Pais donos de casa est�o se tornando mais comuns, mas ainda existe um estigma associado � decis�o
"Mas acho que nunca diria isso a ningu�m ou me apresentaria dessa maneira", acrescenta. "Sinto a necessidade de explicar a voc� que n�o estou apenas dobrando roupas, preparando o jantar e fazendo compras de supermercado. Tenho outras coisas para fazer."
Essa autocr�tica persiste apesar de Lange saber o qu�o ben�fica foi esta decis�o: ele estabeleceu um relacionamento mais pr�ximo com o filho adolescente; est� por perto para ajudar com o novo neto; e o arranjo permitiu que sua esposa fizesse um mestrado.
Pais que ficam em casa como Lange est�o se tornando mais comuns. Nos Estados Unidos, por exemplo, o n�mero quase dobrou de 1989 a 2012.
Mas eles ainda s�o relativamente incomuns. Das fam�lias americanas com pais casados %u200B%u200Bcom o sexo oposto, 5,6% possuem m�es que trabalham fora e pais que n�o, em compara��o com 28,6% com pais que trabalham fora, e m�es que n�o.
Vale a pena observar que essas estat�sticas incluem pessoas que est�o desempregadas, mas podem estar procurando emprego, ent�o n�o � uma estimativa perfeita.
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Na Uni�o Europeia, � ainda mais raro: cerca de um em cada 100 homens interrompe sua carreira por pelo menos seis meses para cuidar dos filhos, em compara��o com uma em cada tr�s mulheres.
Essa relativa raridade significa que os homens que fazem essa escolha podem se sentir um estranho no ninho— e, �s vezes, ser duramente julgados.
Mesmo em culturas em que se espera que os pais se envolvam mais do que no passado, ainda existe a expectativa de que sejam os provedores da fam�lia — e s�o frequentemente estereotipados como menos afetuosos ou menos aptos para as tarefas dom�sticas do que as m�es.
Tudo isso significa que, para pais como Lange, ficar em casa cuidando das crian�as pode parecer estranho e gerar um certo ostracismo — mesmo que eles estejam satisfeitos com a escolha.

Na Europa, apenas um em cada 100 homens faz uma pausa na carreira para cuidar dos filhos
Getty Images'Sinto que, �s vezes, estou sendo observado'
Em pa�ses como os EUA e a Austr�lia, espera-se que o pai ideal esteja mais envolvido no dia a dia dos filhos do que no passado, afirma Brendan Churchill, professor de sociologia na Universidade de Melbourne, na Austr�lia, que estuda paternidade.
Mesmo assim, "o modelo de chefe de fam�lia perdura. � refor�ado diariamente em nossa cultura. Pense nas propagandas na televis�o ou no jornal que refor�am o n�cleo familiar de quatro pessoas", diz ele.
"Tamb�m persiste em nossas estruturas de pol�tica social, embora tenha havido muitas mudan�as — nosso ponto de refer�ncia ainda � aquela fam�lia de quatro pessoas com um homem como provedor."
A licen�a-maternidade, por exemplo, continua sendo muito mais generosa na maioria dos pa�ses do que a licen�a-paternidade.
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Essa cren�a cultural de que os homens devem "proteger e prover" pode plantar uma narrativa insidiosa na cabe�a dos pais que s�o donos de casa, mesmo daqueles que sentem que est�o mais aptos a contribuir com suas fam�lias no papel de cuidador principal.
"No ensino m�dio, nunca me imaginei indo para a faculdade e tendo uma carreira chique. Sempre fiquei muito animado em ser pai", conta Spencer Bouwhuis, de 25 anos, que mora em Utah, nos EUA.
"Sempre sonhei em ser um pai dono de casa."
Mas ao crescer, ele nunca se sentiu confort�vel em compartilhar isso com ningu�m. O modelo tradicional no qual ele foi criado em sua comunidade – ele � membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos �ltimos Dias – normalmente enfatizava que os pais deveriam sustentar suas fam�lias, enquanto as m�es deveriam cuidar da casa.
Quando perguntavam a ele o que queria ser quando crescer, ele dizia que n�o tinha certeza. "Simplesmente n�o achava que haveria uma rea��o positiva" se dissesse a verdade, afirma.
Bouwhuis trabalha sazonalmente, construindo deques. Em 2021, com a chegada do inverno, ele e a esposa decidiram que ele ficaria em casa por alguns meses para cuidar dos filhos de seis meses e dois anos.
Apesar de enfrentar os mesmos desafios de qualquer pai dono de casa — ele se lembra particularmente do "burnout" inicial ao tentar manter em dia as refei��es caseiras, a casa limpa, as roupas lavadas e as crian�as cuidadas –, ele conta que "amou" a experi�ncia.
Embora esteja de volta ao mercado de trabalho remunerado, Bouwhuis ainda � o cuidador principal dos filhos pelo menos um ou dois dias por semana.
Para sua fam�lia, essa divis�o de trabalho faz sentido. Ele afirma que a esposa tende a ter "mais vontade de trabalhar fora".
Mesmo assim, ele �s vezes se v� lutando contra as mensagens que cresceu ouvindo. "Sinto que deveria ser o provedor e deveria trabalhar fora [em tempo integral]."
Em Chicago, Eric Taylor, de 43 anos, fica em casa para cuidar da filha de dois anos. Como estudante de doutorado em psicologia cl�nica, ele tem um esquema flex�vel de trabalho remoto, enquanto sua mulher trabalha fora em dois empregos.
Apesar de sua abordagem equitativa de g�nero e paternidade — um dos principais objetivos de sua carreira � empoderar os pais a se sentirem t�o envolvidos e valorizados quanto as m�es —, ele tamb�m se questiona sobre seu papel.
"Sinto que, �s vezes, estou sendo observado, como quando estou lavando a lou�a, por algum tipo de grupo hier�rquico de supervis�o masculina em algum lugar que est� me observando, me regulando e dizendo: 'Por que voc� lava tanto a lou�a?'", diz ele.
Embora Taylor contribua financeiramente para o or�amento da fam�lia, �s vezes ele se sente culpado por n�o ser o principal provedor. "Luto com a sensa��o de 'n�o estou sustentando minha fam�lia'", afirma.
"Luto internamente com: 'Voc� � aquele cara que s� fica em casa, aquele cara que � sustentado pela mulher enquanto ela trabalha fora e coloca comida na mesa?'"
E se ele n�o estivesse ganhando nenhuma renda, e ele e a esposa decidissem que sua principal contribui��o para a fam�lia seria cuidar da filha? Taylor n�o hesita. "Eu n�o conseguiria lidar com isso. N�o", responde.
'Pai n�o entende dessas coisas direito'
A voz interior contra a qual alguns pais donos de casa lutam � um desafio. Mas h� tamb�m as cr�ticas que v�m do mundo exterior.
N�o h� evid�ncias concretas de que os homens estejam menos preparados para o papel de cuidador do que as mulheres.
E pesquisas recentes mostram que os pais, assim como as m�es, se deparam com mudan�as transformadoras em seus horm�nios e redes neurais quando ingressam na maternidade/paternidade —mudan�as que parecem ajud�-los a se tornarem mais afetuosos e emp�ticos.
"As mulheres n�o s�o mais m�es naturais do que os homens s�o pais naturais —isso envolve uma curva de aprendizado, mas o que faz parecer 'natural' � que se espera que as mulheres fa�am isso", diz Churchill.
Ainda assim, alguns homens e mulheres continuam a acreditar que os pais n�o devem ser cuidadores em tempo integral.
Em Malta, Manrico Bugeja, de 36 anos, deixou o emprego de professor de franc�s h� seis anos para ficar em casa cuidando dos filhos, hoje com quatro e seis anos.
Ele e a mulher queriam que os filhos ficassem com um dos pais, em vez de ir para a creche — e sua esposa, que � contadora, ganhava o sal�rio mais alto.
A decis�o parecia simples. Mas n�o para todo mundo.
Ele ouvia as pessoas insinuando que ele seria pregui�oso, dizendo coisas como: "N�o sei como os homens fazem isso, deixar suas esposas trabalharem".
Outros tipos de estere�tipos, embora aparentemente mais inofensivos, podem ser ainda mais perniciosos. Um exemplo com o qual muitos pais se identificam � ser questionado por estranhos ou conhecidos se eles est�o de "bab�" dos filhos, quando est�o no parquinho ou no supermercado, por exemplo. "Se voc� est� tentando me deixar chateado, uma das maneiras de fazer isso � me perguntar se estou olhando meu filho", diz Taylor. "Porque n�o, estou cuidando dos meus filhos. Estou fazendo o que devo fazer."
Em Montana, nos EUA, Kyle Rasmussen, de 38 anos, cuida das duas filhas em tempo integral. Ele se lembra de quando preparou muffins para uma delas levar para a escola como lanche.
"Uma das m�es me elogiou muito por eu ter sido capaz de fazer muffins", diz ele. "Acho que sou um pouco capaz, n�."
O estere�tipo do homem como pai "em tempo parcial" (e menos qualificado) tamb�m vem � tona de outras maneiras. Em Londres, Paddy Cameron, de 39, deixou seu emprego de barman para ficar em casa cuidando das filhas de tr�s anos e um ano e meio.
Mesmo seis meses depois, quando ele se esquece de, digamos, levar um casaco quente o suficiente para uma das meninas no parquinho, ele n�o se sente mal apenas por ter esquecido. Ele se sente como se estivesse sendo julgado.
"Eu penso: 'Est�o olhando para mim porque sou o pai, e o pai n�o entende dessas coisas direito'", diz ele. "O que � considerado normal � que o pai n�o est� fazendo o trabalho certo, ou que ele normalmente n�o � o cuidador principal, ent�o ele faz uma certa confus�o. Por isso, quando voc� se confunde, voc� sente como: 'Todo mundo est� olhando para mim porque eu sou o pai'."
Ambas as atitudes — e a ideia de que os homens n�o devem ser pais donos de casa — em geral s�o comuns, segundo Churchill.
"Os pr�prios pais nem sempre se sentem preparados para ser pais em tempo integral — n�o porque n�o queiram, mas porque n�o sentem que t�m o conhecimento ou as habilidades para fazer isso, ou [porque sentem] que a m�e � naturalmente mais adequada para fazer isso", diz ele.Uma percep��o baseada em "ideias arraigadas sobre g�nero e cuidado".
Mas essas cren�as podem ser t�xicas. "A ideia do homem como provedor, e igualmente das mulheres como cuidadoras 'naturais' ou 'maternais', prejudica homens e pais, porque os impede de se engajar ou se envolver", afirma Churchill.
"Isso age como um roteiro social, que molda os comportamentos deles, os colocando meio em que uma posi��o de recuo."
Se os pais s�o menos propensos a assar muffins, em outras palavras, � porque, como sociedade, n�o esperamos que eles fa�am isso.
Onde est�o os grupos de pais?
Esses estere�tipos — junto � relativa raridade de cuidadores principais do sexo masculino — podem tonar o papel do pai dono de casa n�o apenas dif�cil, como tamb�m solit�rio.
Em Malta, Bugeja n�o conhece nenhum outro pai que fica em casa.
Ele tenta ser soci�vel com as m�es que encontra, mas ap�s seis anos como pai em tempo integral, ele n�o pode dizer que fez amigos de verdade. �s vezes, ele at� se sente rejeitado por ser pai.
Certa vez, um grupo de pais e filhos mudou o dia da reuni�o para o �nico dia da semana em que ele n�o poderia participar — ele suspeita que para deix�-lo de lado.
Em outra ocasi�o, uma m�e perguntou se ele gostaria de tomar um caf� com ela e outra m�e. A segunda m�e pareceu n�o gostar da ideia. "Vi a express�o facial dela mudar e nunca recebi o convite", diz ele. Para Taylor, enquanto isso, levar sua filha para brincar � sin�nimo de se manter em guarda.
Assim como outros pais donos de casa, ele se destaca. N�o s� porque ele � homem, e n�o m�e — mas tamb�m porque � negro.
Mesmo tendo o cuidado, por exemplo, de n�o cumprimentar crian�as que n�o conhece e de deixar claro que est� ali com a pr�pria filha, ele diz que demorou para que os pais que ele encontra com frequ�ncia em lugares como o parquinho local o aceitassem.
"Demorou um pouco at� que eles me cumprimentassem e percebessem que tudo bem, ele est� aqui com a filha, n�o apenas andando pelo parque aleatoriamente", afirma.
Alguns pais tentam explorar redes de pais, seja em seus c�rculos de amizade ou online. Mas os resultados variam.
"Tem sido t�o dif�cil encontrar pais para se conectar. Eu simplesmente sou um entusiasta da paternidade — n�o sei se outros pais est�o nessa onda. Ou se s�o tipo: 'Ah, cara, relaxa'", diz Bouwhuis, que estudou casamento e terapia familiar na universidade. "Ainda n�o tenho amigos pais."
Quando ele entrou para grupos de pais online, no entanto, ficou desapontado ao ver que eram principalmente m�es.
E quando encontrou uma comunidade de pais, eles estavam apenas compartilhando memes, diz ele. "N�o � a conex�o que eu estava procurando."
Em Londres, Cameron e a mulher fizeram um curso de pr�-natal com v�rios outros casais. Ap�s o t�rmino do curso, o grupo de bate-papo das mam�es permaneceu ativo. Mas o grupo de pais n�o.
Ele conta que manteve contato com um dos pais, sobretudo por causa de algo n�o relacionado � paternidade: eles torcem pelo mesmo time de futebol.
"Us�vamos o futebol quase como nossa desculpa", diz ele.
Eles sa�am para tomar cerveja e assistir a jogos. Ao longo do caminho, come�aram a conversar sobre os filhos ou sobre como era dif�cil cri�-los. "Embora digamos que � futebol, talvez n�o seja apenas futebol", avalia.
'Consigo ver meu beb� todos os dias'
Apesar dos desafios, muitos pais donos de casa dizem que n�o gostariam de trocar de papel. "Consigo ver minha beb� todos os dias, quanto eu quiser", diz Taylor
.
"Eu pude v�-la dar seus primeiros passos. Pude v�-la falar suas primeiras palavras... S� sei que se eu estivesse trabalhando todos os dias, ou at� mesmo trabalhando mais todos os dias do que estou agora, eu n�o seria capaz. N�o teria tido essas oportunidades."
H� tamb�m sinais de que os pais que s�o donos de casa podem estar se tornando mais aceitos.
Bugeja chama a aten��o para a troca de fraldas. Quando come�ou a ficar em casa com os filhos, h� seis anos, ele conta que quase sempre s� havia trocador no banheiro feminino. "Houve momentos em que eu simplesmente tive que ir embora", diz ele.
Agora, ele �s vezes v� espa�os de g�nero neutro para trocar fraldas.
Tamb�m � prov�vel que quanto mais as fam�lias dividirem as responsabilidades de acordo com o que funciona melhor para elas, e n�o de acordo com os pap�is de g�nero, mais as gera��es futuras v�o fazer o mesmo.
As pesquisas mostram, por exemplo, que o principal fator decisivo no que se refere a que g�nero realiza mais tarefas dom�sticas em uma fam�lia, � como isso era feito nas casas em que o casal cresceu.
Assim como muitos outros pais donos de casa, Rasmussen espera que sua decis�o sirva como um modelo positivo para as filhas.
"Espero que elas possam encontrar o que melhor se adapte �s suas personalidades para suas vidas, em vez de sentir que precisam se conformar a alguma quest�o espec�fica de g�nero", diz ele.
"Tamb�m espero que, � medida que cres�am, tamb�m encontrem parceiros que estejam dispostos a assumir parte da carga."
Enquanto isso, romper os estere�tipos em torno dos pais que s�o donos de casa n�o � bom apenas para os homens que desempenham esse papel.
� algo que pode fortalecer e ser libertador para todos os pais.
"H� muito mais pais que querem ser pais, que est�o sendo contidos por essas ideias e estere�tipos sociais. E isso n�o permite que eles sejam o pai que desejam ser", diz Taylor. "Apenas seja o pai que voc� quer ser." Mesmo que isso signifique renunciar a estere�tipos para ser dono de casa e pai em tempo integral.
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Worklife.
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