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Estado de Minas BAIXA COBERTURA

Como apag�o de dados sobre vacina��o no Brasil traz de volta amea�a de doen�as j� controladas

Entenda o que est� por tr�s do problema e como ele prejudica as estrat�gias de sa�de p�blica do pa�s


25/09/2022 14:52 - atualizado 26/09/2022 09:45


Profissional de saúde vacina homem
N�meros da vacina��o em cidades brasileiras menores esbarra na burocraria e na falta de estrutura (foto: Getty Images)

N�o h� d�vidas entre os profissionais de sa�de e pesquisadores que as taxas de vacina��o v�m caindo de forma consistente no Brasil durante os �ltimos anos. Na avalia��o deles, por�m, h� um problema pouco discutido nesse setor que complica ainda mais as coisas: a falta de dados confi�veis e atualizados sobre quantos brasileiros realmente tomaram as doses dos imunizantes dispon�veis na rede p�blica de cada munic�pio.

Na base de dados do Sistema �nico de Sa�de, o DataSUS, � poss�vel encontrar mais de uma dezena de cidades cuja cobertura vacinal nem chega aos 10% — em mais de 900 delas, o ind�ce n�o alcan�a os 50%.

Os gestores de sa�de desses locais, por�m, argumentam que as estat�sticas oficiais n�o correspondem � realidade e que essa taxa, na pr�tica, � bem maior.

O problema, dizem eles, est� no excesso de burocracia, na falta de equipes e nas falhas de conex�o com a internet ou acesso aos sistemas de inform�tica mais modernos e conectados.

"� pouco prov�vel que um munic�pio brasileiro tenha apenas 3 ou 5% de cobertura vacinal. O registro de dados simplesmente n�o funciona nesse pa�s", atesta a m�dica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imuniza��es (SBIm).

Os especialistas apontam que esse descompasso entre os n�meros oficiais e a realidade prejudica a tomada de decis�es e a cria��o de pol�ticas p�blicas mais certeiras na �rea de sa�de — o que aumenta a amea�a de surtos de doen�as erradicadas, controladas ou com poucos casos, como poliomielite, sarampo e febre amarela.

"Sem esses dados consolidados, n�o conhecemos a realidade do pa�s e n�o � poss�vel fazer o planejamento ou elaborar o or�amento", pontua Wilames Freire, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Sa�de (Conasems).

Ou seja: se os dados sobre a cobertura vacinal das cidades n�o batem, fica mais dif�cil para os governos municipais, estaduais e federal refor�arem as campanhas de comunica��o, enviarem mais doses para um lugar espec�fico, conversarem com os profissionais daquele local…

"Sem informa��es fidedignas, n�o temos condi��es de tomar decis�es em tempo h�bil", ele chama a aten��o.

E um apag�o de dados, por sua vez, abre a possibilidade de doen�as que est�o erradicadas, como a poliomielite, ou relativamente controladas, como o sarampo, voltem a representar uma amea�a.

O processo

O presidente do Conasems explica os detalhes do processo de vacina��o no pa�s.

"A pessoa chega no posto, � acolhida e conferimos se ela possui o Cart�o Nacional de Sa�de. Se tem, segue em frente. Se n�o, esse documento precisa ser produzido ali na hora."

"Ap�s a vacina��o, os dados daquele indiv�duo e das vacinas que ele tomou devem ser inseridos no sistema", continua Freire.

E � justamente a� que come�a o problema. "�s vezes, pelo ac�mulo de trabalho, a equipe deixa para atualizar todos os dados s� no final do dia", relata.


Profissional de saúde preenche ficha de paciente
Equipes dos postos de sa�de s�o respons�veis por preencher e digitalizar as fichas de indiv�duos vacinados (foto: Getty Images)

Segundo o presidente do Conasems, muitos postos de sa�de tamb�m t�m dificuldades nessa etapa por falta de internet ou conex�o lenta.

"Da� todas aquelas fichas de papel s�o encaminhadas para a sede da secretaria de sa�de, e um t�cnico fica respons�vel por inserir os dados, paciente por paciente, no sistema", diz.

"E isso quando ele consegue fazer esse trabalho. N�o raro, o sistema trava, n�o abre no tempo adequado, n�o se comunica com outras bases…", lista.

Willames diz que, "como a prioridade das equipes � vacinar", muitas vezes essa tarefa burocr�tica de compilar os dados fica em segundo plano e n�o � feita a tempo.

"Nas primeiras fases da vacina��o contra a covid-19, vi alguns munic�pios com mais de 100 mil fichas paradas que precisavam ser digitalizadas", lembra.

A realidade

A BBC News Brasil fez uma consulta ao sistema do DataSUS, dispon�vel online, para conferir a cobertura vacinal dos mais de 5.500 munic�pios do pa�s em 2021.

Foram considerados todos os imunizantes dispon�veis na rede p�blica, que protegem contra doen�as como poliomielite, sarampo, caxumba, rub�ola e pneumonia, por exemplo.

No dia 7 de setembro de 2022, os dez munic�pios que apareciam com as piores taxas de imuniza��o no ano passado eram:

  • Trajano de Moraes (RJ) - 3,1% de cobertura vacinal
  • Jucuru�u (BA) - 5,2%
  • Murici dos Portelas (PI) - 5,6%
  • Belford Roxo (RJ) - 6,3%
  • Santiago (RS) - 6,9%
  • Taquara (RS) - 7,2%
  • Bom Jardim (RJ) - 7,3%
  • Cris�lita (MG) - 7,6%
  • Curu� (PA) - 8,5%

A BBC News Brasil entrou em contato com os gabinetes de prefeitos, as secretarias de sa�de ou as assessorias de comunica��o dos dez munic�pios listados acima para checar essas porcentagens e saber se, na vis�o dessas autoridades p�blicas, elas representam a realidade.

Desses, quatro prefeituras enviaram respostas at� a publica��o desta reportagem.

A enfermeira Sofia Marinho, que � coordenadora de imuniza��o em Trajano de Moraes desde maio deste ano, informou que "o munic�pio n�o inseria as doses aplicadas no sistema, o que influenciou nesses dados baixos das coberturas vacinais".

Ela tamb�m apontou que h� uma diferen�a entre os sistemas de inform�tica de acordo com cada local de vacina��o — na sede da prefeitura, por exemplo, se usa um programa de computador, nos distritos mais afastados, outro.

"Estamos com alguns problemas na migra��o dos dados dos sistemas, o que tamb�m pode ser um dos motivos por tr�s desses n�meros, embora a nossa realidade seja totalmente diferente", completa.

A Secretaria de Sa�de de Taquara informou que "houve um problema t�cnico no envio de dados de vacina��o do munic�pio ao Minist�rio da Sa�de e isso j� est� sendo corrigido".

A enfermeira Carolline Azevedo Caetano, diretora de Vigil�ncia em Sa�de de Bom Jardim, admitiu que o munic�pio encontra-se com uma cobertura insatisfat�ria, "mas por causa dos sistemas de informa��o, e n�o da vacina��o propriamente dita".

"Tivemos alguns problemas com os recursos humanos respons�veis pela digita��o dos dados, situa��o que j� est� sendo resolvida", respondeu.

Por fim, a enfermeira Glaucimeire Moura, coordenadora de Aten��o Prim�ria na cidade de Murici dos Portelas, declarou que as porcentagens que aparecem no DataSUS "n�o condizem com a realidade".

"Passamos um tempo com problemas no sistema e as vacinas n�o puderam ser registradas", relatou.

Ela tamb�m disse que boa parte das informa��es de cobertura vacinal do munic�pio est� registrada em livros de papel.

Moura entende que colocar as informa��es no sistema � relativamente f�cil, mas h� barreiras na implanta��o dessa tecnologia e falhas na internet, especialmente nas zonas rurais.

Questionado pela reportagem, o Minist�rio da Sa�de informou que "n�o foram identificadas diverg�ncias nas informa��es dos dados sobre as coberturas vacinais referentes ao ano de 2021 e os registros nos sistemas do DataSUS".

"De todo modo, a pasta orienta aos munic�pios que identificarem inconsist�ncia nos dados que reportem [essas falhas] ao Programa Nacional de Imuniza��es (PNI)."


Fachada do Ministério da Saúde
Minist�rio da Sa�de diz n�o ver inconsist�ncias das taxas de cobertura vacinal reportadas at� agora (foto: Marcello Casal Jr/Ag�ncia Brasil)

A solu��o

Freire, do Conasems, avalia que o PNI "trouxe grandes benef�cios � popula��o brasileira", mas apresenta "problemas hist�ricos".

"E eles est�o principalmente nas bases de dados e na integra��o entre elas. O Minist�rio da Sa�de possui mais de 300 sistemas de informa��o", calcula.

Na avalia��o dele, o descompasso entre os dados dos munic�pios e do Governo Federal "n�o � surpresa".

"No momento, as prefeituras est�o trabalhando com quatro campanhas de vacina��o simult�neas: covid, sarampo, p�lio e m�ltiplas doses", conta.

"E as equipes das Unidades B�sicas de Sa�de s�o pequenas para lidar com tantas demandas."

Ballalai concorda e v� a situa��o como "uma antiga pedra no sapato".

"Esses sistemas j� mudaram uma por��o de vezes e, mesmo assim, ainda apresentam muitos erros e atrasos", critica.

"Um processo burocr�tico desses pode ocupar profissionais que vacinavam as pessoas, mas ficam sentados na frente de um computador preenchendo fichas", lamenta.

E todo esse cen�rio, por sua vez, prejudica as pol�ticas de sa�de p�blica, avaliam os entrevistados.


Mulher é vacinada por profissional de saúde
Compilar os dados de vacina��o em locais afastados %u2014 e com pouco acesso � internet %u2014 � um desafio, segundo especialistas (foto: Getty Images)

Uma das faces do problema maior

Ainda que reconhe�am esse grande descompasso nos dados, os especialistas entendem que a cobertura vacinal vem caindo de forma consistente no pa�s como um todo.

O n�mero de brasileiros imunizados contra a poliomielite, por exemplo, desabou de 99% em 2010 para 69% no ano passado.

A aplica��o da primeira dose da tr�plice viral (que protege contra sarampo, caxumba e rub�ola) saiu de 100% h� dez anos para 73% em 2021.

Em outras palavras, a queda nacional no n�mero de vacinados � real e preocupante — mas n�o d� pra saber com exatid�o como isso est� acontecendo nas cidades, especialmente nas de pequeno porte ou com menos estrutura.

"Sabemos que existe tecnologia dispon�vel para acompanhar a cobertura n�o apenas de Estados e cidades, mas de cada sala de vacina��o do pa�s", complementa Freire.

E, embora a inconsist�ncia nos sistemas de inform�tica ajude a entender parte dessa situa��o, ela � apenas uma das faces de um problema bem maior.

"Vemos um desabastecimento de doses dos imunizantes em alguns lugares, a falta de campanhas nacionais adequadas e o aumento de not�cias falsas ou at� de um movimento antivacina no pa�s", acrescenta Freire.

E, para elevar novamente as coberturas vacinais no pa�s, � preciso lidar adequadamente com todas essas quest�es, concluem os especialistas.

Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62980100

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