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Estado de Minas Entrevista/Idelber Avelar

2013: 'Junho foi uma erup��o incontrol�vel'

Professor Idelber Avelar analisa como o fim do acordo entre for�as antag�nicas, administrado pelo PT, levou aos protestos de Junho de 2013


03/07/2023 04:00 - atualizado 03/07/2023 10:16
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Especial para o EM 

idelber avelar, Professor, 54 anos, Universidade de Tulane (EUA)
Idelber Avelar, Professor, 54 anos, Universidade de Tulane (EUA) (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

"Existe uma longa hist�ria de revoltas populares no Brasil, mas n�o existe um acontecimento que se pare�a com Junho de 2013. Um governo democr�tico com razo�veis n�meros na economia, tudo funcionando mais ou menos bem e uma erup��o fora da autoriza��o do PT"

Idelber Avelar, Professor, 54 anos, Universidade de Tulane (EUA)



O fim do pacto lulista, capaz de acomodar for�as teoricamente antag�nicas dentro de uma estrutura de poder foi fundamental para a eclos�o dos protestos de Junho de 2013. A avalia��o � do cr�tico mineiro Idelber Avelar, autor do livro "Eles em N�s: ret�rica e antagonismo pol�tico no Brasil do s�c. XXI" (2021), e professor de literatura latino-americana da Universidade de Tulane, em Nova Orleans, nos EUA. Para ele, a ruptura interna que ocorreu em 2013 na forma de governar do PT se somou � incapacidade da classe pol�tica de avaliar corretamente o que motivou os atos.
 
A consequ�ncia disso foram as decis�es equivocadas que provocaram todo o turbilh�o que se seguiu na d�cada que passou, do impeachment de Dilma Rousseff � ascens�o do ex-presidente Jair Bolsonaro, passando pela pris�o e o retorno do presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) ao poder – dessa vez, sem condi��es de repetir o arranjo de for�as em que coexistiram a esquerda e a centro-direita dos seus primeiros mandados. "Lula j� n�o tem como administrar esses opostos, porque a sociedade brasileira se esgar�ou", afirma Avelar.
 
 
 
Qual o Brasil que chega a junho de 2013?
O Brasil que chega a 2013 era, � primeira vista, um pa�s que tinha resolvido os seus problemas b�sicos, como a universaliza��o da educa��o, a fome, a assist�ncia de sa�de emergencial e imediata para a popula��o. Era um pa�s que parecia muito feliz, que parecia satisfeito com o que havia realizado. Mas havia alguma coisa ali que cozinhava uma insatisfa��o tremenda que come�ou a se desarticular ainda no governo Lula, mas mais acentuadamente no governo Dilma. Os servi�os p�blicos continuavam bastante prec�rios, a ascens�o dos pobres via consumo n�o se dava via cidadania. Ou seja, n�o havia uma garantia de mecanismo cidad�os que sustentassem aquela ascens�o social. O in�cio da crise econ�mica no governo Dilma traz toda uma gera��o de formandos do ProUni, por exemplo, para enfrentar uma realidade de mercado de trabalho onde eles n�o teriam o emprego dos sonhos.
 
Os ind�cios econ�micos vinham sendo mencionados por v�rios economistas j� em 2011, 2012. E, em 2013, o descontrole dos gastos, a falta de planejamento em programas como ProUni, o desperd�cio de dinheiro em programas completamente in�teis como Ci�ncia sem Fronteiras, o despejo de dinheiro nas constru��es de hidrel�tricas na Amaz�nia… tudo isso gerou um caldo econ�mico que favoreceu. Mas o elemento pol�tico tamb�m era muito importante. O Lula � um pol�tico de talentos incompar�veis e o Brasil saiu disso para a Dilma, que � uma pol�tica que n�o gosta de fazer pol�tica. Ela diz isso claramente. Ela n�o gosta de articula��es pol�ticas, ela n�o gostava de receber deputados para conversar. Essa falta de di�logo com o Parlamento, com os movimentos sociais, com os pares da pol�tica tamb�m foi decisiva para que aquilo estourasse.

E quando chega junho e isso tudo estoura, como o senhor define os protestos?Junho foi um “acontecimento”. Um “acontecimento” n�o � um evento qualquer, n�o � uma trivialidade que possa te passar na vida. Um acontecimento � a erup��o de uma for�a incontrol�vel, imprevis�vel na qual voc� participa exatamente para disputar os rumos que aquela for�a vai tomar. Isso � perfeito para descrever Junho de 2013, porque as pautas, as consignas e os gritos eram disputados no interior do pr�prio acontecimento. As pessoas estavam na rua para descobrir porque elas estavam na rua.  N�o eram manifesta��es contra o governo federal. Em 2013, o inimigo era muito mais difuso: a precariedade da vida, a repress�o policial, a proibi��o das drogas, o transporte muito prec�rio.
 
O transporte foi a mola propulsora do momento inicial. Mas nenhum dos sujeitos envolvidos naquilo sintetiza na sua voz a totalidade daquele movimento. A totalidade dele � um mosaico de blocos sociais que convergiram ali naquele momento. Existe uma longa hist�ria de revoltas populares no Brasil, mas n�o existe um acontecimento que se pare�a com Junho. Um governo democr�tico com razo�veis n�meros na economia, tudo funcionando mais ou menos bem dentro do teatro democr�tico e uma erup��o completamente fora da autoriza��o do PT. Ent�o, a estupefa��o dos l�deres petistas tem um pouco a ver com isso. O subtexto era: “como eles usam sair �s ruas sem a nossa permiss�o?”

Podemos dizer que a rea��o do sistema pol�tico mostra que n�o souberam fazer uma leitura correta do que estava ocorrendo?
O primeiro pronunciamento da presidente Dilma Rousseff foi no dia 21, depois que o pa�s estava pegando fogo por 10 dias, e ela prop�e uma constituinte parcial para fazer a reforma pol�tica. Isso mostra o descolamento do que passava na cabe�a das lideran�as petistas e o que acontecia nas ruas, porque para eles o problema era a corrup��o e a corrup��o. E por parte do Congresso, foi a aprova��o da Lei das Organiza��es Criminosas, que regulamenta dela��o premiada.  O sistema pol�tico embarcou no discurso anticorrup��o, porque era o discurso que se podia fazer de forma gen�rica. E aquilo poderia de alguma forma acalmar, contemporizar, restabelecer o controle do sistema pol�tico sobre aquele turbilh�o. N�o foi isso que aconteceu.

Mesmo assim, Dilma venceu em 2014. Essa vit�ria foi apesar de Junho de 2013? 
A Dilma venceu em 2014 por uma combina��o de v�rios fatores. N�o d� para desprezar a brutalidade da campanha feita contra Marina Silva, foi o processo eleitoral mais sujo que a gente tinha conhecido at� ent�o. Mas tamb�m tem a mem�ria de v�rios impactos ben�ficos dos programas de transfer�ncia de renda implantados durante o petismo, que n�o desapareceram de uma hora para outra. Mas ela ganha com um discurso completamente diferente do que havia ganhado em 2010.
 
� um discurso raivoso, destrutivo, ressentido, acusat�rio. Em 2013, o lulismo ainda � um pacto que inclui todas as for�as da sociedade, basicamente, at� a extrema direita participa do governo. O Bolsonaro participa do governo do Rio de Janeiro. O Crivella � ministro da Dilma at� o �ltimo dia, praticamente. Ent�o, em 2014 o lulismo continua existindo, evidentemente. Mas ele j� existe como uma for�a que antagoniza outras na sociedade. Ela � um bloco pol�tico, n�o � mais um pacto que inclu�a a totalidade do sistema pol�tico.

O que, exatamente, � esse pacto lulista? 
A sociedade � formada de antagonismos inevit�veis. Esses antagonismos n�o s�o traduzidos no sistema pol�tico em partidos claros, em agendas parlamentares diferentes, em blocos de esquerda, centro-direita, etc. N�o � essa a realidade que a gente vive no Brasil. As combina��es entre partidos para elei��es proporcionais no Brasil acabou h� muito pouco tempo. Acabou outro dia.
 
Ela existia no Brasil e criava esses “monstrengos” em que tem uma chapa com PP, PMDB e PT. Muita gente imaginava que o PT fosse montar uma coaliz�o pol�tica que se chocasse contra esse sistema. N�o foi o que aconteceu. O PT � uma ocupa��o de centro-esquerda do pemedebismo, na qual cabe todo mundo. Cabia o H�lio Costa, o  Blairo Maggi, o Collor, o Sarney. Enfim, cabia todo o establishment da pol�tica olig�rquica brasileira. Essa � a estrutura com a qual o lulismo governou. 

� poss�vel ligar o fim desse pacto ao impeachment de Dilma?
A Dilma caiu porque se conjugaram duas condi��es que sempre t�m que se conjugar para que aconte�a um impeachment: a combina��o explosiva entre uma crise econ�mica aguda e insatisfa��o popular. Era a maior recess�o da hist�ria do Brasil, para quem n�o se lembra. Foi a maior perda de riqueza da hist�ria do Brasil. O Brasil perdeu 10% de tudo que tinha de riqueza em dois anos. N�o existia a insatisfa��o do sistema pol�tico com o Temer. O sistema pol�tico estava tentando se recompor por meio do Temer.

E como essa movimenta��o de massas de Junho de 2013 desembocou na ascens�o do Bolsonaro?
As ruas brasileiras, entendidas como lugares de manifesta��o, n�o haviam sido ocupadas pela direita desde 1964. Algumas semanas antes do golpe militar, aconteceu a Marcha da Fam�lia com Deus pela Liberdade. Essa tinha sido a �ltima vez que a direita dominou as ruas brasileiras. Depois do golpe militar, as grandes manifesta��es de 1968 s�o de esquerda, as grandes manifesta��es dos anos 1970 s�o contra a ditadura militar, as greves do ABC, o movimento das Diretas J�, as manifesta��es do MST nos anos 1990. S�o 50 anos em que a esquerda controla as ruas e deixa de controlar em 2015. Naquele momento, Bolsonaro n�o era uma grande lideran�a da direita.
 
Quando explodem as manifesta��es contra a Dilma, o Bolsonaro ainda � uma figura irrelevante. Quem era relevante em Bras�lia do ponto de vista da extrema direita era o Marco Feliciano e o Malafaia, por exemplo. Esses eram os chefes da extrema direita em Bras�lia entre 2014 e 2015. O Bolsonaro foi o cara que ficou na porta batendo boca com os militantes do PSOL no dia da posse do Marco Feliciano na Comiss�o de Direitos Humanos da C�mara. Esse � o n�vel. E aquelas massas verde-amarelas estavam zanzando em busca de um l�der a quem elas pudessem abra�ar. Eles n�o queriam mais o PSDB. Essa busca dura mais de 18 meses. Enquanto est� acontecendo aquilo nas ruas, o Bolsonaro vai gestando com seus filhos e aqueles ex-alunos de Olavo de Carvalho o seu discurso.
 
Em 2016, ele deu uma entrevista para um youtuber chamado Nando Moura, que era um cara que estava falando para 3 milh�es de pessoas. A esquerda n�o tinha a menor no��o de que aquele ecossistema estava se formando na internet, porque a internet de esquerda navegava em outros espa�os, no Twitter, no Tumblr etc. E o �nico parlamentar a quem aquelas massas estavam dispostos abra�ar era esse figura irrelevante, corporativista, h� 28 anos no parlamento sem aprovar nada e que tinha um hist�rico de declara��es mis�ginas e homof�bicas em particular. Esse caldo de uma linguagem agressiva, r�pida, jovem e muito contagiosa era uma realidade muito pouco conhecida pelas ci�ncias humanas sociais brasileiras e pela esquerda. E, em 2016, � o Bolsonaro que de repente rompe como a cara desse fen�meno.

O Bolsonaro surge como o antissistema, correto?
O Bolsonaro entra na elei��o de 2018 em uma posi��o privilegiada, porque ele passa a representar a possibilidade de antagonizar, ele passa a representar a possibilidade de ser contra, ser contra qualquer coisa. Ele passa a representar o discurso anti sistema. O que, no fundo, � uma grande manipula��o, porque o Bolsonaro � parte desse sistema, ele se enriqueceu com esse sistema, ele representa os piores v�cios desse sistema. Ele n�o � anti sistema. Mas por uma conjun��o particular de fatores, ele chega em 2018 com essa condi��o de ser contra tudo do que est� a�. E a� naquele momento, com a quebra do sistema de administra��o de antagonismos, o desgaste do PT depois da Lava Jato, ele capitalizou com m�ritos uma circunst�ncia que n�o foi ele que criou, na qual ele n�o tinha m�rito nenhum.

Como a pris�o do Lula se encaixa nesse processo p�s Junho de 2013?
O que � curioso no processo todo que levou � pris�o do Lula � que o petismo se viu em condi��es muito prec�rias discursivamente, porque o argumento jur�dico nunca foi muito protag�nico durante o governo do PT. A resposta da coaliz�o governante quando enfrentada a cr�ticas como a constru��o da usina de Belo Monte, por exemplo, era a de que eles tinham ganhado a elei��o, de que o problema era pol�tico, de que formalismo jur�dico n�o importava, que aquilo era legalismo.
 
O PT passa a recorrer ao discurso jur�dico no momento que come�a a perder o jogo pol�tico Ou seja, a Dilma n�o cometeu crime de responsabilidade, a culpabilidade do Lula n�o foi provada. Todas essas coisas s�o verdadeiras, mas elas n�o importam como explica��o do que aconteceu no jogo pol�tico. O que aconteceu no jogo pol�tico foi um tombo para o qual a coaliz�o petista deu a sua pr�pria contribui��o. Por exemplo, fomentando a autonomia e o muito bom financiamento do Minist�rio P�blico e da Pol�cia Federal.
 
Ent�o, a pris�o do Lula combina isso, mas ela combina tamb�m uma esp�cie de xeque-mate da coaliz�o lavajatista. Ela chega ao ponto m�ximo e, a partir daquele momento, ela tem que se justificar. Ela tem que justificar a pris�o do Lula, tem que justificar sua exist�ncia, esse discurso meio quixotesco de combate � corrup��o.

Dez anos depois do turbilh�o de Junho de 2013, como o senhor v� o retorno de Lula ao poder?
� um retorno diferente, porque � um Lula diferente. � um Lula que j� n�o tem como administrar esses opostos, porque a sociedade brasileira se esgar�ou de tal maneira que ele n�o tem mais como trazer esses dois discursos para o interior da sua colis�o. Mas o Lula e o Bolsonaro se retroalimentam de maneira indiscut�vel. Por exemplo, � sabido que o PT � o �nico partido brasileiro com as taxas de identifica��o partid�ria altas acima de 20%. No final do governo Bolsonaro, em novembro de 2022, essa taxa era 28%, que � o seu cume hist�rico. Ent�o o PT n�o cometeu o erro de insuflar a candidatura do Bolsonaro e n�o agredi-lo no primeiro turno de 2018. Ele acertou. Eles sabiam que o governo Bolsonaro seria p�ssimo para o Brasil, mas seria excelente para o PT. E n�o existe nada que a coaliz�o bolsonarista queira mais do que enfrentar uma coaliz�o petista puro sangue na elei��o de 2026. 


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