Pessoas de m�os dadas
Uma jovem m�e escuta de pessoas da sua comunidade que o leite materno � fraco e come�a a usar f�rmulas e engrossantes na alimenta��o do seu beb�, a despeito da insist�ncia do pediatra no aleitamento materno exclusivo. Uma adolescente que inicia sua vida sexual sabe da import�ncia do uso de preservativos para prevenir doen�as e gesta��o indesejadas, mas n�o consegue dialogar com o namorado que prefere n�o usar, alegando ser confi�vel. Um jovem ciclista morre por um traumatismo craniano, morte que teria sido evitada pelo uso do capacete. Um senhor aposentado acaba de ficar cego por um diabetes negligenciado por anos. Um casal de jovens pais leva rotineiramente o filho ao pronto socorro nas primeiras horas de febre, pois "vai que � algo grave".
Segundo as especialistas, � comum reduzir o letramento em sa�de a conhecimento em sa�de, por�m trata-se de uma simplifica��o grosseira. A� vale a tr�ade, apontam Raquel e Helo�sa Helena: conhecimento, habilidades e atitudes. Em outras palavras: n�o basta saber que gorduras saturadas s�o nocivas � sa�de (conhecimento) se n�o se souber ler um r�tulo de informa��es nutricionais nos alimentos (habilidades) e se n�o optar por alimentos com menores n�veis dessas gorduras no supermercado (atitudes). "Conhecimento n�o determina obrigatoriamente comportamento, caso contr�rio n�o ter�amos m�dicos tabagistas, nutricionistas com maus h�bitos alimentares e educadores f�sicos sedent�rios", comparam.
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Elas ressaltam que pa�ses europeus, Estados Unidos e Austr�lia t�m sido os pioneiros nesse campo. Ferramentas para aferir o grau de letramento em sa�de em diferentes contextos t�m sido desenvolvidas, sendo que as principais j� come�am a ser traduzidas e validadas para o Brasil. "Os dados s�o desanimadores. Compara��es s�o dif�ceis, pela diversidade de testes e contextos, mas grandes estudos t�m mostrado que apenas 12% dos norte-americanos possuem n�veis adequados de letramento em sa�de. Os dados europeus e australianos, apesar de menos graves, ainda s�o preocupantes. O Brasil se encontra muito aqu�m na aferi��o dos n�veis de letramento em sa�de de sua popula��o", informam Raquel e Heloisa Helena.
Segundo a dupla, � prov�vel que boa parte das cerca de 700 mil mortes prematuras que acontecem todo ano no Brasil (dados pr�-pandemia) poderia ser evitada pela melhoria do letramento em sa�de da popula��o. Sem estudos de abrang�ncia nacional, refor�am, torna-se mais desafiador o desenho de estrat�gias efetivas de promo��o em sa�de. E, ao contr�rio do que se presume, continuam, o baixo letramento em sa�de atinge todas as classes sociais e n�veis educacionais, por�m suas consequ�ncias s�o desproporcionalmente piores em popula��es mais vulner�veis.
"Crian�as cujos pais e cuidadores tenham baixo letramento em sa�de n�o apenas t�m sua seguran�a amea�ada, mas tamb�m deixam de receber conhecimentos, e desenvolver atitudes e comportamentos que ser�o fundamentais para a sua sa�de, tanto na preven��o de doen�as, bem como nos cuidados de condi��es agudas e cr�nicas. Como exemplos de efeitos delet�rios do baixo letramento em sa�de de pais e cuidadores, temos o conhecimento e comportamentos inadequados sobre nutri��o, maiores taxas de obesidade e desnutri��o, mais erros de medica��o,maior uso de servi�os de emerg�ncia, entre outros", alertam as profissionais.
O tamanho do preju�zo tamb�m assombra. Nos Estados Unidos, estima-se que entre 7% e 17% de todos os gastos em sa�de decorram do baixo letramento em sa�de da popula��o, o que, anualmente, pode significar um preju�zo de at� 238 bilh�es de d�lares no pa�s. Se a��es n�o forem tomadas para a revers�o desse cen�rio, informam Raquel e Heloisa Helena, estimam-se gastos da ordem de 1,6 a 3,6 trilh�es de d�lares para as futuras gera��es de cidad�os norte-americanos.
"� ineg�vel que a sustentabilidade de sistemas p�blicos e privados de sa�de passa obrigatoriamente pela melhora dos n�veis de letramento em sa�de em todo mundo", refor�am. N�o � toa, a Declara��o de Xangai, fruto da 9ª Confer�ncia Global de Promo��o da Sa�de, promovida pela OMS em 2016, estabeleceu tr�s eixos de a��o para incluir a promo��o da sa�de no desenvolvimento sustent�vel: boa governan�a, cidades saud�veis e letramento em sa�de.
Peri�dicos de impacto na �rea econ�mica, como a revista The Economist, t�m dedicado edi��es especiais exclusivamente para analisar a quest�o. Diversos estudos v�m comprovando que o investimento em letramento em sa�de vale a pena, salientam as especialistas. An�lises de custo-efetividade de diversas estrat�gias de interven��o para melhora do letramento em sa�de na Europa calculam um retorno sobre o investimento de at� 27,4 euros e um retorno social de at� 7,3 euros por euro investidos. Em rela��o aos cuidados de crian�as, estrat�gias de interven��o para melhorar o letramento em sa�de de pais e cuidadores j� foram desenhadas e testadas em outros pa�ses, com resultados significativos como maior sucesso da amamenta��o, bons h�bitos alimentares, melhores n�veis de atividade f�sica, menor uso de servi�os de emerg�ncia, entre outros.
"Por se tratar n�o apenas de conhecimento, mas tamb�m de habilidades e atitudes, a melhor estrat�gia para formar cidad�os letrados em sa�de � iniciar desde a primeira inf�ncia. Contudo, apesar de mais eficiente, os impactos da interven��o iniciados na inf�ncia demorar�o a ser percebidos. � importante intervir tamb�m em adultos e idosos, que sofrem no presente com seu baixo letramento em sa�de", salientam.
Recentemente, foi criado o termo letramento em sa�de institucional. Refere-se ao quanto um sistema de sa�de, suas institui��es e seus agentes realizam a��es que considerem e promovam o letramento em sa�de daqueles de quem cuidam. Por exemplo, profissionais de sa�de que atuam na linha de frente, em especial na Estrat�gia Sa�de da Fam�lia (ESF), podem mitigar os efeitos do baixo letramento em sa�de procurando alinhar a comunica��o e as necessidades de cuidados de sa�de com as compet�ncias de letramento em sa�de das fam�lias. A Fiocruz, recentemente, vem promovendo a forma��o de profissionais de sa�de em letramento em sa�de.
"Quando entendermos que o letramento em sa�de � pe�a fundamental na complexa engrenagem dos sistemas de sa�de e que � nossa melhor estrat�gia para melhora da qualidade de vida, longevidade produtiva, sustentabilidade de sistemas de sa�de e, por reflexo, blindagem anti-fake news, ser� imposs�vel continuar ignorando a quest�o. � urgente que o pa�s com o maior sistema p�blico de sa�de passe a trazer o letramento em sa�de para o centro da discuss�o e para o planejamento das pol�ticas de aten��o b�sica", concluem.
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