Garimpo

No garimpo, merc�rio geralmente � utilizado para separa��o do ouro

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Os garimpos ilegais, que usam merc�rio em excesso para viabilizar a separa��o do ouro dos demais sedimentos, causam a contamina��o dos peixes, a morte dos rios, a remo��o da cobertura vegetal e, consequentemente, a fuga dos animais. Tudo isso � refletido, segundo especialistas, em mis�ria e diversas doen�as que assolam popula��es das regi�es afetadas.

� o que tem ocorrido com os habitantes da Terra Ind�gena Yanomami, que fica entre os estados de Roraima e do Amazonas. A situa��o de calamidade p�blica e descaso que aflige esse povo ganhou destaque mundial no in�cio deste ano ao ser revelada ap�s uma viagem de autoridades do governo federal.


Imagens de mulheres e crian�as em extrema desnutri��o e assoladas por doen�as como mal�ria e tung�ase (conhecida popularmente como 'bicho de p�') ganharam destaque.


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Quando o metilmerc�rio e o vapor do merc�rio entram no corpo, por meio do consumo de peixes contaminados ou respirando o vapor do merc�rio, afeta o funcionamento do sistema nervoso e do c�rebro, segundo especialistas. Efeitos podem incluir fraqueza, dificuldade para estudar, cansa�o, dificuldade para se locomover, problemas na vis�o e na audi��o. Entenda a seguir.

O merc�rio em terras ind�genas

O merc�rio � um metal que faz parte da constitui��o da Terra — um elemento natural encontrado nos rios, solo, �gua e at� no ar.

Seu uso na ind�stria � permitido — e at� nos garimpos de ouro, desde que seja autorizado pela Ag�ncia Nacional de Minera��o (ANM).

 

“Ele � um composto legalizado, regulamentado e monitorado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renov�veis (Ibama) e pelos demais �rg�os competentes”, explica Ana Claudia Santiago de Vasconcellos, doutora em sa�de p�blica e pesquisadora da Escola Polit�cnica de Sa�de Joaquim Ven�ncio, da Funda��o Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).


Em algumas atividades, no entanto, a utiliza��o de quantidades mais elevadas da subst�ncia pode representar problemas. Al�m disso, o merc�rio � utilizado, h� d�cadas, por garimpeiros para extra��o de ouro em terras ind�genas.

“O que estamos vendo nas terras ind�genas Yanomami � ilegal, porque a Constitui��o Federal diz que n�o pode ter garimpo de ouro, com merc�rio ou sem merc�rio, em terra ind�gena e nem em nenhuma unidade de conserva��o ambiental”, diz Vasconcellos, que tamb�m � coordenadora de projetos de pesquisa na �rea da sa�de ind�gena, especialista em exposi��o humana a contaminantes qu�micos e impacto do garimpo de ouro na Amaz�nia.

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Na pr�tica, segundo ela, esses garimpos s�o instalados sem regulamenta��o e n�o existe �rg�o ambiental que monitore ativamente o uso do merc�rio — respons�vel por uma s�rie de impactos sanit�rios, ambientais, socioculturais e econ�micos sobre as comunidades.

Como o merc�rio atinge a popula��o?

No caso da extra��o nos rios da Amaz�nia, por exemplo, o ouro est� no ambiente em forma de part�culas muito pequenas. O merc�rio met�lico, nesse caso, � usado para uni-las, formando um am�lgama (liga met�lica) com o ouro, viabilizando a sua separa��o de outros componentes. Mas, para que isso ocorra, h� uma altera��o qu�mica.

 

Quando o merc�rio atinge os rios, ele se transforma em metilmerc�rio, um contaminante altamente t�xico, cujos poluentes acabam disseminados em altas quantidades, que se espalham rapidamente atrav�s da correnteza.

No garimpo ilegal, o merc�rio tamb�m contamina a atmosfera, j� que para separar o ouro, � comum que o am�lgama seja queimado sem utilizar um sistema de controle ambiental. Com o calor, o metal se torna vapor e se alastra pelo ar. Por isso, o merc�rio � um poluente global.


Todas essas atividades que utilizam o merc�rio como subproduto se transformam em um perigo para os seres vivos, principalmente para os peixes, que incorporam essa subst�ncia t�xica e transmitem aos humanos, como j� apontaram alguns estudos.

 

ouro achado em garimpo

O chamado merc�rio met�lico usado nos garimpos ilegais, em contato com a �gua, por exemplo, passa por transforma��es qu�micas e se transforma em metilmerc�rio, uma subst�ncia altamente t�xica

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Muitos animais selvagens tamb�m fogem da regi�o para escapar da atividade garimpeira. Outros morrem ou s�o ca�ados pelos garimpeiros, deixando a popula��o ind�gena sem ter o que colocar na mesa.

Para se ter ideia do problema, um estudo realizado pela Fiocruz, em 2019, na popula��o ind�gena Yanomami, constatou a presen�a de merc�rio em 56% das mulheres e crian�as da regi�o de Maturac�, no Amazonas.


As 272 amostras de cabelo analisadas superaram o limite de 2 microgramas de merc�rio por grama de cabelo tolerado pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS).


Outro trabalho coordenado pela Fiocruz em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), tamb�m realizado na reserva Yanomami (RR), mostrou que, em algumas aldeias ind�genas, 92% das pessoas estavam contaminadas por merc�rio.


O �ndice, considerado alt�ssimo por especialistas, � resultado direto da contamina��o ambiental causada por milhares de garimpos ilegais que exploram o solo � procura de ouro naquela regi�o, utilizando como base o merc�rio. Outros povos tamb�m s�o afetados, segundo os especialistas.


A Fiocruz fez uma nova pesquisa no �ltimo trimestre de 2022 a ser publicada em mar�o, e os resultados apontam que, na regi�o onde vive um subgrupo dos Yanomami o problema continua: rios comprometidos com o excesso de merc�rio, �guas altamente turvas e baixa disponibilidade de peixe, alimento essencial para o povo.


Ap�s v�rios alertas feitos ao governo brasileiro sobre a grave situa��o humanit�ria enfrentada pelos ind�genas yanomami que vivem em comunidades no norte do Brasil, "as medidas tomadas foram claramente insuficientes", segundo o
representante na Am�rica do Sul do Escrit�rio do Alto Comissariado das Na��es Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Jan Jarab.

Quais os riscos do merc�rio para a sa�de?

As ag�ncias de sa�de divergem um pouco em rela��o � recomenda��o de doses mercuriais consideradas “aceit�veis” para n�o provocar riscos para a sa�de. A EPA, ag�ncia de prote��o ambiental norte-americana, por exemplo, preconiza uma dose m�xima de ingest�o de 0,1 micrograma de merc�rio por quilo corporal/dia.


J� a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) indica que o limite de ingest�o de alimentos que tenham esse componente � de no m�ximo 0,23 micrograma por peso corporal/dia, para mulheres e crian�as, e 0,45 para homens adultos. “Os povos da Amaz�nia ingerem dez vezes mais que esse limite”, afirma Vasconcellos, da Fiocruz. 

Em geral, quando ocorre a ingest�o considerada excessiva do metal, os riscos para a sa�de s�o v�rios. “O metilmerc�rio tem um alvo espec�fico, que � o sistema nervoso central. Ent�o, quando a gente come um peixe contaminado, o merc�rio � absorvido, cai na corrente sangu�nea e chega at� o c�rebro, onde pode prejudicar a audi��o, coordena��o motora, intelig�ncia, al�m de causar o desenvolvimento de problemas como depress�o e ins�nia”, alerta Vasconcellos.

Segundo os especialistas, essas les�es no c�rebro causadas pela contamina��o s�o irrevers�veis. No entanto, quando um adulto � exposto ao metilmerc�rio, os danos costumam ser menores e mais espa�ados. Isso significa que, em um c�rebro adulto, os sintomas podem ser mais sutis ao longo da vida.

Gr�vidas e beb�s

O excesso desse composto no corpo tamb�m pode gerar problemas card�acos e � extremamente perigoso para gestantes, j� que al�m de ela mesma ser contaminada, o feto tamb�m � atingido.

“E ele � muito mais vulner�vel aos efeitos do metilmerc�rio do que o c�rebro adulto. Por isso, acredita-se que algumas crian�as nas�am com graves problemas cognitivos”, diz a pesquisadora.


homem separa ouro de vasilha em farimpo

� proibido a extra��o de ouro em terras ind�genas e em reservas ambientais, portanto, nesses casos, toda forma de garimpo � ilegal

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“S�o crian�as que t�m dificuldade de aprendizado, demoram para aprender a falar, sentar”, destaca a coordenadora de projetos de pesquisa na �rea da sa�de ind�gena, dizendo que j� foram feitas den�ncias de crian�as que est�o nascendo com paralisia cerebral em algumas regi�es da Amaz�nia, justamente pela exposi��o ao metilmerc�rio.

“Isso � uma suspeita forte, mas a gente n�o tem certeza absoluta. O fato � que a paralisia cerebral tem aumentado no mesmo ritmo que as expans�es de garimpos ilegais”. “Pessoas que vivem na Amaz�nia s�o expostas cronicamente a baixas doses de merc�rio, mas, diariamente, por toda a vida. � diferente de uma exposi��o aguda, por exemplo, que atinge o trabalhador de uma f�brica”, esclarece a pesquisadora da Fiocruz.

Como diminuir a contamina��o por merc�rio?

Vasconcellos diz que “a solu��o � acabar com a atividade garimpeira, principalmente, em terras ind�genas e em unidades de conserva��o”.

A estimativa � de que demore 100 anos para que o metal disseminado no meio ambiente seja eliminado, levando em conta que s�o poluentes de alta persist�ncia.

Existe a possibilidade de garimpeiros, assim como grandes mineradores, usarem cianeto, em vez de merc�rio, mas ele tamb�m � nocivo � sa�de. E a forma do ouro explorado pelas empresas legalizadas � diferente dos garimpos legais e ilegais.


Para Zuleica Castilhos, doutora em geoqu�mica ambiental, p�s-doutora em sa�de p�blica pela Fiocruz, pesquisadora do Centro de Tecnologia Mineral, do Minist�rio de Ci�ncia Tecnologia e Inova��o (CETEM/MCTI), um garimpo “limpo” vai muito al�m da substitui��o do merc�rio nos processos.


“Um garimpo, para ser chamado de limpo, precisa observar muitas outras coisas, como o respeito aos direitos humanos, direitos trabalhistas, a quest�o de g�nero. E estamos longe de chegar l�, mesmo na legalidade, quem dir� na ilegalidade”, opina a especialista, que tamb�m � l�der do grupo de pesquisas "Avalia��o Ecossist�mica de Riscos Ambiental e � Sa�de Humana em Territ�rios com Minera��o", al�m de respons�vel pelo Laborat�rio de Especia��o de Merc�rio Ambiental.

Mesmo assim, segundo Castilhos, seria poss�vel melhorar os garimpos em termos de tecnologia que substituiriam o merc�rio.

“Mas, nesse caso, n�o estamos falando de um garimpo adequado, mas sim de uma substitui��o, esquecendo todos os outros aspectos”, comenta a especialista, que coordenou, em 2018, a pesquisa "Invent�rio Nacional de Emiss�es e Libera��es de Merc�rio no �mbito da Minera��o Artesanal e de Pequena Escala de Ouro no Brasil", cujo objetivo geral foi estimar os quantitativos de merc�rio emitidos para a atmosfera e liberados para solos e �guas pela atividade de minera��o artesanal e de pequena escala de ouro.


homem faz garimpo

Especialistas defendem que a culpa da trag�dia que assola o povo Yanomami, entre outros, n�o � do garimpeiro trabalhador, mas, sim, dos grandes empres�rios que est�o por tr�s do com�rcio de ouro obtido atrav�s dos garimpos ilegais

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A pesquisadora acredita que, no Brasil, n�o h� hoje no garimpo uma subst�ncia que substitua o merc�rio em termos de facilidade, agilidade e, principalmente, custo-benef�cio. Segundo ela, em v�rios pa�ses, incluindo o Brasil, est�o sendo feitas pesquisas com vegetais, mas o processo ainda est� em fase experimental.


Alguns garimpos trabalham de forma legalizada, fora das terras ind�genas, e tentam aprimorar o uso do merc�rio, mas, segundo a pesquisadora, em muitos casos falta treinamento adequado de profissionais.


“E, muitas vezes, nem as pessoas sabem que aqueles teores est�o aumentados. Quando fomos a campo e fizemos esses levantamentos em tempo real, ficamos admiradas com os valores altos do merc�rio na atmosfera, e as pessoas at� estavam utilizando equipamentos de prote��o ambiental, mas n�o adianta, se [os processos] n�o forem bem-feitos”, argumenta Castilhos.

Um dos obst�culos encontrados para resolver o problema � a subnotifica��o dos casos de intoxica��o por merc�rio, segundo os especialistas, que defendem como prioridade um sistema eficaz de notifica��o de intoxica��o.


“Esses dados deveriam ser incorporados a um sistema de informa��o. Mas isso n�o acontece, e � ruim, porque tira a visibilidade do problema. Imagina se os casos de covid n�o fossem notificados. Ser� que ter�amos vacina?”, questiona Vasconcellos.

Para a especialista, � preciso que seja elaborada uma pol�tica p�blica eficaz, cuja solu��o est� longe de ser imediata.