Pai e filha

Pai e filha

Arquivo pessoal

Por Marcelo Aro 

H� 90 anos, a pediatra holandesa Corn�lia de Lange descrevia as caracter�sticas de uma s�ndrome rar�ssima, que posteriormente levaria o nome dela. Retardo mental, hipertrofia dos c�lios, sobrancelhas unidas, m�os e p�s pequenos, polegares em posi��o proximal, foram algumas das observa��es que a m�dica fez em uns poucos casos que examinou. Conclus�o: diante de tantos problemas, a morte era inevit�vel em um curto espa�o de tempo.

H� 10 anos, nascia a Maria, minha filha, com todas as caracter�sticas que Corn�lia de Lange descrevera no in�cio dos anos 1930. Eu, ent�o um jovem com 20 e poucos anos, desconhecia por completo aquelas duas situa��es - a de ser pai e a de ver um filho � beira da morte. Depois de dias e dias de UTI e um desengano completo dos melhores m�dicos que eu podia ter acesso, veio o diagn�stico: "� Corn�lia. Infelizmente, n�o viver� muito.", disse um deles. "Muito quanto?", perguntei. "Talvez dias, quem sabe semanas", disse um dos mais otimistas. 

Naquele momento, acho que fiz o que todo pai faria. Primeiro, questionar a Deus os porqu�s da situa��o. Depois, ir para a internet, tentar entender minimamente o que estava acontecendo. Errei nas duas situa��es. Mas os m�dicos tamb�m se equivocaram e, gra�as a um milagre de Deus, Maria Vive! Completar� 11 anos em julho e � a maior b�n��o que j� recebi. � bem verdade que a vida dela � mais dif�cil do que a dos meus outros tr�s filhos, s�o dias e dias de fisioterapia, fono, exames, interna��es e tantos outros cuidados m�dicos que a doen�a requer.
 

Quem j� ouviu meus discursos, sabe que n�o sei falar de nenhum assunto sem citar a Mariazinha. Se falo de Direito, Maria � exemplo de luta. Se falo de pol�tica, ela � exemplo de trabalho. Se o assunto � Doen�as Raras, Maria � inspira��o. Maria se tornou s�mbolo de visibilidade para uma causa relegada, muitas vezes esquecida pelo poder p�blico. Poder esse que fa�o parte h� mais de uma d�cada, e antes que algu�m confunda as coisas, n�o entrei na vida p�blica por causa da Maria, mas talvez, tenha permanecido, em grande parte, por ela.
 
Na minha trajet�ria, apresentei projetos de lei, realizei dezenas de eventos (como o Congresso Internacional de Corn�lia de Lange) e participei de um infinito n�mero de atividades sobre doen�as raras. J� ouvi incont�veis vezes, pelos pragm�ticos de plant�o, o bochicho de que "isso n�o d� voto" ou "isso � pra ganhar voto". Ora, Corn�lia, Raros, Maria n�o s�o uma causa pol�tica, s�o uma causa de vida. At� meu �ltimo dia, serei a voz daqueles que s�o literalmente marginalizados por uma sociedade preconceituosa e uma pol�tica de sa�de p�blica incapaz de enxergar casos que n�o s�o muito midi�ticos ou que acometem poucos cidad�os. 

Neste 13 de maio, data em que se comemora a luta pelas pessoas com a S�ndrome Corn�lia de Lange (CdLS), sinto que ainda temos muito o que fazer. O diagn�stico precoce e o acompanhamento dos pacientes ainda n�o � uma realidade para os brasileiros. Sequer temos n�meros confi�veis e consolidados para gerir pol�ticas de aten��o especializada. A sensa��o de ser uma luta ingl�ria, solit�ria, �s vezes bate � porta. Em 100% das vezes, que meu �nimo entra em colapso, aparece uma fam�lia precisando de tudo aquilo que precisei l� em 2012. E isso � o combust�vel que preciso para seguir.

E a gente caminha de diversas formas, em v�rias frentes... Uma delas � na Casa de Maria, o primeiro centro de acolhimento a pessoas com doen�as raras do Brasil, idealizado por mim, em 2019, e hoje com unidades em Belo Horizonte e Contagem. Atualmente, conseguimos oferecer diversas atividades para pessoas com CdLS ou qualquer diagn�stico ou sintoma de doen�as raras. Recebemos pacientes de todo o Brasil, sem custos, para oferecer uma melhora, um avan�o pequeno que seja, na vida deles. Mais do que procedimentos fisioter�picos, psicol�gicos e psicomotores, oferecemos abra�os, carinho, acolhimento e compreens�o.

Meu sonho de vida � que nenhum pai e nenhuma m�e passe por tudo aquilo que passei. Que os diagn�sticos sejam mais �geis e eficazes. Que o acompanhamento seja mais eficiente. E que ningu�m, nunca mais, precise ter sua f� abalada, quando receber uma Maria de presente. Maria Vive. Viver� muito! Viva a luta da CdLS!

MARCELO ARO foi deputado federal e � jornalista, advogado, mestre em direito constitucional e secret�rio-chefe da Casa Civil. Fundador da Casa de Maria, o primeiro centro de acolhimento a pessoas com doen�as raras no Brasil.