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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Por que falar com desconhecidos pode nos deixar mais felizes

Em um mundo t�o desconfiado, muitos de n�s relutamos em interagir com estranhos. Mas falar com pessoas que nunca vimos na vida, mesmo em intera��es passageiras, pode nos trazer felicidade e sabedoria.


07/11/2022 12:21 - atualizado 07/11/2022 12:27

Mulher com um telefone na mão se vira para falar com um estranho.
(foto: Getty Images)

Como muitas pessoas criadas nos Estados Unidos nos anos 1980, cresci sendo orientado a ter medo de estranhos.


O "perigo dos estranhos" era repetido por todos naquela �poca. A preocupa��o dos pais e a cautela natural da humanidade com rela��o �s pessoas desconhecidas foram ampliadas pela cobertura da imprensa sensacionalista e pela queda vertiginosa da confian�a da sociedade, causando total p�nico moral.


Policiais, professores, pais, l�deres religiosos, pol�ticos, celebridades e organiza��es de promo��o do bem-estar infantil deixaram de lado suas diferen�as e trabalharam em conjunto para difundir a mensagem de que a intera��o com estranhos poderia colocar as crian�as em risco.

 

 


� claro que existem pessoas que passaram por experi�ncias traum�ticas com estranhos, mas o "perigo dos estranhos" n�o tem bases estat�sticas reais. Tanto naquela �poca quanto agora, a maior parte dos crimes sexuais e violentos contra crian�as (e tamb�m contra adultos) � cometida por pessoas conhecidas das v�timas: parentes, vizinhos e amigos da fam�lia.


Os raptos cometidos por pessoas de fora da fam�lia - incluindo os casos em que a crian�a � levada por algu�m desconhecido - representam apenas 1% dos casos de crian�as perdidas relatados ao Centro Nacional de Crian�as Perdidas e Exploradas dos Estados Unidos.


Mas, como o risco parecia real, ele se tornou real. Estranho virou sin�nimo de perigo e as duas palavras se uniram de forma indissoci�vel.


Essa forma de pensar pode ter prejudicado nossas intera��es na vida adulta? Acabamos perdendo algo de importante com isso?

O medo dos estranhos � prejudicial?

Cientistas sociais acreditam que ensinar �s crian�as que literalmente todas as pessoas do mundo que elas n�o conhecem s�o perigosas pode ter sido bastante prejudicial.


A cientista pol�tica Dietlind Stolle, da Universidade McGill, no Canad�, argumenta que passar d�cadas ouvindo essa mensagem pode ter prejudicado a capacidade de confiar nas pessoas de toda uma gera��o. Isso � problem�tico, j� que a confian�a � a chave para o funcionamento de muitas sociedades.


"Quantas oportunidades sociais ou econ�micas n�s perdemos simplesmente por termos medo de estranhos?", pergunta-se
Stolle.


N�o estou defendendo que estranhos abordem crian�as ou vice-versa, mas acredito que, como adultos, precisamos repensar os benef�cios de falar com estranhos de forma segura.


Por v�rios anos, pesquisei por que n�o falamos com estranhos e o que acontece quando os abordamos, para escrever meu livro, The Power of Strangers: The Benefits of Connecting in a Suspicious World ("O poder dos estranhos: os benef�cios da conex�o em um mundo desconfiado", em tradu��o livre).


Esse trabalho me levou a entrar em contato com antrop�logos, psic�logos, soci�logos, cientistas pol�ticos, arque�logos, urbanistas, ativistas, fil�sofos e te�logos, al�m de centenas de estranhos aleat�rios com quem falei em toda parte.


Tudo isso me fez aprender que perdemos muito com o nosso medo dos estranhos. Falar com estranhos - sempre em condi��es corretas - � bom para n�s, para os nossos bairros, cidades, pa�ses e para o mundo. Falar com estranhos pode trazer ensinamentos, aprofundar voc�, tornar voc� um cidad�o melhor, fazer voc� pensar melhor e melhorar voc� como pessoa.


� uma boa forma de viver, mas � mais do que isso. Em um mundo em r�pida muta��o, infinitamente complexo e furiosamente polarizado, � uma forma de sobreviver.


Pessoas fazendo compras em uma barraca de feira
Conversar com a pessoa que atende voc� no com�rcio pode ser uma forma f�cil de come�ar a abrir-se para os desconhecidos (foto: Getty Images)

Animais sociais, mas nem tanto

H� mais de 6 mil anos, os seres humanos vivem em cidades, uma forma de organiza��o social caracterizada pela superabund�ncia de estranhos. Mas s� recentemente os psic�logos come�aram a estudar o que acontece quando falamos com todos esses estranhos sem rosto � nossa volta todos os dias.

Em 2013, os psic�logos Gillian Sandstrom, da Universidade de Sussex, no Reino Unido, e Elizabeth Dunn, da Universidade da Col�mbia Brit�nica, no Canad�, publicaram os resultados de um experimento, durante o qual 30 adultos sorriram e conversaram com seu barista em uma cafeteria de Toronto, no Canad�, enquanto outros 30 fizeram suas transa��es da forma mais eficiente poss�vel.

"As pessoas s�o sensivelmente pessimistas sobre quase qualquer aspecto de falar com estranhos", afirma Sandstrom, mas esse pessimismo n�o parece ser inevit�vel. Os participantes do estudo que interagiram ao comprar o seu caf� contaram que sentiram uma sensa��o mais forte de pertencimento e melhor humor do que aqueles que n�o conversaram com o estranho.

Os autores conclu�ram que "na pr�xima vez em que voc� precisar melhorar o seu humor, considere a possibilidade de interagir com o barista do Starbucks... para colher essa fonte de felicidade facilmente dispon�vel".

Ganhar coragem para iniciar uma conversa com um estranho pode parecer dif�cil. N�o � o normal para muitos de n�s.

Os cientistas do comportamento Nicholas Epley e Juliana Schroeder, da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, pediram �s pessoas no tr�nsito que falassem com estranhos no transporte p�blico, t�xis e salas de espera - locais onde as normas sociais de Chicago inibem as pessoas de conversar.

A maioria dos participantes previu que essas intera��es trariam maus resultados, o que � compreens�vel. Sabendo que estariam violando uma norma social, eles temiam que o estranho se ressentisse pela intromiss�o e os rejeitasse, tornando suas viagens ainda mais desagrad�veis do que o normal.

Mas, quando os participantes sa�ram �s ruas e fizeram a intera��o real com as pessoas, eles conclu�ram que os estranhos eram surpreendentemente receptivos, curiosos e agrad�veis. "Eles pareciam acreditar que falar com um estranho representava um risco significativo de rejei��o social", segundo Epley e Schroeder. Mas, "at� onde sabemos, n�o houve risco algum".

Pelo contr�rio. Os participantes que falaram com estranhos contaram que as conversas eram agrad�veis, interessantes e duravam mais tempo do que o previsto, tornando suas viagens mais agrad�veis.

Epley e Schroeder acrescentam que isso indica "profunda incompreens�o das intera��es sociais", concluindo que "os seres humanos podem ser animais sociais, mas nem sempre sociais o suficiente para o seu pr�prio bem-estar".


Fotografia colorida mostra duas mulheres em um ônibus sentadas de costas
Preste aten��o na forma em que voc� aborda um estranho, se decidir falar com ele (foto: Getty Images)

Culturas diferentes, mesmos resultados

Receando que esses resultados tenham sido influenciados pela cordialidade do centro-oeste americano (onde fica Chicago), Epley e Schroeder conduziram o mesmo experimento em um local historicamente menos amistoso. As pessoas precisaram conversar com estranhos no transporte p�blico de Londres - algo que muitos londrinos observam com um misto de horror e desprezo (e onde normalmente se evita inclusive o contato visual).

Mas Epley e Schroeder obtiveram os mesmos resultados. As conversas sa�ram surpreendentemente bem.

Desde ent�o, o mesmo resultado se repetiu em outros pa�ses, com uma variedade de participantes. As conclus�es desses estudos foram incrivelmente consistentes: muitas pessoas tinham medo de falar com estranhos, mas, quando falaram, a tend�ncia foi que se sentissem bem: mais felizes, menos solit�rios, mais otimistas, mais emp�ticos e com sensa��o mais forte de pertencimento �s suas comunidades.

Diversos especialistas, al�m de membros do p�blico que falam com estranhos, contaram que isso realmente fez com que eles se sentissem mais seguros, atestando rapidamente que as pessoas � sua volta t�m boas inten��es.

Ainda assim, existem muitas raz�es para que as pessoas se sintam desconfort�veis para conversar com estranhos. Elas relatam preocupa��es com a poss�vel viola��o de uma norma social, receiam n�o saber falar direito, que n�o teriam nada a dizer ou que ficariam apreensivos sobre falar com algu�m de um grupo diferente e sofrer ataques ou dizer algo de errado.

Muitos fatores conspiram para nos fazer evitar falar com estranhos. Com os telefones celulares, evitar intera��es com as pessoas no nosso ambiente imediato ficou mais f�cil do que nunca.

E podemos ter o receio natural de abordar algu�m que, para n�s, n�o parece ser de confian�a, mesmo se nunca tivermos encontrado essa pessoa. Preferimos cooperar com pessoas que sejam parecidas com algu�m em quem confiamos no passado e n�o com algu�m que se pare�a com um antigo conhecido que n�o era de confian�a.

Por isso, n�o surpreende que as pessoas fiquem aliviadas quando esses temores s�o desmentidos. Eu mesmo senti isso quando tive intera��es positivas com estranhos.

"Acho que esse al�vio pode ser exatamente o sentimento de que nos venderam essa mensagem de que o mundo � um lugar assustador", afirma Sandstrom. "E, quando voc� tem uma conversa com uma pessoa aleat�ria e tudo corre bem, � como se 'talvez o mundo n�o seja t�o ruim, afinal'."

Isso � importante. Em uma �poca em que tantas pessoas se sentem solit�rias, distantes, exclu�das, desconectadas e pessimistas, essas descobertas s�o �teis e encorajadoras.

Interagir com estranhos, mesmo que de passagem, pode nos ajudar a construir ou reconstruir redes sociais, reconectar-nos com nossas comunidades e refor�ar a confian�a nas pessoas � nossa volta.

Como relatou um estudante universit�rio que participou dos experimentos mais recentes de Sandstrom: "eu me senti como se tivesse esquecido como fazer amigos, mas este estudo me lembrou que a maior parte das pessoas � amistosa e voc� s� precisa se colocar para fora".

Abordagens diversas para pessoas diferentes

Como homem branco e h�tero, percebi logo no come�o que minhas intera��es com estranhos podem ser menos inquietantes que para outras pessoas. Por isso, enquanto pesquisava para o meu livro, cuidei de conversar com uma ampla diversidade de pessoas que tinham como pr�tica falar com estranhos. E, mesmo com seus variados antecedentes e experi�ncias, a maioria relata os mesmos efeitos positivos que encontramos na literatura de pesquisa.

Mas eu n�o pensaria em sugerir que essas intera��es s�o iguais para todos, nem descartaria, de nenhuma forma, as preocupa��es de pessoas que tiveram experi�ncias traum�ticas com estranhos. E ainda sugiro enfaticamente que outros homens na minha posi��o tenham isso em mente ao conversar com desconhecidos.

Sandstrom oferece conselhos para falar com algu�m que voc� n�o conhece. Fa�a uma pergunta aberta para que eles falem primeiro e depois responda com algo que voc�s t�m em comum. Ali�s, n�o � sem motivo que � t�o comum come�ar falando sobre o tempo.

Mas, se voc� puder, vale a pena tentar. Falar com estranhos pode afetar voc� de formas mais profundas que voc� pode esperar e trazer muitos benef�cios para a sa�de.

Falar com estranhos tamb�m pode nos deixar mais inteligentes, mundanos e emp�ticos, segundo a professora Danielle Allen, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e bolsista da Funda��o MacArthur.

Quando lecionava na Universidade de Chicago, Allen foi repetidamente aconselhada pelos colegas a permanecer longe da parte pobre da cidade. Ela acredita que esse "medo dos estranhos realmente estava destruindo muitas das capacidades sociais e intelectuais [dos seus colegas]."

Ela se recusou a se afastar e desenvolveu alguns dos seus trabalhos mais admirados naqueles bairros. Desde ent�o, ela dedicou sua carreira a fomentar conex�es entre pessoas e grupos que, de outra forma, n�o interagiriam entre si.

"O conhecimento real do que est� al�m do jardim da sua casa cura o medo", escreve Allen, "mas somente falando com estranhos podemos adquirir esse conhecimento."

Ao falar com estranhos, voc� tem uma ideia da extraordin�ria complexidade da esp�cie humana e da infinita variedade das suas experi�ncias. � um clich�, mas voc� come�a a ver o mundo do ponto de vista de outra pessoa. Sem isso, � imposs�vel ganhar conhecimento.

Mas a tarefa n�o � f�cil. Voc� precisar� revisitar constantemente suas cren�as sobre o mundo e seu lugar nele. Isso pode ser dif�cil e desorientador, mas tamb�m � estimulante e at� divertido.

� assim que crescemos como indiv�duos e permanecemos juntos, enquanto sociedade. � como passamos a nos conhecer e somente nos conhecendo podemos, algum dia, esperar viver juntos.


Fotografia colorida mostra mulher olhando o celular em uma estação de metro em frente a um vagão
Ficar em sil�ncio no transporte p�blico pode ser o padr�o, mas falar com um estranho pode fazer sua viagem ficar mais interessante (foto: Getty Images)

Real x digital

� ir�nico que, depois de ter sido criado para ter medo dos estranhos, agora os vejo como uma fonte de esperan�a. Quando essas intera��es t�m bons resultados - o que geralmente acontece -, a percep��o positiva do estranho pode criar melhores sentimentos sobre as pessoas, de forma geral.

Para mim e para muitos dos respeitados especialistas e dos completos estranhos com quem conversei, tudo � quest�o de dados.

Se eu baseasse minhas percep��es de humanidade no que tenho dispon�vel no meu telefone ou computador, teria uma vis�o incrivelmente negativa da maioria das outras pessoas. Eu ficaria paralisado com o "perigo dos estranhos" e teria todas as justificativas para evitar essas pessoas malcriadas, paranoicas, hist�ricas, criminosas, charlat�s, criadoras de caso e demagogas.

Mas eu sa� para o mundo exterior e falei com as pessoas. Minha percep��o de mundo, em grande parte, � baseada nelas. E, por ter falado com estranhos, minha vis�o � um pouco mais otimista.

"Eu gosto da humanidade, de forma geral, porque falo com estranhos", afirma Allen. Como mulher negra nos Estados Unidos, suas intera��es podem ser muito mais complicadas que as minhas. Mas, ainda assim, quando o assunto � falar com estranhos, ela conta que "os pontos positivos superam em muito os negativos".

Em 2018, o Centro de Crian�as Perdidas e Exploradas da Virg�nia, nos Estados Unidos (historicamente, um dos principais expoentes da mensagem do "perigo dos estranhos") finalmente aposentou essa express�o. Na �poca, Cal Walsh, executivo do centro, explicou: "estamos tentando empoderar as crian�as para que elas tomem decis�es seguras e inteligentes, sem assust�-las por toda a vida".

Sua decis�o foi seguida por outras entidades de apoio �s crian�as em todo o mundo. � um bom come�o.

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.


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