Sinaria Desideria colocando o pé no rosto

Sinaria Desideria colocando o p� no rosto

Arquivo pessoal

Desde muito cedo, Sinaria Desideria, de 28 anos, percebeu que era uma crian�a diferente. Ela tinha uma mobilidade fora do comum e fazia coisas que muitas pessoas da sua idade n�o conseguiam.


"Eu era conhecida como a rainha das cambalhotas. Sempre fui aquela que fazia cambalhota para tr�s e era como uma atra��o de circo", diz em entrevista � BBC News Brasil.


Mesmo sendo conhecida por essas habilidades, ela sofria constantemente com luxa��es e tor��es, simplesmente por brincar usando o seu corpo. A jovem tamb�m apresentava uma elasticidade da pele acima do normal.

 

 

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Hematomas tamb�m eram frequentes, mesmo sem sofrer qualquer acidente. Nessa �poca, seus pais n�o entendiam o que podia ocorrer e ficavam intrigados com as manchas roxas que apareciam no corpo da jovem.

 

 


E foi somente em 2020, durante a pandemia, que ela come�ou a investigar o que tinha. Depois de sofrer com crises convulsivas, Sinaria precisou ser entubada e ficar 20 dias no hospital. "Tive oito crises convulsivas seguidas e fiquei inconsciente durante esse tempo", relembra. A jovem tamb�m sofria com paralisa��es nas pernas, dores intensas e fadiga.


Ap�s a interna��o, Sinaria come�ou ir atr�s de v�rios m�dicos para investigar o que tinha e receber um diagn�stico mais preciso.

Descoberta de s�ndrome rara

Desde a sa�da do hospital, ela consultou diversos especialistas. Segundo a jovem, at� sofreu preconceito pela pr�pria classe m�dica. "Nenhum m�dico quer averiguar mais profundamente. Alguns exames n�o s�o feitos ou pedidos. Meio que eles te abandonam, mas eu n�o deisti", conta.


Por causa das dores, ela j� se consultava com ortopedistas e decidiu procurar um reumatologista para ir mais fundo no seu caso. Sinaria tamb�m j� estava pesquisando conte�dos relacionados aos sintomas que sentia e acreditava sofrer com alguma condi��o rara.


Sinaria Desideria com oxigênio

Muitas vezes ela precisa de um aux�lio de um bal�o de oxig�nio para respirar melhor e ter mais independ�ncia

Arquivo pessoal

 

Ao ser avaliada por um profissional da �rea de reumatologia, o m�dico pediu para que ela colocasse o dedo em v�rios lugares e fizesse diversos movimentos. Ela foi encaminhada para um segundo especialista que era da �rea. "Fiz uma vaquinha, pois a avalia��o � muito cara. Ao chegar l�, a m�dica bateu o olho em mim e falou o que eu tinha", conta.

 

Sinaria foi diagnosticada com s�ndrome de Ehlers-Danlos, uma condi��o gen�tica heredit�ria que faz parte de um grupo de dist�rbios que afetam os tecidos conjuntivos que sustentam a pele, os ossos, os vasos sangu�neos e muitos outros �rg�os e tecidos.


"Ela disse que existe um padr�o do rosto, um rosto mais angelical, fininho e que tem uma simetria. A m�dica fez ainda testes para ver se eu tinha hipermobilidade sensibilizada e perguntou tamb�m sobre dores do crescimento, dor no t�rax e se demorei para engatinhar. Ali ela fechou meu diagn�stico", relembra.


 Sinaria Desideria deitada com o pé ao lado do rosto

'Eu era conhecida como a rainha das cambalhotas', relembra a jovem

Arquivo pessoal

Ela afirma que depois da descoberta da doen�a come�ou a relembrar os sintomas da inf�ncia, j� que desde essa �poca tinha dores, alergias alimentares e problemas na pele. "Tive uma dermatite at�pica severa. Meus bra�os e pernas ficaram em carne viva. Ent�o sempre tratei muito a alergia e todo sintoma de alergia, asma e bronquite, que acabou que a s�ndrome ficou um pouco de lado", diz.

Ela ainda ressalta que os m�dicos foram negligentes com os sintomas e poderiam ter prestado uma melhor assist�ncia. "Quando eu era pequena nunca pensaram que eu podia ser uma paciente rara. Tinha pediatra que eu ia todo m�s e eles n�o tinham conhecimento e informa��o suficiente. J� adulta, quando tive alta do hospital, os m�dicos falaram que eu n�o tinha nada", afirma.

Muitas luxa��es ao longo da vida

Devido � s�ndrome, Sinaria n�o podia fazer atividades simples do dia a dia como andar de patins, bicicleta e outras atividades.

Por causa da doen�a era muito normal sofrer com luxa��es e tor��es em diversos membros do corpo. "J� quebrei o c�ccix duas vezes. Luxei andando de patins em uma queda boba. Luxei o joelho duas vezes, o tornozelo. O dedo j� luxei v�rias vezes", diz.

Ela tamb�m sofria com v�rias tor��es e sempre estava com a ajuda de uma tip�ia ou alguma tala. "Eu sempre estava indo em algum m�dico. Eu tamb�m tinha v�rios hematomas. Mas eram muitos, muito tensos. Ficavam enormes, coisas que meus pais se assustaram e pensavam 'como ela bate o t�rax e fica assim?'. Mas n�o � porque eu batia em algum lugar, � que os vasos de quem sofre com a s�ndrome se rompem com facilidade", conta.


Sinaria deitada sobre as pernas flexionadas

Ela sofria constantemente com luxa��es e tor��es, simplesmente por brincar usando o seu corpo

Arquivo pessoal

Vida social conturbada

Desde a adolesc�ncia, a jovem diz que sofria com sinais causados pela s�ndrome de Ehlers-Danlos, mesmo sem receber o diagn�stico.

"O mais dif�cil � saber que voc� n�o � igual a outras mulheres. Eu reparei isso desde a inf�ncia. As pessoas com a s�ndrome se d�o mal. Na inf�ncia era �timo, mas depois comecei a ter problemas", relembra.

Na adolesc�ncia, ela come�ou a sofrer com depress�o, ansiedade e muita fadiga. Segundo a jovem, sempre existia uma dor no corpo diferente e muita confus�o na mente.


Sinaria Desideria maquiada

Sinaria acredita que os m�dicos foram negligentes com os sintomas e poderiam ter prestado uma assist�ncia melhor

Arquivo pessoal

Ela sofria com "nevoeiro mental", que faz com que as ideias e pensamentos fiquem um pouco bagun�ados, al�m de alguns lapsos de mem�ria. "Meu cognitivo trabalha de outra forma. Eu sempre ficava fora dos grupinhos por n�o entender met�foras e tinha uma hipersensibilidade ao barulho. Minha hipersensibilidade auditiva era t�o grande que n�o conseguia sair na rua sozinha", diz.

J� adulta, por causa da constante fadiga que sente em seu corpo, muitas vezes precisa de um aux�lio de um bal�o de oxig�nio para respirar melhor e ter mais independ�ncia. Em sa�das mais longas, tamb�m j� utilizou cadeira de rodas para auxiliar na sua locomo��o.

Ela conta que sofria muito com a parte social e, desde ent�o, apresentou pioras. Ao tentar cursar psicologia, teve que parar no terceiro ano de curso, pois a ida � universidade n�o fazia bem. Os sons do ambiente a deixavam abalada e com muitas crises. "Tive uma crise sensorial muito grande. As pessoas me encostando, cheiro de comida, de l�pis. Eu sinto um colapso muito intenso", conta.


Sinaria deitada com pernas elevadas

Sinaria desistiu do curso de psicologia

Arquivo Pessoal

Por causa disso, ela conversou com a respons�vel pela gradua��o, que a orientou a procurar um especialista para investigar se ela n�o sofria de algum transtorno. Sinaria n�o sabia, mas receberia o diagn�stico do transtorno do espectro autista. Ela mudou a gradua��o de psicologia para pedagogia e come�ou a fazer aulas online.

Autismo e sonhos

Demorou mais de duas d�cadas para que Sinaria recebesse o diagn�stico de autismo, quando tinha 24 anos.

"Tudo isso limitou minha vida. Fui diagnosticada com autismo de n�vel moderado. Eu realmente n�o conseguia fazer nada por causa da minha ansiedade. Hoje vou em uma m�dica especialista em autismo", destaca.

Depois de iniciar as aulas de pedagogia de forma online, conseguiu fazer est�gios presenciais e teve contato, justamente, com autistas de n�vel severos. "Eu me via muito neles. Me identificava com eles", relata.

Por causa do transtorno e da s�ndrome, sua rotina � um pouco limitada e coisas que seriam normais, muitas vezes, se tornam mais dif�ceis de fazer sozinha. Um dos seus maiores desejos de anivers�rio era ter um patinete, mas que foi negado devido aos riscos que poderia sofrer. Sair para um bar com os amigos tamb�m � complicado devido ao barulho da rua e outros meios externos.

Ela tamb�m tem o sonho de viajar pelo mundo sem limita��es e, aos poucos, ter uma vida normal.

O meu sonho sempre foi explorar novos lugares. Tudo que est� relacionado ao movimento me faz muito bem. O movimento do patinete me faz chegar em lugares. Tudo isso desbravar novos lugares me deixa feliz. N�o poder fazer muito dessas coisas me frustra bastante. Eu acredito com certeza que eu ainda vou realizar”, conclui.

O que � s�ndrome de Ehlers-Danlos?

A s�ndrome de Ehlers-Danlos � uma doen�a gen�tica heredit�ria que ocorre devido a muta��es de genes envolvidos na produ��o e s�ntese do col�geno em nosso corpo.

Essa condi��o faz parte de um grupo de dist�rbios que afetam os tecidos conjuntivos que sustentam a pele, os ossos, os vasos sangu�neos e muitos outros �rg�os e tecidos do nosso corpo. H� v�rias formas da s�ndrome de Ehlers-Danlos e com 13 tipos diferentes. Cada um apresenta problemas espec�ficos.

"Uma das grandes caracter�sticas das pessoas com a s�ndrome � a grande flexibilidade e extensibilidade da pele. Isso significa que sua pele pode se esticar al�m do natural e seu corpo � muito flex�vel", explica Roberto Hirochi Herai, doutor em Gen�tica e Biologia Molecular e p�s-doutor em Gen�tica de Microorganismos, professor da Escola de Medicina e Ci�ncias da Vida da Pontif�cia Universidade Cat�lica do Paran� (PUCPR).


Demonstrando hipermobilidade nos dedos das mãos

Desde pequena, Sinaria tem uma hipermobilidade fora do comum

Arquivo pessoal

Esses sinais podem ter como consequ�ncias luxa��es, que s�o deslocamentos das articula��es ou subluxa��es, assim como o surgimento de quel�ides e h�rnias. Existe tamb�m uma falta de elasticidade da pele e uma das consequ�ncias � a atrofia desse �rg�o.

Considerada rara, ainda n�o h� o n�mero exato de quantas pessoas sofrem com a condi��o no Brasil, mas no mundo estima-se que 1 em cada 5 mil pessoas tenha a doen�a. "� uma doen�a de dif�cil diagn�stico, justamente porque existem v�rios tipos diferentes", diz Larissa Hermann, coordenadora da Resid�ncia de Cl�nica M�dica do Hospital Universit�rio Cajuru, em Curitiba (PR).

Segundo os especialistas, ocorre numa frequ�ncia de aproximadamente 75% para meninas e 25% para meninos. "A preval�ncia � maior em mulheres do que em homens", destaca Salmo Raskin, m�dico especialista em pediatria e gen�tica e diretor do Laboratorio Genetika, em Curitiba.

Diagn�stico e tratamento

O diagn�stico inicial da s�ndrome de Ehlers-Danlos � predominantemente cl�nico, mas deve ser confirmado por exames gen�ticos que detectam a maioria dos subtipos da doen�a.

A bi�psia da pele pode ajudar no diagn�stico dos tipos cl�ssicos, que s�o hipermobilidade vascular. “ � fundamental consultar um m�dico especialista, pois h� casos de pessoas com a s�ndrome e que tamb�m possuem transtornos do espectro autista, o que tamb�m dificulta bastante o diagn�stico da s�ndrome de Ehlers-Danlos”, ressalta Herai.

Assim como ocorreu com Sinaria, as complica��es da s�ndrome podem levar a quadros depressivos e de ansiedade nos pacientes. “O apoio psicol�gico pode ser importante, assim como o uso de analg�sicos tamb�m”, diz Raskin.

Ainda n�o � poss�vel falar em cura para a doen�a, mas o tratamento � multifatorial. Deve-se fazer fisioterapia e exerc�cios para fortalecimento muscular, em especial nata��o e hidrogin�stica, que s�o exerc�cios de baixo impacto. Al�m de um acompanhamento com m�dico especialista que auxilia e orienta na redu��o de les�es.