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Estado de Minas TRAJET�RIA

O brasileiro que criou a abreugrafia, exame que salvou milhares de vidas da tuberculose

A inven��o do exame quase levou o m�dico Manoel Dias de Abreu a ganhar o Pr�mio Nobel em tr�s oportunidades


31/08/2022 07:29 - atualizado 31/08/2022 09:38

Pacientes sendo examinados
Manoel Dias de Abreu foi indicado tr�s vezes ao Pr�mio Nobel por causa de seu invento (foto: Revista Brasileira de Tuberculose)

Ela � conhecida por v�rios nomes mundo afora. Roentgenfluorografia, na Alemanha; radiofotografia, na Fran�a; schermografia, na It�lia; fotorradioscopia, na Espanha; fotofluorografia, na Fran�a e na Su�cia; e microrradiografia, em Portugal. No Brasil, � chamada de abreugrafia e quem tem 50 anos ou mais deve ter feito uma para poder se matricular na escola ou ingressar num novo emprego.

 

O que poucos sabem � que este exame do pulm�o, que come�ou a ser desenvolvido h� 100 anos e revolucionou o diagn�stico e o tratamento da tuberculose, foi inventado pelo m�dico brasileiro Manoel Dias de Abreu — da� o seu nome — e que, por isso, ele foi indicado tr�s vezes ao Pr�mio Nobel, em 1946, 1951 e 1953.


 


A abreugrafia nada mais � uma imagem de raios-x, no caso dos pulm�es, como qualquer outra, mas com uma diferen�a essencial: a forma como ela � feita. Uma radiografia depende da fonte de raios-X, que s�o ondas eletromagn�ticas de frequ�ncia muito alta geradas num tubo.

"O paciente � o 'alvo' dessa radia��o", explica o f�sico Peter Schulz, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Do outro lado dele est� um filme, ou uma tela digital de sensores fotossens�veis, que registra a imagem."

Essa radia��o � altamente penetrante, mas � menos ou mais absorvida, dependendo do tecido humano sobre o qual incide. Assim, � poss�vel ver ossos e outras estruturas e �rg�os dentro do corpo. O problema �
que esse registro da imagem � caro.

 

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"Todo mundo que j� tirou uma radiografia do t�rax ou abd�men sabe que ela � enorme, do mesmo tamanho do que foi radiografado", diz Schulz. "Ent�o a pergunta sobre a qual Manuel de Abreu se debru�ou foi: como realizar radiografias em larga escala, reduzindo o custo e o tempo, especificamente dos pulm�es, pois no come�o do s�culo 20 a tuberculose era um problema de sa�de p�blica muito grave?"


A ideia, que demorou mais de uma d�cada para ser desenvolvida, consistia em fotografar com um filme comum, bem mais barato, pois a fotografia com c�meras port�teis j� era uma pr�tica disseminada no
come�o do s�culo passado.


"Assim, a imagem dos raios-x atravessando a pessoa examinada era gerada em uma tela de material fluorescente, que fazia parte do aparelho", explica Schulz. "E essa imagem, agora em luz vis�vel, era fotografada da mesma forma como fotografamos uma paisagem qualquer."

 

Segundo o m�dico radiologista Cesar Higa Nomura, presidente da Sociedade Paulista de Radiologia e Diagn�stico por Imagem (SPR), a abreugrafia era um m�todo r�pido e eficiente para diagn�stico de tuberculose com baixo custo, uma vez que os filmes fotogr�ficos eram mais baratos que os radiogr�ficos.

 

"Al�m disso, era um m�todo port�til que permitiu o uso em larga escala", acrescenta. Enquanto um filme radiogr�fico tem um tamanho de 30 x 40 cm, os usados nas c�meras comuns — e na abreugrafia, portanto — medem apenas 35 mm ou 70 mm.


Profissionais de posto de saúde de Vitória
Profissionais de posto de sa�de de Vit�ria prontos para realizar abreugrafia (foto: Revista Brasileira de Tuberculose)

Uma pergunta que pode surgir: mas se a imagem j� aparecia na tela fluorescente, por que tirar uma foto? "O exame s� com a imagem fluorescente pode ser bem mais demorado e os raios-X s�o ionizantes e, portanto, prejudiciais � sa�de", responde Schulz. "E sem registro para checagem posterior. Com a fotografia, basta uma exposi��o r�pida para obt�-la, pois a foto � examinada depois."

 

No caso da abreugrafia, a pequena foto passou a ser parte de uma carteirinha, que podia ser apresentada onde fosse necess�rio, como os certificados de vacina��o contra a covid-19 atualmente. "Ela � uma converg�ncia bastante engenhosa de tecnologias diferentes, converg�ncia essa que n�o foi simples, necessitando de muitas etapas de desenvolvimento", diz o f�sico da Unicamp.

Forma��o no Rio e estudos na Europa

Abreu nasceu na cidade de S�o Paulo, no dia 4 de janeiro de 1892, terceiro filho do portugu�s da Prov�ncia do Minho, J�lio Antunes de Abreu, e da paulista Mercedes da Rocha Dias, de Sorocaba.

 

Ele ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro com apenas 15 anos e se formou aos 21, em 1913. Pouco depois ele e a fam�lia — al�m dos pais, um irm�o e uma irm� — partiram para Paris, onde Abreu pretendia continuar e aperfei�oar seus estudos. Por causa da 1ª Guerra Mundial, no entanto, teve de ficar em Lisboa at� 1915, quando enfim se mudou para a capital francesa, onde permaneceu por 8 anos.


Abreu
Abreu em sua pose preferida (foto: Academia Nacional de Medicina)

L�, Abreu trabalhou no Nouvel H�pital de la Piti�, o hospital mais antigo de Paris, sob a chefia do tamb�m m�dico Nicolas Augustin Gilbert (1858-1927). O brasileiro era encarregado de fotografar pe�as cir�rgicas e, para isso, criou novas t�cnicas, usando raios-x, descobertos havia pouco tempo, mais precisamente em 8 de novembro de 1895, pelo f�sico alem�o Wilhelm Conrad R�entgen (1845-1923).

 

Nesse per�odo, Abreu teve uma experi�ncia que certamente o influenciou no desenvolvimento da abreugrafia mais tarde. Usando os raios-x, ele identificou um caso de tuberculose, que n�o havia sido detectado pelo seu experiente chefe com a percuss�o e a ausculta��o com o estetosc�pio, m�todo de diagn�stico usado ent�o para examinar o pulm�o. Em outro hospital, o Laennec, ele se aperfei�oou na radiologia pulmonar e desenvolveu a densimetria (mensura��o das diferentes densidades) do pulm�o.

 

Foi nesse hospital que Abreu se convenceu de que a fotografia da tela fluorescente, o �cran, nos exames feitos com raios-x, poderia ser uma forma barata de diagnosticar a tuberculose em massa. Ele at� tentou, por volta de 1919, fazer a fotografia da tela, mas esbarrou em obst�culos t�cnicos. A luminosidade da fluoresc�ncia do �cran era muito fraca, longe de ser suficiente para ficar marcada nos filmes com sais de prata das m�quinas fotogr�ficas comuns em t�o m�nima fra��o de segundo.

 

Em 1922, ele voltou da Fran�a e se instalou no Rio de Janeiro. Ao chegar, encontrou a cidade tomada por uma epidemia de tuberculose, a ponto de ter dito, segundo texto do site a Associa��o Nacional dos Inventores: "Havia �bitos, n�o havia doentes, os quais ocultavam seu diagn�stico na espessa massa da popula��o; os poucos doentes que havia, procuravam o dispens�rio na fase final da doen�a, quando o tratamento, o isolamento e as v�rias medidas profil�ticas j� eram in�teis".

 

Abreu retomou, ent�o, as pesquisas para desenvolver o exame que mais tarde levaria seu nome. Em 1924 realizou uma segunda tentativa de obter a fotografia do �cran, mas de novo n�o conseguiu, devido ao mesmo motivo, a baixa luminosidade da tela. Mas prosseguiu na luta contra a tuberculose e por sua influ�ncia e de Jos� Pl�cido Barbosa da Silva, chefe da Inspetoria de Profilaxia contra a Tuberculose, foi criado o primeiro Servi�o de Radiologia na cidade do Rio de Janeiro.


Primeira abreugrafia registrada
Primeira abreugrafia registrada (foto: Roentgen)

Mais tarde. ao assumir a chefia do Servi�o de Radiologia do Hospital Jesus, a pedido do m�dico e prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Pedro Ernesto do Rego Batista, Abreu buscou novamente criar a abreugrafia, em fun��o da incid�ncia de in�meros casos de tuberculose entre as crian�as radiografadas. Finalmente, em 1936, ele conseguiu obter a radiofotografia do �cran, agora com nova tecnologia que dava maior fluoresc�ncia � tela.

 

Abreu batizou seu invento de roentgenfotografia, em homenagem ao descobridor dos raios x. O nome foi usado no Brasil at� 1939, quando o presidente do 1º Congresso Brasileiro de Tuberculose, Ary Miranda, prop�s a mudan�a para abreugrafia, em honra de seu inventor. A proposta foi aprovada por unanimidade.

Sucesso e populariza��o

Ainda em 1936 foi constru�do — pelos t�cnicos da Casa Lohner, uma subsidi�ria da Siemens instalada no Rio de Janeiro — o primeiro aparelho para a realiza��o de abreugrafias em s�rie na popula��o, que foi instalado no Hospital Alem�o, no Rio de Janeiro, em maio daquele ano.

 

"A inven��o ganhou destaque internacional", diz o m�dico Fabiano Reis, do Departamento de Anestesiologia, Oncologia e Radiologia da Faculdade de Ci�ncias M�dicas da Unicamp. "A t�cnica rapidamente se disseminou e foi incorporada pelos servi�os p�blicos de sa�de do Brasil e de outros pa�ses."

 

Na �poca, ela era 100 vezes mais barata que uma radiografia tradicional.

 

Schulz acrescenta que as leis de preven��o da tuberculose no Brasil e no Jap�o, por exemplo, levaram a que at� 60% das popula��es fossem triadas por esse m�todo. Al�m disso, segundo a Associa��o Nacional dos Inventores, foram criadas unidades m�veis mundo afora com aparelhos de abreugrafia instalados em ve�culos, que realizavam as radiografias tor�cicas em locais p�blicos e em grandes ind�strias. Na Alemanha, por exemplo, at� o ano de 1938 o n�mero de exames feitos j� ultrapassava os 500 mil.

 

Antes disso, em mar�o de 1937 foi criado o primeiro Servi�o de Cadastro Tor�cico na cidade do Rio de Janeiro, no qual foi instalado um aparelho de abreugrafia mais aperfei�oado. "Ali foram examinadas, de 8 a 21 de julho daquele ano, 758 pessoas aparentemente sadias, das quais 44 apresentavam les�es pulmonares", conta Reis.

 

"Ao se comprovar sua utilidade e import�ncia, a nova t�cnica passou a ser adotada em grande escala em outros estados do Brasil e tamb�m na Europa e Am�rica do Sul."

 

A m�dica e mestre em Sa�de Coletiva, Dilene Raimundo do Nascimento, da �rea de Pesquisa em Hist�ria das Ci�ncias e da Sa�de, da Casa de Oswaldo Cruz da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz), lembra que na �poca a abreugrafia s� tinha vantagens. "Pelo seu custo baixo e pela facilidade de operar, tornou poss�vel o exame em massa para o diagn�stico precoce da tuberculose", explica.

 

"O diagn�stico precoce da doen�a possibilitou iniciar o tratamento antes que fosse tarde demais, reduzindo assim o n�mero de mortes."


Aparelho usado para fazer abreugrafia
Aparelho usado para fazer abreugrafia (foto: Revista Brasileira de Tuberculose)

De acordo com Nomura, a inova��o de Abreu teve impacto grande na sa�de p�blica brasileira da �poca, que lutava contra a tuberculose, com grande n�mero de acometidos pela doen�a, diagnosticados em est�gio avan�ado e crescente n�mero de mortes. "S� no Rio de Janeiro no in�cio da d�cada de 1920 as estimativas apontavam cerca de 300 mortes por grupo de 100 mil pessoas", diz. A informa��o est� no livro O Mestre da Sombras - Um raio-x hist�rico de Manoel de Abreu.

 

Com a diminui��o progressiva da incid�ncia da tuberculose e os progressos no seu tratamento, os programas de triagem em massa foram sendo interrompidos a partir anos 1970. "Afinal, no come�o daquele s�culo a incid�ncia era de 150 casos por 100 mil habitantes (semelhante � covid-19 em algumas ondas em alguns pa�ses), mas em 1970 j� era de apenas 5 casos por 100 mil", explica Schulz.

 

Por isso, em 1974, a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) se pronunciou contra o uso da abreugrafia em massa, por expor desnecessariamente a popula��o a doses de radia��o. "Atualmente, o exame para detec��o de tuberculose � feito pela pesquisa do bacilo de Koch no escarro", conta Reis. "Para rastreamento de algumas patologias pulmonares, s�o preconizados estudos tomogr�ficos de baixa dosagem, que permitem detec��o de eventuais les�es em seus est�gios iniciais."

 

Apesar disso, a abreugrafia continua sendo lembrada, pelo menos no Brasil, onde o seu Dia Nacional � comemorado em 4 de janeiro, data do nascimento de seu inventor. A homenagem foi estipulada pelo presidente Juscelino Kubitschek, por meio do Decreto nº 42.984, de 3 de janeiro de 1958. Por uma ironia de destino, Abreu viria a morrer quatro anos depois, no dia 30 abril, por causa de uma doen�a do pulm�o — no caso, c�ncer.

 

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62695479

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