punho em riste de um homem em direção a uma mulher agachada, de costas

A viol�ncia contra mulher � subnotificada nos servi�os p�blicos de sa�de

Tumisu/Pixabay

 

S�O PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A viol�ncia contra mulher � subnotificada nos servi�os p�blicos de sa�de. Enquanto cerca de um quinto (19,5%) dos casos � registrado nos servi�os b�sicos de sa�de, a maioria (80%) s� aparece nos servi�os hospitalares ou pronto-socorros, quando h� agravamento do estado de sa�de. Com a notifica��o tardia, muitas das ocorr�ncias perdem a chamada janela de oportunidade para agir e evitar a hospitaliza��o ou morte daquela mulher.

 

H� ainda um n�mero muito maior de casos que n�o chegam a ser notificados. Esta subnotifica��o pode ser de cerca de 52% at� 94% dos incidentes, quando se consideram os diferentes tipos de viol�ncia submetidos pela mulher, como f�sico, sexual e psicol�gico.

 

Os dados s�o de um estudo in�dito feito pela organiza��o global de sa�de p�blica Vital Strategies, em parceria com a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a ser divulgado nesta quarta (8) em evento especial do Dia da Mulher na Faculdade de Sa�de P�blica da USP, em S�o Paulo. A vers�o final para publica��o ainda est� em processo de conclus�o.

 

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O estudo analisou dados de 2011 a 2021 de tr�s bases de dados diferentes: a PNS (Pesquisa Nacional de Sa�de), que � realizada a cada cinco anos pelo IBGE; a PenSe (Pesquisa Nacional de Sa�de do Escolar); e dados do SIM (Sistema de Mortalidade) e Sinan (Sistema Informa��es de Agravos de Notifica��o) do Minist�rio da Sa�de.

 

Foram analisados cerca de 4 milh�es de �bitos no per�odo de dez anos e mais de 812 mil notifica��es de viol�ncia. Como resultado, a pesquisa encontrou um risco oito vezes maior de morte de uma mulher que sofreu uma agress�o sem que a notifica��o tenha sido realizada. Para morte por causa externa, como por acidente (ou les�o), o mesmo risco encontrado � cerca de 50 vezes maior quando a notifica��o de viol�ncia n�o foi registrada.

 

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Para Deborah Malta, professora da Escola de Enfermagem da UFMG e uma das autoras da pesquisa, os dados mostram uma realidade cruel da viol�ncia contra a mulher: enquanto a notifica��o pr�via de agress�o pode ser um fator protetor, subnotifica��o e a notifica��o tardia levam, muitas vezes, a um aumento do risco de morte nas mulheres.

 

"A pesquisa PNS de 2019 identificou que cerca de 19,4% das mulheres j� sofreram viol�ncia, ou 16 milh�es, mas quando analisamos os registros de notifica��o � muito menor. Ent�o ficou demonstrado que h� uma subnotifica��o, mas n�o sab�amos da dimens�o desta defasagem", explica.

Ela ressalta ainda que os sistemas de notifica��o vinham com um aumento de novas inclus�es at� 2020, primeiro ano da pandemia, mas que nos dois �ltimos anos houve uma redu��o de novos registros.

"O fato de um menor n�mero de notifica��es ter sido feito nos �ltimos dois anos de viol�ncia mostra que os sistemas de vigil�ncia est�o atuando, mas como a mulher sofre a agress�o em grande parte em casa, ela n�o procura o servi�o de sa�de em uma situa��o de vulnerabilidade", diz.

Embora a pesquisa tenha buscado cruzar as bases de dados, Malta lembra que h� desafios para esse tipo de an�lise devido �s lacunas em muitas etapas do preenchimento de notifica��o. "A viol�ncia psicol�gica, que na percep��o das mulheres na PNS foi de cerca de 18,5%, na maioria dos estados o registro no Sinan � de menos de 1%. Isso representa uma dificuldade ainda maior para enfrentar a viol�ncia."


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Em um segundo estudo conduzido pela Vital Strategies, em parceria com a Secretaria Municipal de Sa�de de Goi�nia, a an�lise buscou um detalhamento dos casos de viol�ncia. De forma semelhante ao quadro nacional, houve tamb�m a identifica��o de um problema de subnotifica��o da viol�ncia contra a mulher.

Cerca de 25% dos casos foram notificados, contra 75% sem notifica��o. Daqueles com registro, mais de 80% foram em prontos-socorros ou hospitais. O que chamou aten��o no estudo de Goi�nia foi o tempo mediano desde a notifica��o de viol�ncia e a morte por causa externa (acidente), de 32 dias, sendo que 1 em cada 4 mortes (25%) ocorreu nos primeiros dias ap�s a notifica��o.

"Hoje, no Brasil, para reconstruir a hist�ria de uma mulher v�tima de viol�ncia precisamos da an�lise das bases de dados integradas, mas em muitos casos n�o h� detalhes", afirma Sofia Reinach, gerente s�nior de programas da Vital Strategies.

Um exemplo era um caso de �bito de uma mulher, classificado como "causa ocupante (qualquer) de um ve�culo em um acidente de tr�nsito n�o especificado", mas cuja observa��o no Sinan dizia que a v�tima foi jogada para fora do caminh�o pelo seu companheiro.

Uma maneira de combater essas dificuldades seria a capacita��o de profissionais de sa�de que pudessem indicar sinais de viol�ncia sofrida. "Em muitos casos, aquela mulher v�tima de viol�ncia j� passou por algum atendimento m�dico. Isso precisa estar claro na hora de tra�ar as notifica��es", explica F�tima Marinho, assessora t�cnica s�nior da Vital Strategies.

Entre as mulheres negras, com baixa escolaridade e com algum tipo de defici�ncia ou transtorno, o agravamento da viol�ncia � maior ainda, pois elas est�o sujeitas a maior risco de �bito por causas externas. "� importante entender o impacto que a viol�ncia contra a mulher tem na sa�de, e que ela precisa ser entendida como forma de reduzir a mortalidade feminina. � importante uma atua��o intersetorial, juntando sa�de, seguran�a p�blica, Judici�rio e Legislastivo", complementa Marinho.

Aplicativo ajuda profissionais de sa�de na notifica��o

Como forma de reduzir a subnotifica��o e ajudar os profissionais de sa�de, a UFMG e o Minist�rio da Sa�de lan�aram um aplicativo desenvolvido pela Escola de Enfermagem para uso por esses profissionais.

O aplicativo � gratuito e est� dispon�vel nas plataformas Android e Apple. Chamado de Notiviva, ele traz sugest�es de como fazer a identifica��o dos casos de notifica��o de viol�ncia contra mulher, como registrar tais ocorr�ncias e por qu�.

"Especialmente nos casos de viol�ncia psicol�gica, a descoberta do que aquela mulher sofreu � mais na conversa, na anamnese, do que em um relato que ela vai dar detalhado. A falta muitas vezes de conhecimento dessa viol�ncia sofrida tamb�m s�o uma barreira, e � importante que o profissional de sa�de esteja capacitado a reconhecer esses sinais", explica Malta.

Para Reinach, a capacita��o dos profissionais � fundamental, mas n�o s�. "A conscientiza��o tamb�m ajuda na investiga��o da hist�ria cada vez que temos um registro de viol�ncia contra mulher", completa.