Plantação de cannabis

Planta��o de cannabis

Reprodu��o/Pol�cia Federal

"Faz nove anos que eu nunca mais precisei levar minha filha para o pronto socorro por causa de convuls�o". O relato � de Cidinha Carvalho, m�e de Cl�rian Carvalho, hoje com 19 anos, e que trata a S�ndrome de Dravet com uso do �leo de cannabis, rem�dio extra�do da cannabis sativa, planta popularmente conhecida como maconha. Na �ltima ter�a-feira (31), foi sancionada a Lei 17.618/2023, que institui a pol�tica de fornecimento gratuito desses medicamentos no Sistema �nico de Sa�de (SUS) em S�o Paulo.


A partir de agora, o governo paulista ter� de regulamentar e estabelecer regras para distribui��o dos medicamentos. Em 30 dias, a partir da publica��o no Di�rio Oficial, dever� ser composta uma comiss�o, formada por t�cnicos, associa��es de pesquisa e representantes de pacientes e familiares, que ficar� respons�vel por formular as diretrizes. A lei deve entrar em vigor em 90 dias. 


Antes, os rem�dios s� eram fornecidos pelo governo paulista por meio de decis�o judicial. Em nota, o governo diz que a medida "minimiza os impactos financeiros da judicializa��o e, sobretudo, garante a seguran�a dos pacientes, considerando protocolos terap�uticos eficazes e aprovados pelas autoridades de Sa�de".


Para a psiquiatra Clarisse Moreno Farsetti, especializada em terapia canabin�ide, a lei � um avan�o, sobretudo para quem n�o tem condi��es de comprar a medica��o. "A gente come�a a ter um meio para que pessoas, que n�o tem condi��es financeiras de arcar com o tratamento, muitas vezes nem a papelada mesmo, a compra dos primeiros produtos. Provavelmente, depois da regulamenta��o, isso vai ser poss�vel."

Cl�rian e a S�ndrome de Dravet

A not�cia � tamb�m um alento para os pacientes que dependem dos medicamentos � base de cannabis e que, atualmente, s� conseguem obt�-los por meio de medidas judiciais, associa��es da sociedade civil e outros mecanismos privados.

Moradores na Vila Formosa, zona lesta de S�o Paulo, Cidinha Carvalho e o marido, F�bio Carvalho, descobriram que Cl�rian era portadora da S�ndrome de Dravet quando a filha era beb� e apresentou um quadro de convuls�o. Doen�a gen�tica rara, a s�ndrome, tamb�m conhecida como Epilepsia Miocl�nica Grave da Inf�ncia (EMGI), � progressiva, incapacitante e n�o tem cura. Caracteriza-se por crises epil�pticas que podem durar horas e atraso do desenvolvimento psicomotor e cognitivo. 

 

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Antes de iniciar o tratamento com �leo de cannabis, Cidinha conta que a filha era ap�tica, n�o interagia e convulsionava por mais de uma hora, com crises generalizadas. N�o conseguia elaborar frases completas e sem coordena��o motora: n�o corria, n�o pulava, n�o transpirava e sequer subia escadas sozinha. Durante o sono, tinha epis�dios de apneia, dist�rbio que afeta a respira��o, fazendo com que parasse de respirar uma ou mais vezes ao longo da noite. 
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De acordo com a m�e, com o �leo, a sa�de de Cl�rian apresentou melhora significativa. As crises diminu�ram em 80% e ficaram mais curtas, com dura��o de menos de um minuto. Ap�s quatro meses de uso, ela come�ou a transpirar. E em oito meses, pulou em uma cama el�stica pela primeira vez. O equil�brio, o t�nus muscular e o sistema cognitivo est�o melhores, e a apneia durante o sono desapareceu. Cl�rian, inclusive, conseguiu iniciar o processo de alfabetiza��o.

Habeas corpus

At� descobrirem os benef�cios do �leo de para o tratamento da filha, Cidinha e F�bio passaram por uma longa jornada de aprendizado e de luta contra o preconceito. Foram muitos passos: primeiro, tinham que importar o rem�dio a um alto custo  (cerca de 500 d�lares, na �poca); em seguida, conseguiram uma doa��o mensal da medica��o por meio de uma "rede secreta" no Brasil; assumiram o risco de cultivar a planta sem autoriza��o; aprenderam a extrair o �leo com uma organiza��o chilena; e, por fim, conseguiram a autoriza��o da Justi�a para cultivar em casa a com fins medicinais.


Em 2016, o casal entrou com pedido na Justi�a para ter o direito de cultivar e extrair o �leo em casa para fins medicinais. Nessa �poca, contaram com o apoio da Rede Jur�dica pela Reforma da Pol�tica de Drogas (Rede Reforma).


Dois anos antes, pacientes e suas fam�lias j� tinham iniciado a luta para conseguir esse direito, j� que o Estado brasileiro n�o fornecia o medicamento e havia a amea�a de serem presos por cultivar a planta em casa, apesar de destinada para fins medicinais.

No mesmo ano em que Cidinha e F�bio ingressaram com o pedido, um fato marcou essa jornada: um dos fundadores da Rede Reforma, do Rio de Janeiro, foi preso por ter cultivo de maconha para fins terap�uticos em sua resid�ncia. A partir desse caso, a rede passou a usar o habeas corpus preventivo, o mecanismo jur�dico utilizado para proteger aqueles que j� tiveram a liberdade coagida ou aqueles que est�o sob a imin�ncia de serem presos, para que as fam�lias tivessem o direito de cultivo. 


“� assim que surge a tese, da jun��o da criatividade dos nossos fundadores com a sensibilidade contra as injusti�as causadas pela Lei de Drogas, que come�ou a afetar a sa�de de tantos brasileiros, prejudicando o acesso a essa sa�de, � dignidade humana”, explica a advogada da Rede Reforma, Gabriella Arima. A tese foi replicada para milhares de outros casos. Hoje, estima-se que existam cerca de 2 mil salvos-condutos no Brasil, grande parte concedido pelo Tribunal Federal de S�o Paulo (TRF3).


Com o habeas corpus em m�os, Cidinha e F�bio passaram a cultivar a planta e a extrair o �leo em casa. E junto nasceu a Cultive - Associa��o de Cannabis e Sa�de, com a miss�o de representar os anseios de quem necessita da como tratamento e defender a reforma das leis e pol�ticas sobre drogas, de acordo com o site da associa��o liderada pelo casal.


Sobre a san��o da lei paulista, Cidinha diz que o mais importante � que seja cumprida. "T�o importante quanto a regulamenta��o � o estado cumprir. N�s temos tr�s estados que j� sancionaram, mas n�o est�o cumprindo. Ent�o, espero que S�o Paulo fa�a a diferen�a, mas para isso precisa ter uma regulamenta��o".

Pr�ximos passos

Segundo a advogada Gabriella Arima, Goi�s, Rio de Janeiro e Paran� j� disp�em de leis semelhantes � sancionada em S�o Paulo, por�m ainda h� entraves ao acesso aos rem�dios.  "Ainda h� uma dificuldade dos pacientes obterem esses medicamentos via SUS, o que torna essas leis in�cuas", aponta.


Sobre como a Lei paulista pode contribuir para o avan�o do debate sobre a pol�tica de drogas no pa�s, a especialista lembra que a legisla��o trata do acesso, o que beneficia a popula��o de baixa renda, mas n�o traz mecanismos que estimulem a produ��o nacional desses medicamentos, refor�ando a depend�ncia pelos produtos importados, mais caros.

"De um lado, acho que a gente caminha para uma desmistifica��o do tema, est� caminhando para uma pol�tica p�blica que, teoricamente, abrangeria os mais pobres, pensando que hoje o tratamento com � car�ssimo. Mas a gente n�o tem uma produ��o interna dos �leos. Ent�o, dependemos de um mercado externo", explica.


A psiquiatra Clarisse Farsetti espera que, na rede p�blica, os medicamentos � base de cannabis cheguem tamb�m para pacientes que sofrem de epilepsias, doen�as neurol�gicas e para os que est�o em cuidados paliativos. "Em outros estados, isso est� acontecendo e a tend�ncia � que, com o tempo, se fixe cada vez mais na nossa sociedade, e outras pessoas tamb�m tenham acesso ao tratamento”.


J� Cidinha deseja que o processo de regulamenta��o seja feito em conjunto com a sociedade civil, principalmente com os familiares, pacientes, m�dicos e advogados pioneiros nessa luta. "� preciso capacitar os m�dicos do SUS, n�o somente na prescri��o, mas no atendimento, no acompanhamento de pacientes que fazem uso de canabin�ides. � preciso fazer uma reeduca��o na parte policial, apenas para entender a necessidade do paciente, que precisa do uso da cannabis", afirma.