
H� duas perspectivas jur�dicas sobre caso: 1) de que houve de fato o cometimento de mais de um crime ou 2) de que, apesar de o fato parecer se enquadrar em mais de um tipo penal, seria preciso escolher apenas um deles para n�o se punir uma �nica conduta por duas vezes -o que � vedado no ordenamento jur�dico.
A reportagem entrevistou 7 especialistas na �rea de direito penal e constitucional. Dentre eles, apenas 1 concorda com a interpreta��o que teve o STF. Outros 5 consideram que houve dupla puni��o por um mesmo fato, e 1 tem entendimento de que o mais adequado seria punir por apenas um crime, mas avalia que s� se pode ser dito se houve dupla puni��o a partir da an�lise de cada processo.
Os especialistas apontam que este tema pode vir a ser questionado em recurso ao STF, nos chamados embargos. O tipo de recurso poss�vel, no entanto, vai depender do teor do ac�rd�o dos julgamentos, documento que formaliza os termos da decis�o.O entendimento do STF foi o de que, ao invadir os pr�dios do tr�s Poderes, os participantes estavam cometendo o crime de tentar "abolir o Estado democr�tico de Direito, impedindo ou restringindo o exerc�cio dos poderes constitucionais", que tem pena de 4 a 8 anos de pris�o, e, ao mesmo tempo, tinham o intuito de tentar depor o governo legitimamente constitu�do -cuja pena � de 4 a 12 anos de reclus�o.
A argumenta��o para dizer que houve uma tentativa de golpe � a de que os envolvidos nos atos esperavam que, com a destrui��o e da tomada dos pr�dios, haveria a necessidade de uma opera��o de Garantia da Lei e da Ordem, a partir da qual os militares iriam aderir � deposi��o do governo eleito.
No caso do primeiro r�u, a pena total determinada pelo relator Alexandre de Moraes foi de 17 anos. Ele foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, C�rmen L�cia e Rosa Weber.
J� os ministros Lu�s Roberto Barroso e Andr� Mendon�a entenderam que n�o seria poss�vel condenar o r�u por ambos os crimes.
Barroso entendeu que estaria configurado o crime de golpe de Estado e que este j� incluiria o crime de aboli��o do Estado democr�tico de Direito.
Mendon�a considerou que haveria o crime de aboli��o do Estado democr�tico, argumentando que o meio empregado pelos invasores n�o seria adequado para se chegar ao resultado do golpe.
Os dois crimes no centro dos debates foram inclu�dos recentemente na legisla��o brasileira, em 2021, portanto n�o h� uma jurisprud�ncia guiando sua aplica��o.
O professor Diego Nunes, professor de hist�ria do direito penal da UFSC (Universidade Federal de SC) e organizador do livro "Crimes contra o Estado democr�tico de Direito", considera que a decis�o do Supremo incorreu em dupla puni��o por um mesmo fato.
Para ele, seria o caso de aplicar apenas o crime de golpe de Estado, que v� como mais amplo e grave, e no qual estaria inclu�do o conte�do do crime de aboli��o. "Um golpe do Estado, mesmo que ele atinja num primeiro momento diretamente o Executivo, o governo, ele atinge a liberdade do Judici�rio e a liberdade do Parlamento."
Tamb�m para Oscar Vilhena, professor da FGV Direito SP, a aplica��o cumulativa das duas penas � incorreta. Ele avalia que, no caso concreto, o delito de golpe de Estado acaba por absorver o de aboli��o do Estado democr�tico, como ocorre em casos como de les�o corporal e homic�dio.
"A interpreta��o que me parece mais correta � que o meio para voc� chegar ao golpe � uma ruptura, uma tentativa de aboli��o", diz. Por outro lado, reflete Vilhena, uma tentativa de fechamento do STF, isoladamente, seria apenas o crime de impedimento do exerc�cio dos Poderes.
Para o advogado criminalista Frederico Horta, professor de direito penal da Universidade Federal de Minas Gerais, acabou prevalecendo uma dupla puni��o para um mesmo atentado �s institui��es democr�ticas.
Ele considera que a conduta que se encaixaria melhor seria a de golpe de Estado, sendo a pena maior deste crime um dos argumentos. "Isso � um indicativo de que esse crime compreende todo o car�ter injusto desse fato, n�o apenas a amea�a para o Poder Executivo, mas tamb�m a amea�a de uma intentona dessa para os demais Poderes."
Tamb�m no entendimento de Mari�ngela Gama de Magalh�es Gomes, professora de direito penal da USP, houve uma dupla puni��o pela mesma conduta.
Ela diz, por outro lado, que o crime que melhor se amoldaria ao 8 de janeiro seria o de aboli��o, argumentando que ele absorveria o crime de golpe de Estado, que seria o impedimento do exerc�cio de um dos Poderes.
Ela tem essa interpreta��o, apesar de a pena de golpe ser maior -o que para ela pode ser eventualmente um ponto a se criticar da legisla��o.
Mesmo discordando, Mari�ngela explica que a princ�pio n�o v� erro na decis�o do STF, mas que � preciso avaliar os argumentos que constar�o no ac�rd�o.
O advogado Renato Vieira, presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ci�ncias Criminais), considera que houve dupla puni��o. Ele afirma que, na situa��o concreta, � preciso olhar para a finalidade dos agentes.
"Eles afrontaram os diversos Poderes? Sim, mas qual � o principal motivo e qual � o principal fim que eles queriam atingir? A deposi��o do governo eleito, e isso � um golpe de Estado."
O desembargador aposentado W�lter Maierovitch, por sua vez, concorda com a posi��o da maioria da corte de que os dois crimes s�o aut�nomos e que ambos teriam sido cometidos. Ele critica, por�m, a dosagem das penas, que considerou excessivamente altas.
Para Maierovitch, cada um dos crimes protege bens distintos. O crime de aboli��o violenta protegeria a democracia, enquanto o golpe de Estado, protege o regime republicano.
"Qual � a conduta voltada a abolir o Estado democr�tico que foi tentada? � toda essa arregimenta��o e a sa�da para o golpe", diz. "Qual � o ataque � Rep�blica? Tentar rescindir a posse do Lula."
Para Chiavelli Falavigno, professora de direito penal da UFSC, o crime de aboli��o funcionaria como um est�gio, um pressuposto, para se chegar ao golpe de estado, e o racioc�nio mais seguro e de acordo com o princ�pio de interven��o m�nima do direito penal, seria o de condenar por apenas um deles.
Ela ressalta, no entanto, que imputar os dois crimes � uma interpreta��o poss�vel, a depender das provas. Para ela, o entendimento sobre se houve ou n�o dupla puni��o tem que ser analisado caso a caso.
Na data do 8 de janeiro, 243 pessoas foram presas em flagrante dentro dos edif�cios e na pra�a dos Tr�s Poderes, segundo o STF. Outros 1.927 acampados em frente aos quart�is foram conduzidos � Academia de Pol�cia, dos quais 775 foram liberados.
At� o momento, 1.345 foram denunciados pela PGR (Procuradoria-Geral da Rep�blica) e tornaram-se r�us, que agora aguardam julgamento (s� 3 foram julgados at� agora). Dentre elas, 232 den�ncias s�o semelhantes �s j� julgadas -incluindo crimes mais graves; outras 1.113 correspondem a crimes de menor gravidade e est�o suspensas para an�lise sobre se haver� acordo.
Atualmente, 117 permanecem presos pelos atos antidemocr�ticos e pelos ataques aos pr�dios dos tr�s Poderes.
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CRIMES CONTRA O ESTADO DEMOCR�TICO NA CONDENA��O DO 8/1
*Aboli��o violenta do Estado democr�tico de Direito:* Quando algu�m tenta, com uso de viol�ncia ou grave amea�a, impedindo ou restringindo o exerc�cio dos tr�s Poderes. Pena de 4 a 8 anos de pris�o.
*Golpe de Estado:* � a tentativa de depor, por meio de viol�ncia ou grave amea�a, o governo legitimamente constitu�do. Pena de 4 a 12 anos de pris�o.