
Quando Lola era adolescente, seu h�bito de beber variava em ciclos.
Ela podia passar uma noite bebendo muito e o dia seguinte inteiro se arrependendo e juntando os cacos. Depois, ela ficava um per�odo s�bria, at� que viesse a balada seguinte.
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Mas, quando veio a pandemia, Lola voltou para a casa dos seus pais em Londres e seu h�bito de beber foi abruptamente suspenso. Ela conta que o lockdown trouxe uma oportunidade de afastar-se dos seus costumes arraigados e cuidar dos seus problemas de ansiedade.
Agora, a estudante de 22 anos tem uma rela��o diferente com o �lcool. Recentemente, ela come�ou a sair sem beber. Lola ainda bebe, mas com muito menos frequ�ncia.
"N�o sou contra a bebida — eu simplesmente n�o gosto de me embriagar ou me sentir mal na manh� seguinte", afirma ela. "Gosto de ir para casa com seguran�a e me lembrar das pessoas que conheci. Por isso, as noites s�brias funcionam bem para mim."
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Lola n�o � um caso isolado entre seus amigos. Ela conta que todos est�o bebendo menos desde o in�cio da pandemia e que ela n�o enfrenta julgamento dos colegas quando n�o bebe.
"Os amigos que n�o reduziram a bebida tanto quanto eu acham bom quando as pessoas saem e n�o bebem", ela conta. "A mentalidade � 'cada um faz o que quiser' e as pessoas respeitam suas escolhas, seja para proteger sua sa�de mental ou simplesmente porque voc� n�o gosta."
Experimentar o �lcool e beber em excesso eram considerados, h� muito tempo, um rito de passagem para a idade adulta, pelo menos na cultura ocidental.
Desde muito cedo, muitas vezes antes da idade legal, o �lcool � considerado um "lubrificante social" — uma forma de se divertir, fazer amigos e escapar da realidade do dia a dia. Poucos eventos sociais deixavam de incluir alguma forma de �lcool.
Mas os jovens da gera��o Z (nascidos entre 1995 e 2010) est�o mais cuidadosos � medida que entram na idade adulta, seja n�o bebendo ou bebendo com muito menos frequ�ncia e em menor quantidade que as gera��es anteriores.
O maior estudo recente sobre o comportamento de bebida no Reino Unido concluiu que, em 2019, a gera��o com 16 a 25 anos de idade era a mais abst�mia — 26% deles n�o bebiam, em compara��o com 15% entre a gera��o que mais bebia (55 a 74 anos de idade).
Entre os americanos adultos, o instituto Gallup concluiu que pessoas com 35 a 54 anos de idade s�o as mais dispostas a beber �lcool (70%), � frente da gera��o Z (60%) e dos baby boomers (52%).
J� um estudo de 2020 indicou que a parcela de jovens americanos abst�mios em idade universit�ria aumentou de 20% para 28% em uma d�cada.
Entre as pessoas que bebem, a maior parte dos jovens europeus (definidos como entre a idade legal e 39 anos) bebe uma vez por m�s (27%). Nos Estados Unidos, o maior grupo bebe uma vez por semana (25%).

Especialistas indicam que a redu��o do consumo de �lcool pelos jovens � significativa e est� espalhada pela maior parte dos pa�ses europeus de renda mais alta, al�m dos Estados Unidos, Austr�lia e Nova Zel�ndia.
Durante o lockdown, os australianos da gera��o Z mostraram-se mais dispostos a reduzir o seu consumo — 44% informaram que estavam bebendo menos, o que � mais que o dobro do percentual de qualquer outra gera��o.
E, na Nova Zel�ndia, a incid�ncia de consumo excessivo de �lcool entre os jovens tamb�m caiu em mais da metade entre 2001 e 2012 — e continua a cair at� hoje.
Mas atribuir essa queda a um �nico fator � imposs�vel.
Os jovens da gera��o Z est�o crescendo em um cen�rio social �nico. Sobrecarregados com preocupa��es sociais e financeiras, eles s�o mais avessos ao risco. E eles t�m uma compreens�o maior de como a bebida prejudica a sa�de deles e das pessoas � sua volta.
Com isso, est� florescendo uma cultura de juventude em que beber deixou de ser o normal, e essa mudan�a est� se fazendo presente. O com�rcio e o setor de hot�is e restaurantes est�o se movendo com rapidez para adaptar-se enquanto a gera��o Z redefine o conceito de "balada" e socializa muitas vezes sem beber.
Bem informados e avessos ao risco
O decl�nio do consumo de bebida ocorre, em parte, porque a gera��o Z aparentemente � mais cautelosa que as anteriores, tanto em termos de sa�de quanto da percep��o de si pr�prios pelos colegas.
"[A redu��o do consumo de bebidas alco�licas] certamente n�o est� acontecendo devido �s pol�ticas contra o �lcool, porque todas as pr�ticas de risco est�o diminuindo — uso de drogas, sexo sem prote��o e comportamentos arriscados [como o fumo, crime e dire��o perigosa]. Os jovens em geral s�o mais avessos ao risco", afirma Amy Pennay, pesquisadora s�nior do Centro de Pesquisa de Pol�ticas sobre o �lcool da Universidade La Trobe, em Melbourne, na Austr�lia.
Um fator para essa mudan�a � o fato de que os jovens hoje em dia sabem muito mais sobre os perigos associados a esse tipo de comportamento. E, com maior disponibilidade de pesquisas e com a discuss�o aberta, o seu conhecimento � cada vez mais multifacetado, segundo Pennay.
Atualmente, � mais f�cil do que nunca aprender mais sobre os riscos da bebida, seja com uma r�pida pesquisa no Google, visitando comunidades no TikTok (como #SoberTok, em ingl�s) ou conversando com amigos e familiares.
A preocupa��o com a perda do controle e o desenvolvimento de depend�ncia da bebida, por exemplo, � sensivelmente mais alta entre os jovens.
Uma pesquisa do Google em 2019 concluiu que 41% dos jovens da gera��o Z associam o �lcool a "vulnerabilidade", "ansiedade" e at� "abuso". E, no Reino Unido, 60% dos jovens da gera��o Z associam beber � perda de controle — quase o dobro dos que n�o fazem essa associa��o.
Ondas de casos em que pessoas sofrem o golpe do "boa noite, Cinderela" em bares e baladas tamb�m pode dissuadir as pessoas de beber, especialmente as mulheres.
E, com as atividades dos jovens podendo ser exibidas em tempo real nas redes sociais para os amigos, familiares e at� empregadores, perder o controle traz uma carga de risco.
A mesma pesquisa do Google indica que 49% dos jovens da gera��o Z afirmam que sua imagem online est� sempre na mente quando eles saem para beber e socializar.
Por isso, n�o � surpresa que 76% deles acreditam ser importante estar no controle de todos os aspectos da sua vida, todo o tempo.
John Holmes, professor de pol�ticas sobre �lcool da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, acrescenta que tamb�m houve uma acentuada mudan�a de comportamento. A gera��o Z n�o s� tem consci�ncia mais profunda dos riscos � sa�de, mas tamb�m rejeita ativamente a no��o de embriaguez.
"Em meados at� o final dos anos 2000, beber demais e ficar embriagado era uma maneira de formar e solidificar amizades. At� experimentar juntos os efeitos negativos [da bebida] era uma parte fundamental da forma��o e manuten��o de amigos na adolesc�ncia e no in�cio da idade adulta", afirma ele. "Mas a gera��o Z costuma considerar a embriaguez desagrad�vel, inconveniente ou desinteressante."
Lola, por exemplo, fica desconfort�vel quando v� algu�m muito b�bado. "Conhe�o poucas pessoas que bebem muito e ficam bem", afirma ela. "Ainda bem que a narrativa est� mudando e as pessoas reconhecem que beber demais � ruim para elas."
Descontrair em meio a press�es financeiras
Mas n�o s� a avers�o ao risco est� reduzindo o consumo de �lcool. A forma como as pessoas encaram o lazer tamb�m mudou.
Especialistas afirmam que isso, em grande parte, est� ligado aos desafios que os jovens percebem que os aguardam no futuro, bem como � forma em que eles querem levar as suas vidas.
O uso da tecnologia e o consumo de conte�do a todo momento fazem com que o lazer muitas vezes assuma a forma de fuga, ou de intervalo da extrovers�o das redes sociais.
Durante pesquisas no in�cio dos anos 2000, em meio a uma era de alto consumo de �lcool e drogas de recrea��o, Pennay lembra-se de ver jovens discutindo o abandono hedon�stico e seu desejo de desligar-se "ficando obliterados e aproveitando o momento".
Agora, acontece o oposto. Para Pennay, os jovens da gera��o Z normalmente preferem recarregar suas baterias no tempo de descanso do trabalho ou aperfei�oando seus estudos ou desenvolvimento pessoal.

Mas, embora o crescimento profissional seja prioridade entre os jovens, conseguir ganhar a vida j� � suficientemente dif�cil.
Em 2022, a empresa de servi�os profissionais Deloitte perguntou a quase 15 mil jovens da gera��o Z de todo o mundo qual a sua principal preocupa��o. Eles mencionaram o custo de vida em primeiro lugar (29%), acima das mudan�as clim�ticas, do desemprego, da sa�de mental e do ass�dio sexual.
Quase a metade deles (46%) afirmou que vive um m�s de cada vez, preocupando-se com o pagamento das suas despesas. E, para fechar suas contas, 43% t�m um segundo trabalho de tempo parcial ou integral al�m do seu emprego principal — 10% a mais do que os millennials (os nascidos entre 1981 e 1995).
"A forma como a gera��o Z mant�m seu or�amento e suas economias � muito diferente das gera��es anteriores, pois eles n�o podem entrar no mercado habitacional", afirma Pennay. "Por isso, alguns veem o �lcool como um produto caro demais, que ofusca o quadro mais amplo."
Proteger sua sa�de mental � o principal motivador da curiosidade de Lola sobre permanecer s�bria, mas o custo do �lcool tamb�m representa um papel importante.
No in�cio do ano, ela morou em Paris, na Fran�a, e l� ela bebia mais porque era muito mais barato. "Eu conseguia gastar 20 euros (cerca de R$ 102) e beber com frequ�ncia, mas, em Londres, esse dinheiro n�o chega", ela conta. "Mesmo se eu realmente quisesse me embriagar, eu n�o teria dinheiro para isso."
O efeito cascata das 'experi�ncias de qualidade'
Sejam quais forem as causas, mais jovens se afastando do �lcool trazem um ambiente que facilita e at� incorpora a sobriedade.
Jason, que tem 24 anos e mora em Nova York, nos Estados Unidos, parou de beber h� tr�s anos. Desde ent�o, ele fez amizade com muitos outros jovens que n�o bebem.
"Beber � uma parte importante da cultura de Nova York e eu esperava enfrentar atritos, mas as pessoas com a minha idade e mais jovens s�o muito gentis e atenciosas sobre a minha decis�o", ele conta.
Holmes acredita que as atitudes e o comportamento moderado em rela��o ao �lcool da gera��o Z s�o um progresso natural.
"O consumo de �lcool cresceu ao longo da segunda metade do s�culo 20, mas o hedonismo e o excesso de bebida do final dos anos 1990 e in�cio dos anos 2000 foram um pico irracional", afirma ele. "As tend�ncias de consumo v�m em longas ondas que sobem e descem - esperava-se que a bebida diminu�sse em algum momento e era prov�vel que as gera��es mais jovens fizessem essa mudan�a."
Naturalmente, a gera��o Z perdeu uma s�rie de ritos de passagem para a idade adulta durante a pandemia e ainda n�o est� claro se o intervalo de dois anos ir� mudar a forma como os jovens veem a socializa��o no futuro.
Mas, de forma geral, Pennay n�o prev� um grande retorno ao consumo excessivo de bebida ap�s a pandemia. Se for normal n�o beber com 17 anos de idade, ser� ainda mais normal com 18, 19 e assim por diante.
A gera��o Z agora representa um ter�o da popula��o mundial e a ind�stria do �lcool est� se adaptando �s novas prefer�ncias dos jovens.
Emma Hutchison, fundadora da ag�ncia global de bebidas Sweet & Chilli e propriet�ria de tr�s bares em Londres, observou uma mudan�a entre os jovens, que agora priorizam a qualidade e n�o a quantidade. Em vez de beber diversos coolers, eles podem agora preferir um coquetel, com ou sem �lcool, que dure toda a noite.
De fato, um estudo do final de 2021 concluiu que pessoas com mais de 21 anos de idade nos Estados Unidos preferem bebidas fortes como destilados ou refrigerantes alco�licos, champanhe e bebidas com pouco ou sem �lcool, no lugar de vinho e cerveja.
"Eles est�o procurando experi�ncias de qualidade que enrique�am suas vidas", afirma Hutchison. "Os jovens da gera��o Z querem marcas que estejam de acordo com suas pr�prias mentalidades e est�o tomando decis�es mais conscientes sobre o que eles consomem."
Da mesma forma, a r�pida expans�o do setor de bebidas n�o alco�licas e a inova��o que ela traz enviou uma mensagem para os consumidores que n�o bebem ou que est�o curiosos sobre a abstin�ncia: os bares t�m algo a oferecer para todos.
"Antigamente, voc� podia sentir-se exclu�do no local de alimenta��o se n�o quisesse beber", afirma Hutchison. "Mas � muito estimulante ver bebidas n�o alco�licas receberem a mesma publicidade, considera��o e qualidade dos ingredientes das suas vers�es alco�licas."
A maior diversidade de op��es tamb�m est� trazendo dividendos. Ao contr�rio do �lcool, a categoria sem ou com pouco �lcool vem crescendo consistentemente e a empresa l�der na an�lise do mercado de bebidas IWSR prev� que, at� 2024, o volume total de consumo crescer� em mais de 31% no Brasil, Austr�lia, Canad�, Fran�a, Alemanha, Jap�o, �frica do Sul, Espanha, no Reino Unido e nos EUA.
Ap�s a pandemia, os bares e restaurantes tamb�m aumentaram sua oferta de experi�ncias para atrair todas as gera��es, especialmente a gera��o Z. Eles acrescentaram mesas de pingue-pongue e de shuffleboard, por exemplo.
"Existe enorme desejo de socializar-se em espa�os que tenham sido e ainda s�o associados a 'sair para beber'", segundo Hutchison. "Mas, com a ind�stria patrocinando alternativas, ser� mais um espa�o seguro para que a gera��o Z se socialize, conecte-se e aproveite ricas experi�ncias de comidas e bebidas."
Como ocorre com a maioria dos jovens com 24 anos de idade, Jason tem uma vida social concentrada em cafeterias, restaurantes, partidas esportivas e noites com amigos. Ele gosta de experimentar atividades alternativas que n�o envolvam bebida.
"Vou a festas sem bebida e a festas onde as pessoas bebem. Eu gosto de ser ativo e sair", ele conta. "Tem sido revelador para mim perceber que voc� pode ser jovem e abst�mio e ter amizades muito intensas."
Os sobrenomes de Lola e Jason foram omitidos para manter sua privacidade pessoal e profissional.
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Worklife.
- Este texto foi publicado em http://bbc.co.uk/portuguese/vert-cap-63315138