Ricardo Silva, ator da novela Travessia

Theo, interpretado por Ricardo Silva, em Travessia, novela da TV Globo: diagnosticado com "dist�rbio de games" (game disorder)

TV Globo/Divulga��o

Theo passa o tempo todo na frente do computador. Viciado em games, quando � afastado dos jogos demonstra um comportamento extremamente agressivo. Nos cap�tulos de segunda e ter�a-feira, ele acabou incendiando a casa, por acidente, ap�s uma crise de “abstin�ncia”. 

A hist�ria do personagem vivido por Ricardo Silva na novela Travessia est� dando o que falar. Os conflitos com a fam�lia s�o constantes, e os pais, Monteiro e La�s, interpretados por Ailton Gra�a e Indira Nascimento, j� perceberam a gravidade da situa��o. Ele sofre de uma condi��o que agora � considerada uma doen�a de fato e, como o personagem, afeta principalmente crian�as e adolescentes, ainda mais com a import�ncia que hoje tem o universo digital.

A nova Classifica��o Estat�stica Internacional de Doen�as e Problemas Relacionados com a Sa�de, a CID-11, teve mudan�as e passou a incluir o dist�rbio de games como um problema de sa�de mental. O v�cio em jogos eletr�nicos entrou para a lista sob a nomenclatura “Transtorno de Jogos Eletr�nicos” (Gaming disorder), dados os preju�zos f�sicos, psicol�gicos e inter-relacionais causados ao indiv�duo.
 

Larissa Figueiredo Gomes, psic�loga, especialista em terapia cognitivo-comportamental, explica que n�o existe uma causa conhecida ou espec�fica para o v�cio em games, e, sim, uma somat�ria de fatores, como predisposi��o gen�tica e influ�ncias ambientais e culturais.

Alguns trabalhos, ela cita, apontam que pessoas impulsivas, com distor��es do autoconceito, da autoefic�cia e autoaceita��o, com dificuldade de regula��o emocional, s�o mais propensas a desenvolver o v�cio. "O v�cio em games pode levar ao abandono ou afastamento de atividades laborais e educacionais, interfer�ncia nas rela��es familiares e afetivas, isolamento social, al�m de inatividade f�sica, problemas posturais e obesidade", comenta.
 

Ainda assim, � poss�vel que uma pessoa que joga todos os dias n�o seja viciada. "Tecnicamente, n�o h� nada de mal em jogar como lazer. O problema se instala quando a linha t�nue entre prazer e v�cio � cruzada e acarreta preju�zos", pondera Larissa.

No caso espec�fico da adolesc�ncia, � uma �poca de transforma��es biol�gicas intensas, que ocorrem para que o organismo tenha oportunidade de desenvolver novos repert�rios comportamentais, necess�rios para a vida adulta, associados � autonomia, indica a especialista. "Se os est�mulos nessa fase da vida privilegiarem emo��es positivas intensas de curto prazo, como ocorre nos games, esse comportamento passar� a ser emitido com mais frequ�ncia e intensidade, podendo se tornar um v�cio.”

Os games existem h� anos e est�o cada vez mais modernos. Com a alta do mercado nesse setor, continua Larissa, muitos gamers se profissionalizaram e ganham �timos sal�rios, grandes premia��es e, inclusive, se tornaram celebridades. As transmiss�es de campeonatos entraram na programa��o dos importantes canais de televis�o e streamings e at� levam multid�es a casas de shows e est�dios de futebol. "O est�mulo ao consumo � cada vez maior. Al�m disso, o isolamento social imposto pela pandemia aumentou significativamente o n�mero de jovens que jogam de forma excessiva", diz.

foto de videogame

foto de videogame

pixabay


SINAIS 
Os principais sinais de que algo n�o vai bem s�o: jogar mais tempo que o razo�vel, com preju�zo de outras atividades e de intera��o social, problemas no rendimento escolar ou profissional, diminui��o no tempo de sono, aumento dos conflitos familiares e irrita��o no per�odo afastado do jogo (ind�cio de abstin�ncia).

O primeiro passo para o enfrentamento do desequil�brio � reconhecer o problema. "O jogo est� afetando atividades b�sicas, como comer, dormir, socializar ou ir � escola? Se a resposta for sim, ent�o, pode ser um problema e � hora de buscar ajuda de um profissional de sa�de mental. Uma vez diagnosticado que se ultrapassou o limite entre a divers�o e a compuls�o, � preciso come�ar um tratamento adequado", indica Larissa.

Atualmente, a recomenda��o � de uma abordagem interdisciplinar que se fundamenta principalmente na terapia cognitivo-comportamental (TCC), esclarece a psic�loga. Como nesses casos o paciente � fortemente impelido a jogar, investindo cada vez mais tempo nisso, o ideal � que se inicie o tratamento ensinando-o um pouco sobre a psicopatologia de que sofre. "Em seguida, � importante conhecer o hist�rico desse paciente como indiv�duo, bem como os aspectos que o relacionam ao v�cio, com a finalidade de possibilitar interven��es que utilizam t�cnicas de aux�lio, para que o pr�prio paciente v� se libertando do v�cio", ensina.

Segundo Larissa, um diagn�stico n�o � feito para rotular ningu�m, e sim para nortear tratamentos poss�veis. "A classifica��o como doen�a n�o anula o reconhecimento de que videogames podem educar e fornecer formas inestim�veis para a compreens�o de temas s�rios e diversos. Eles podem impactar a ci�ncia do mundo real, desenvolver as habilidades cognitivas, de resolu��o de problemas, o pensamento cr�tico, a empatia e a resili�ncia. N�o pretendemos classificar todos os gamers com algum transtorno e sim alertar a popula��o para essa possibilidade que, infelizmente, tem se mostrado cada vez maior", aponta. "Muitas pessoas enxergam o diagn�stico apenas como r�tulo, como estigma, como problema. Acredito que ter um diagn�stico, feito por profissionais competentes, pode ser a escada para o paciente sair do fundo do po�o", refor�a.

Larissa Gomes, psicóloga

Larissa Gomes, psic�loga: v�cio pode levar a isolamento social

Arquivo pessoal


TRATAMENTO 
O objetivo do diagn�stico, dessa forma, � auxiliar o profissional na condu��o adequada do tratamento, para oferecer o que h� de melhor em termos de evid�ncia cient�fica. "O diagn�stico n�o � mocinho nem vil�o. Tudo depende da forma como ser� utilizado. Se empregado corretamente, pode ser um grande aliado. Tamb�m devemos batalhar para que n�o existam estigmas com outros v�cios diferentes. S�o quest�es de sa�de que carecem de tratamento, n�o de julgamento. Tratar de forma estigmatizada afasta as pessoas do tratamento", reitera.

Segundo a CID-11, cita Larissa, o transtorno do jogo parece ser mais prevalente entre adolescentes e adultos jovens do sexo masculino com idade entre 12 e 20 anos. Os dados dispon�veis sugerem que os adultos t�m taxas de preval�ncia mais baixas. Entre os adolescentes, o transtorno tem sido associado a n�veis elevados de problemas de externaliza��o (por exemplo, comportamento antissocial, controle da raiva) e internaliza��o (como sofrimento emocional e baixa autoestima).

"Adolescentes com dist�rbio de jogo podem estar sob maior risco de insucesso acad�mico, fracasso/abandono escolar e problemas psicossociais e de sono. Embora com menos frequ�ncia diagnosticadas, as meninas que atendem aos requisitos de diagn�stico podem estar em maior risco de desenvolver problemas emocionais ou comportamentais."

Para evitar que as coisas se compliquem, tanto escola, quanto fam�lia, precisam focar na preven��o, orienta Larissa. Com isso, continua a psic�loga, � preciso estimular a psicoeduca��o em rela��o ao transtorno, encorajar um processo de automonitoramento sobre o uso exacerbado da tecnologia, al�m de promover mudan�as comportamentais e ensinar os jovens a lidar com o estresse e adotar outras atividades prazerosas.