O Aedes aegypti: h� mais de um s�culo � o mais temido "inimigo p�blico" do Brasil
Para ter uma ideia, somente em 2022, foram registrados 1.450.270 casos e 1.017 mortes de dengue no Brasil – um recorde, desde que os �bitos pela doen�a passaram a serem registrados oficialmente.
Cientificamente, o Aedes aegypti foi descrito pela primeira vez, em 1762, quando foi denominado Culex aegypti - culex de 'mosquito' e aegypti em refer�ncia a sua regi�o de origem: o Egito.
Contudo, em 1818, pesquisadores notarem que a esp�cie tinha caracter�sticas morfol�gicas e biol�gicas semelhantes �s de esp�cie do g�nero Aedes. Com isso, o nome passou a ser Aedes aegypti.

Menor do que os mosquitos comuns, o Aedes aegypti possui listras brancas no tronco, cabe�a e pernas
Getty ImagesNo Brasil, estudos apontam que a chegada do mosquito transmissor da dengue, chikungunya, zika e febre amarela urbana ocorreu entre os s�culos 17 e 19, atrav�s de navios que traziam pessoas do continente africano para serem escravizadas na Am�rica Latina.
A capacidade dos ovos da esp�cie de resistir at� um ano sem contato com �gua ajudou para que rapidamente o mosquito do Egito encontrasse ambiente favor�vel para se reproduzir nos navios e, em seguida, no territ�rio brasileiro.
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Tamara Nunes de Lima Camara, pesquisadora da Faculdade de Sa�de P�blica da Universidade de S�o Paulo (USP), ressalta que apesar do primeiro caso oficial de dengue no Brasil ser de 1981, existem evid�ncias que, desde o in�cio do s�culo 19, o Aedes aegypti j� era um problema no pa�s.
"Existem relatos de epidemias de doen�a com sintomas similares � dengue em 1916, em S�o Paulo (SP); e em 1923, em Niter�i (RJ), mas sem diagn�stico laboratorial, apenas cl�nico. A primeira confirma��o em laborat�rio de dengue no pa�s somente ocorreu em 1981, a partir de uma epidemia na cidade de Boa Vista, em Roraima."
Isolamento contra o mosquito
Antes do primeiro caso de dengue ser confirmado oficialmente, o Aedes aegypti j� era um problema no territ�rio brasileiro pela sua capacidade de transmitir o v�rus da febre amarela urbana.
Na �poca, por falta de conhecimento que a picada do Aedes aegypti poderia transmitir doen�as muitas pessoas acreditavam que a febre amarela, por exemplo, era contra�da a partir do contato com um infectado.
Foi somente no s�culo 20, que houve o consenso que eram os vetores, entre eles, o mosquito Aedes aegypti, os grandes respons�veis pela transmiss�o da doen�a e que o combate n�o seria apenas isolando as v�timas, mas combatendo os focos de reprodu��o dos mosquitos transmissores.
"Foi apenas entre 1905 e 1906, que o m�dico ingl�s Thomas Lane Bancroft, prop�s na Austr�lia que o Aedes aegypti quando infectado, poderia, atrav�s da picada, transmitir o microrganismo causador da dengue. Em seguida, em 1908, as observa��es de Bancroft foram confirmadas pelo m�dico cubano Aristides Agramonte y Simoni", explicou Jorge Tibilletti de Lara, pesquisador em hist�ria das ci�ncias e sa�de da Fiocruz.
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Com a descoberta, come�ou no Brasil uma verdadeira "ca�a aos mosquitos". Quem estava contaminado precisava ficar em isolamento e na resid�ncia era instalada uma arma��o de madeira revestida de tela ao redor da cama para impedir o acesso dos mosquitos ao doente.
No resto da casa, pap�is eram colados em todas as aberturas para evitar a entrada dos insetos. Al�m disso, era comum a queima de p� de piretro, que liberava um vapor capaz de atordoar os mosquitos.
Brasil j� conseguiu 'acabar' com o mosquito
A busca por acabar com os mosquitos transmissores da febre amarela - na forma silvestre os vetores s�o o Haemagogus e o Sabethes; e na forma urbana (�ltimo registro em 1942), os mosquitos Aedes aegypti e Albopictus - levou o Brasil a adotar uma s�rie de medidas, na primeira metade do s�culo 20, contra a procria��o de mosquitos. Propriet�rios de terrenos, por exemplo, eram punidos com multas caso tivessem criadouros de vetores e at� farm�cias tinham que informar quem estava com febre amarela ou dengue.
O esfor�o deu certo e vetores de doen�as comuns come�aram a ser erradicados do Brasil.
A primeira esp�cie foi a Anopheles gambiae, em 1940. O exterm�nio desse mosquito, um perigoso vetor da mal�ria, ocorreu antes do uso do pesticida DDT (dicloro-difenil-tricloretano) ser utilizado no pa�s.
"Em 1958, a erradica��o do Aedes aegypti no Brasil foi reconhecida pela a Organiza��o Pan-americana da Sa�de (OPAS), ap�s uma campanha que teve grande import�ncia para a coopera��o interamericana em sa�de p�blica, mas que tamb�m foi marcada por problemas internos, como a ades�o tardia dos Estados Unidos ao programa de erradica��o. Isso somente ocorreu em 1964 e foi finalizado em 1969 sem ter atingido as metas estabelecidas", apontou Gabriel Lopes, pesquisador em hist�ria das ci�ncias e sa�de da Fiocruz.
Foi o estopim para que em 1967, o Brasil voltasse a registrar casos de dengue.
De febre amarela a dengue
Quando o Aedes aegypti voltou a ser problema, na d�cada de 1970, o Brasil j� n�o tinha as mesmas caracter�sticas dos anos 1900. O �xodo rural que fez brasileiros se mudarem do campo para as cidades estimulou o crescimento urbano desordenado, a falta de saneamento b�sico e concomitantemente a reprodu��o acelerada da esp�cie.
"A dengue, como conhecemos hoje, se espalhou pela Am�rica Latina a partir da d�cada de 1980, afetando 25 pa�ses e se expandindo rapidamente pelas cidades mais povoadas. O retorno e propaga��o do mosquito Aedes aegypti, que se intensificou ao final da d�cada de 1970, foi fundamental para esse processo. A perman�ncia desse mosquito em regi�es urbanas pouco saneadas garantiu a circula��o de epidemias sem precedentes no s�culo 21, como o caso da zika e da chikungunya", apontou Gabriel.
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Outra explica��o est� atrelada ao ciclo de vida do Aedes aegypti. Sua r�pida reprodu��o com ovos capazes de ficar at� um ano em ambiente seco para conceder larvas s�o apontados como motiva��es para que o vetor continue sendo temido.
"Os mosquitos t�m o ciclo de vida holomet�bolo, ou seja, com metamorfose completa. O ciclo possui as fases de ovo, larva, pupa e adulto. Os ovos s�o muito resistentes � disseca��o e o embri�o pode permanecer vi�vel at� um ano sem contato com a �gua", explicou Tamara.
Animal mais letal do planeta
Diferentemente do que muita gente imagina, os mosquitos s�o os animais mais letais do planeta.
Dados da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) apontam que cerca de 725 mil pessoas morrem todos os anos por doen�as transmitidas por eles.
Isso porque, diferentemente de muitas outras criaturas perigosas, os mosquitos podem ser encontrados em praticamente todas as partes do mundo sem serem notados.

O Aedes aegypti chegou ao Brasil entre os s�culos 17 e 19
Mario Tama/Getty ImagesNo caso do Aedes aegypti, para que a transmiss�o da dengue aconte�a � preciso que o vetor esteja infectado. Isso porque, ao mesmo tempo em que pica para sugar o sangue, o Aedes expele saliva infectada e transmite a doen�a para o ser humano.
Al�m disso, a pessoa infectada, ao entrar na fase aguda da dengue e ser picada por um outro mosquito, vai contamin�-lo, iniciando novamente o ciclo de transmiss�o do v�rus.
"Hoje, sabemos que at� os ovos da f�mea infectada tamb�m nascem com o v�rus", ressaltou L�via Vinhal, coordenadora de vigil�ncia de arboviroses do Minist�rio da Sa�de.
Vetores de doen�as
Jorge Tibilletti de Lara, pesquisador em hist�ria das ci�ncias e sa�de da Fiocruz explica a transmiss�o de muitos dos v�rus relacionados ao Aedes aegypti se d� pelo sangue. "Esses v�rus se replicam no est�mago do mosquito. Ao mesmo tempo, o sangue humano, alimento preferido das f�meas da esp�cie, aumenta as aptid�es dos mosquitos e a taxa de reprodu��o dos v�rus."
Al�m disso, o fato de os mosquitos se alimentarem v�rias vezes de forma sorrateira, pelos tornozelos, aumentam as chances de transmiss�o. Isso porque muitas vezes a pessoa n�o consegue ver a tempo o inseto em contato com sua pele.
"O Aedes aegypti n�o � o �nico mosquito que transmite pat�genos aos humanos, mas preenche muito bem v�rios crit�rios que corroboram seu protagonismo como transmissor de doen�as: utiliza humanos como fonte de alimenta��o sangu�nea; e vive em estreita associa��o com humanos numa ampla distribui��o geogr�fica", apontou Jorge.
Ou seja, diferente de outros mosquitos que vivem mais em �reas de mata, o Aedes aegypti se adaptou bem ao ambiente urbano. Com isso, tem um maior contato com os seres humanos em rela��o aos outros vetores do planeta, ganhando protagonismo em transmitir doen�as.
"Cidades populosas sem saneamento adequado ao serem atingidas pelas chuvas, produzem condi��es muito boas para a prolifera��o do Aedes aegypti no Brasil. De forma geral, as regi�es urbanas que possuem piores condi��es relacionadas ao descarte do lixo, drenagem e obras inacabadas ou prec�rias podem produzir criadouros muito produtivos para o vetor", disse Gabriel.
Como combater o Aedes aegypti
Pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil dizem que dificilmente o Brasil vai conseguir erradicar o Aedes aegypti, como fez h� 70 anos.
"Hoje, o vetor � altamente domiciliado. O que falamos atualmente � em diminuir a infesta��o do vetor e consequentemente a transmiss�o dos v�rus", disse Livia Vinhal, coordenadora de vigil�ncia de arboviroses do Minist�rio da Sa�de.
Segundo a OMS, a dengue � considerada end�mica em pelo menos 100 pa�ses, abrangendo as regi�es das Am�ricas, �frica, Oriente M�dio, �sia e Ilhas do Pac�fico.

O mosquito pode ter como criadouros grandes espa�os ou at� pequenos objetos
Getty ImagesAtualmente, a grande esperan�a est� relacionada aos resultados positivos de vacinas contra formas graves da dengue – doen�a mais comum de ser transmitida pelo Aedes aegypti no Brasil. No entanto, Alda Maria da Cruz, diretora do departamento de doen�as transmiss�veis da Secretaria de Vigil�ncia em Sa�de e Ambiente do Minist�rio da Sa�de, ressalta que, com ou sem vacina, a melhor maneira de evitar a dengue, chikungunya e zika continua sendo acabar com os criadouros do Aedes aegypti.
"A popula��o muitas vezes acredita que o fumac� � uma das medidas mais efetivas no combate ao Aedes aegypti, mas usamos ele quando todas as oportunidades de controle j� n�o est�o dando mais certo. O que � altamente efetivo no combate ao vetor � evitar �gua parada. Por isso, precisamos muito da colabora��o de todos."

O chamado 'fumac�' � uma das estrat�gias utilizadas no combate ao mosquito
EVARISTO SA/AFP via Getty Images
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