
Parte dos seus conselhos � relativamente bom senso. Muitas vezes, voc� vai ficar sabendo que os principais presidentes de empresas, como Elon Musk, come�am a trabalhar cedo, pulam o caf� da manh� e dividem seu tempo em tarefas pequenas e vi�veis. Ariana Huffington, da empresa americana Thrive Global, prioriza o sono em nome da produtividade, incluindo um ritual na hora de dormir em que ela desliga todos os aparelhos.
Outras figuras inspiradoras mant�m h�bitos mais peculiares.
Comenta-se que Bill Gates, por exemplo, balan�a para frente e para tr�s na cadeira enquanto raciocina - um meio corporal de concentrar a mente que, ao que parece, contagiou a diretoria da Microsoft. Gates tamb�m era muito espec�fico na escolha dos seus cadernos de anota��es: ele fazia quest�o de usar blocos de papel amarelo.
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Voltando na hist�ria, Charles Dickens costumava carregar uma b�ssola para que pudesse dormir voltado para o norte - o que ele acreditava colaborar para que escrevesse de forma mais produtiva. E Beethoven contava exatamente 60 gr�os de caf� para cada x�cara que ele tomava para alimentar seu processo criativo.
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Por que as pessoas de sucesso seguem h�bitos t�o exc�ntricos? E por que temos tanto interesse em aprender sobre eles e imit�-los na nossa vida di�ria?
A resposta est� em um processo psicol�gico poderoso conhecido como "aprendizado supersticioso".
O c�rebro est� sempre procurando associa��es entre dois eventos. Geralmente, isso � correto, mas, �s vezes, confunde coincid�ncia com causalidade, o que nos leva a atribuir o sucesso a algo arbitr�rio - como a cor do bloco de anota��es ou o n�mero de gr�os no caf� - e n�o ao talento ou � dedica��o ao trabalho.
E, quando sabemos dos triunfos dos demais, muitas vezes acabamos tamb�m copiando seus h�bitos, incluindo os rituais arbitr�rios que eles adquiriram com o pr�prio aprendizado supersticioso - um fen�meno conhecido como "imita��o excessiva".
Isso n�o quer dizer que os h�bitos resultantes sejam completamente isentos de benef�cios. Ao nos fornecer um sentido de autodetermina��o, a ado��o de rituais - incluindo os comportamentos totalmente aleat�rios que aprendemos ou pegamos emprestado das pessoas que admiramos - pode nos ajudar a superar a ansiedade e at� trazer um impulso consider�vel para o nosso desempenho.

O desempenho dos pombos
Os estudos cient�ficos do aprendizado supersticioso come�aram no final dos anos 1940, com uma importante pesquisa do psic�logo norte-americano B. F. Skinner.
Ele se interessou pelo processo de aprendizado por condicionamento, que usamos para ensinar os animais a fazer truques. Se voc� quiser ensinar um c�o a sentar, por exemplo, d� a ele um petisco sempre que abaixar as patas traseiras. Em pouco tempo, o c�o aprende a relacionar a recompensa ao comportamento e ir� se sentar quando voc� mandar.
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Skinner se perguntou se os animais tamb�m poderiam associar comportamentos aleat�rios a recompensas. Por exemplo, se um animal se movimentasse de uma forma espec�fica quando recebesse oferta de comida, ele poderia imaginar que o alimento fosse uma recompensa pelo movimento? E, neste caso, repetiria o mesmo movimento v�rias vezes se continuasse a ter sucesso?
Para descobrir, Skinner pegou um grupo de pombos famintos e instalou um dispositivo que os alimentava em intervalos regulares na sua gaiola. E, de fato, os pombos logo come�aram a ter comportamentos peculiares sempre que ficavam com fome.
"Um foi condicionado a girar no sentido anti-hor�rio em volta da gaiola, fazendo duas ou tr�s voltas entre cada reabastecimento [de comida]", escreveu ele. "Outro pressionava a cabe�a repetidamente em um dos cantos superiores da gaiola."
Voc� poder� se perguntar por quanto tempo a ave continuaria com esse comportamento at� ficar desiludida. Mas as regras simples da probabilidade indicam que o alimento sempre viria novamente enquanto a ave repetia esse ritual, o que refor�ava a ilus�o de que seu comportamento estaria influindo de alguma forma no fornecimento de comida.
Skinner descreveu o comportamento das aves como uma esp�cie de supersti��o e especulou que um processo psicol�gico similar definiria muitos rituais humanos.
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Os resultados iniciais de Skinner foram questionados por outros cientistas, mas experimentos posteriores confirmaram significativamente sua ideia geral. Parece que nosso c�rebro est� sempre procurando associa��es entre nosso comportamento, nosso ambiente e as recompensas que buscamos - e, muitas vezes, pode chegar a conclus�es erradas.
Novos estudos
"A supersti��o � um tipo de comportamento repetitivo que surge a partir de algo que normalmente � muito bom - a capacidade de previs�o do c�rebro", segundo Elena Daprati, neurocientista da Universidade de Roma Tor Vergata, na It�lia.
As pesquisas de Daprati trouxeram mais evid�ncias a favor dessa teoria. Em um estudo, sua equipe demonstrou que diferen�as individuais do aprendizado impl�cito - a capacidade do c�rebro de detectar padr�es de forma inconsciente - podem explicar por que algumas pessoas s�o mais propensas a formar h�bitos supersticiosos do que outras.
Em uma tarefa, por exemplo, os participantes observaram uma s�rie de formas surgindo em uma tela. Todas as vezes, eles precisavam identificar rapidamente se eram formas id�nticas ou diferentes das anteriores.
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O que os participantes n�o sabiam � que, a partir da cor da forma anterior, era poss�vel prever onde apareceria a forma seguinte na tela. Os participantes que aprenderam a detectar esse padr�o conseguiam concentrar sua aten��o e fazer sua escolha com mais rapidez.
Antes do teste, participantes tamb�m responderam a um question�rio para medir o quanto eles eram supersticiosos na sua vida di�ria. Se os comportamentos supersticiosos fossem realmente um subproduto da nossa capacidade de formar associa��es, poder�amos esperar que pessoas mais supersticiosas se sa�ssem melhor no teste.
E foi exatamente esta a conclus�o de Daprati. "Os indiv�duos supersticiosos geralmente detectam essa indica��o e a utilizam", afirma ela.
Na vida di�ria, esse aprendizado associativo pode nos levar a usar uma caneta "da sorte" que parece gerar boas notas nas provas ou um terno espec�fico que sentimos que nos garante uma boa entrevista de emprego.
As tarefas criativas s�o especialmente cheias de incerteza, o que pode explicar por que pessoas como Gates, Beethoven e Dickens adotavam comportamentos espec�ficos para fazer seus pensamentos flu�rem.
O problema da 'imita��o excessiva'
Depois de estabelecidos, os rituais decorrentes do aprendizado supersticioso podem estender sua influ�ncia para al�m do seu criador. Emilia Rovira Nordman, professora de Marketing da Universidade de M�lardalen, na Su�cia, destaca um exemplo do setor acad�mico.
Ela conta que � notoriamente dif�cil que um estudo novo seja aceito por uma publica��o de prest�gio. Por isso, pesquisadores muitas vezes justificam seus sucessos e fracassos com raz�es fict�cias. Eles ent�o transmitem esses conselhos para seus colegas e alunos, de forma que outras pessoas come�ar�o a adotar as mesmas regras arbitr�rias para preparar e apresentar seus estudos.

Algo similar pode estar ocorrendo em escala muito maior, gra�as � imprensa, quando um bilion�rio, um escritor de prest�gio ou um atleta de n�vel internacional nos conta sobre a sua rotina di�ria. Alguns dos seus comportamentos ter�o sido adquiridos por aprendizado supersticioso, e n�s podemos seguir esses conselhos como se fossem verdade absoluta.
Uma raz�o b�sica para isso � o fato de que seres humanos s�o criaturas sociais. Estamos sempre dispostos a procurar pessoas com status mais alto em busca de conselhos.
Diversos estudos na �ltima d�cada demonstraram que temos a tend�ncia de "imitar excessivamente" quando aprendemos algo com outras pessoas, copiando todas as suas a��es, mesmo quando n�o h� raz�o �bvia e l�gica para um ato espec�fico.
Muitas vezes, simplesmente nem questionamos a raz�o para fazer algo - simplesmente consideramos que deve ter um prop�sito.
Com essa tend�ncia, pode ser apenas natural que, ao ler a biografia de um escritor famoso ou assistir a uma entrevista com um bilion�rio, sejamos tentados a copiar ritos e rituais peculiares, esperando poder, de alguma forma, atingir o mesmo sucesso, sem reconhecer que diversos outros fatores - incluindo a pr�pria sorte - teriam influenciado suas conquistas.
Mas n�o deixe de acreditar
Em alguns casos, quando associa��es err�neas influenciam a tomada de decis�es em alto n�vel, o aprendizado supersticioso pode sair caro.
Um estudo entre empresas suecas de biotecnologia concluiu que dois presidentes de empresas que haviam associado certas estrat�gias de marketing ao sucesso repetiam religiosamente as mesmas etapas nas suas novas empreitadas - mesmo que n�o houvesse raz�o l�gica para acreditar que aquela abordagem espec�fica funcionaria novamente.
"Sua capacidade de ligar a��es a resultados foi empregada incorretamente", afirma Rovira Nordman, uma das autoras do estudo.
Ela sugere que, sempre que precisarmos tomar uma decis�o importante, devemos aplicar nosso pensamento cr�tico para questionar as nossas premissas e suas evid�ncias. "Voc� deve desconfiar de tudo", diz ela.
Mas, muitas vezes, os rituais que adquirimos exigem pouco esfor�o. Afinal, contar os gr�os de caf� n�o causa nenhum mal, exceto pela perda de tempo. E, quer voc� tenha aprendido sozinho ou copiado de outras pessoas, a rotina em si pode ajudar voc� a sentir-se mais concentrado e determinado."[Os rituais] podem reduzir o estresse e dar a sensa��o de que voc� est� no controle", diz Nordman.
Daprati sugere que esta pode at� ser a raz�o que nos leva a persistir com esses comportamentos. Embora a associa��o inicial ao sucesso possa ter sido uma ilus�o, o pensamento positivo que esse comportamento produz realmente melhora o nosso desempenho na ocasi�o seguinte, o que nos faz repeti-lo cada vez mais.
Um estudo demonstrou que jogadores de basquete costumam ter maior precis�o nos arremessos quando cumprem uma "rotina pr�via" espec�fica, como girar ou beijar a bola. Outros estudos conclu�ram que pedir aos participantes que realizem pequenos rituais pode trazer v�rios benef�cios - desde melhorar o desempenho acad�mico at� deix�-los mais afinados no karaok�.
De certa forma, � um pouco como o efeito placebo na Medicina - a sensa��o de que voc� est� fazendo algo positivo pode alterar os pr�prios resultados.
Considerando essas descobertas, n�o precisamos nos envergonhar dos nossos pequenos rituais di�rios. Se a a��o n�o custa nada e ajuda voc� a se sentir um pouco mais no controle do seu dia, � perfeitamente racional que voc� continue.
Sejam eles inspirados pelas experi�ncias do passado ou imita��es dos seus �dolos, os rituais arbitr�rios podem impulsionar voc� para chegar um pouco mais perto do sucesso que almeja.
* David Robson � autor de 'O efeito da expectativa: como o seu pensamento pode transformar a sua vida' (em tradu��o livre do ingl�s).
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Worklife.
- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-62255094
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