda e das manifesta��es. “Sempre algu�m extremamente consumido com as horas de trabalho e de cuidado. Eu j� era separada e criava meu filho sozinha. Eu j� morava em Ribeir�o das Neves e teve dia que precisei dormir no centro de Belo Horizonte por causa do tr�nsito que foi impedido por longas horas”, disse a deputada.
Gabriel Azevedo (sem partido) - presidente da C�mara Municipal de BH
O vereador Gabriel Azevedo (sem partido), presidente da C�mara Municipal de Belo Horizonte, lembra que estava “completamente desmotivado” com a pol�tica brasileira em 2013, logo depois de se desfiliar do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). “Participei de algumas manifesta��es no in�cio. Muitos amigos iam. E deixei de ir quando elas passaram a resultar em quebra-quebra e viol�ncia. Esse � um m�todo que n�o apoio”, declarou.
Para o parlamentar, a democracia brasileira piorou nos �ltimos dez anos. “� sempre bom ver o povo na rua num regime democr�tico, mas � preciso que isso se canalize em representa��o parlamentar. Isso n�o � f�cil, considerando que os ambientes partid�rios n�o permitem esse fluxo. Assim sendo, a energia das multid�es se canaliza nos pleitos majorit�rios gerando populismos de variadas formas. Acho essa dificuldade de canalizar esse fluxo para as representa��es parlamentares a grande quest�o, nos tr�s n�veis federativos”, afirmou.
Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) - senador
O senador Cleitinho Azevedo (Republicanos), eleito para o cargo em 2022, revela que n�o participou dos protestos de junho de 2013, em Divin�polis, na Regi�o Centro-Oeste de Minas Gerais. “Estava trabalhando com minha fam�lia no varej�o que temos. Eu n�o acompanhava tanto pol�tica, via mais pelos jornais”, declarou. O parlamentar disse ainda que come�ou a se engajar na pol�tica em 2015, mas defendeu as manifesta��es. “Avalio que qualquer movimento que seja ordeiro � positivo. Vivemos em democracia”, afirmou.
Mateus Sim�es (Novo) - vice-governador de Minas
O vice-governador Mateus Sim�es (Novo), que lecionava direito em uma faculdade particular de Belo Horizonte, disse que n�o esteve presente nos protestos de junho de 2013. Sua participa��o em protestos ocorreu nos anos posteriores. “Participei ativamente das manifesta��es em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e S�o Paulo em 2015 e 2016”, ponderou Sim�es.
*Al�m dos pol�ticos que se posicionaram, a reportagem pediu e n�o teve nenhum retorno de alguns dos principais nomes do estado. S�o eles: o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD); o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); o prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD); o deputado federal mais votado do pa�s em 2022, Nikolas Ferreira (PL), e o deputado estadual mais votado de Minas Gerais no ano passado, Bruno Engler (PL).
Os frutos do ‘antissistema’
O professor do Departamento de Ci�ncia Pol�tica da UFMG Cristiano Rodrigues avalia os protestos de junho de 2013 como um “sintoma” de um per�odo de grandes transforma��es sociais – como a Primavera �rabe e o 15M na Espanha – que impactou na pol�tica brasileira. “A maioria dos atores pol�ticos que surgiram no in�cio dos anos de 2010 estava dizendo: ‘esta forma de fazer pol�tica n�o nos representa’. Eles s�o frutos da onda antissistema e anti-institui��es da qual junho de 2013 � um sintoma, mas n�o � a causa”, ponderou Rodrigues.
De acordo com o cientista, h� uma correla��o muito proximal entre o fen�meno pol�tico de todas estas pessoas e aquele per�odo de manifesta��es. “Foi um debate que marcou tanto a esquerda como a direita de 2013 em diante. Isso fez com que nas elei��es de 2016 e 2018 o n�mero de aspirantes pol�ticos que n�o tinham experi�ncia eleitoral anterior – como foi o caso da �urea Carolina, Alexandre Kalil, Nikolas Ferreira, Gabriel Azevedo, Romeu Zema, Andr� Janones – emergissem, porque o cidad�o comum estava comprando a ideia do ‘antissistema’ e dizendo ‘queremos experimentar algo novo’”, explicou.