Aedes aegypti pousado na pele de alguém

O Aedes aegypti: h� mais de um s�culo � o mais temido "inimigo p�blico" do Brasil

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Popularmente conhecido como mosquito da dengue, o Aedes aegypti h� mais de um s�culo � o mais temido "inimigo p�blico" do Brasil. A esp�cie, origin�ria do Egito, � respons�vel pela transmiss�o das arboviroses urbanas mais comuns do pa�s: dengue, chikungunya e zika. Seu tamanho inferior a um cent�metro e suas listras brancas no tronco, cabe�a e pernas parecem esconder sua alta capacidade de transmiss�o de doen�as. O que pouca gente sabe � que nas �ltimas tr�s d�cadas o Aedes aegypti foi respons�vel pelas mortes de 10 mil brasileiros.

Levantamento feito pelo Minist�rio da Sa�de a pedido da BBC News Brasil aponta que desde 1990, 10.096 brasileiros morreram ap�s serem picados pelo mosquito. Foram 9.186 mortes por dengue, 875 por chikungunya e 35 por zika. Sem contar as milh�es de pessoas que s�o contaminadas todos os anos pelo mosquito e conseguem se recuperar.

Para ter uma ideia, somente em 2022, foram registrados 1.450.270 casos e 1.017 mortes de dengue no Brasil – um recorde, desde que os �bitos pela doen�a passaram a serem registrados oficialmente.

Cientificamente, o Aedes aegypti foi descrito pela primeira vez, em 1762, quando foi denominado Culex aegypti - culex de 'mosquito' e aegypti em refer�ncia a sua regi�o de origem: o Egito.

Contudo, em 1818, pesquisadores notarem que a esp�cie tinha caracter�sticas morfol�gicas e biol�gicas semelhantes �s de esp�cie do g�nero Aedes. Com isso, o nome passou a ser Aedes aegypti.


Aedes aegypti pousado em uma folha

Menor do que os mosquitos comuns, o Aedes aegypti possui listras brancas no tronco, cabe�a e pernas

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No Brasil, estudos apontam que a chegada do mosquito transmissor da dengue, chikungunya, zika e febre amarela urbana ocorreu entre os s�culos 17 e 19, atrav�s de navios que traziam pessoas do continente africano para serem escravizadas na Am�rica Latina.

A capacidade dos ovos da esp�cie de resistir at� um ano sem contato com �gua ajudou para que rapidamente o mosquito do Egito encontrasse ambiente favor�vel para se reproduzir nos navios e, em seguida, no territ�rio brasileiro.

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Tamara Nunes de Lima Camara, pesquisadora da Faculdade de Sa�de P�blica da Universidade de S�o Paulo (USP), ressalta que apesar do primeiro caso oficial de dengue no Brasil ser de 1981, existem evid�ncias que, desde o in�cio do s�culo 19, o Aedes aegypti j� era um problema no pa�s.

"Existem relatos de epidemias de doen�a com sintomas similares � dengue em 1916, em S�o Paulo (SP); e em 1923, em Niter�i (RJ), mas sem diagn�stico laboratorial, apenas cl�nico. A primeira confirma��o em laborat�rio de dengue no pa�s somente ocorreu em 1981, a partir de uma epidemia na cidade de Boa Vista, em Roraima."

Isolamento contra o mosquito

Antes do primeiro caso de dengue ser confirmado oficialmente, o Aedes aegypti j� era um problema no territ�rio brasileiro pela sua capacidade de transmitir o v�rus da febre amarela urbana.

Na �poca, por falta de conhecimento que a picada do Aedes aegypti poderia transmitir doen�as muitas pessoas acreditavam que a febre amarela, por exemplo, era contra�da a partir do contato com um infectado.

Foi somente no s�culo 20, que houve o consenso que eram os vetores, entre eles, o mosquito Aedes aegypti, os grandes respons�veis pela transmiss�o da doen�a e que o combate n�o seria apenas isolando as v�timas, mas combatendo os focos de reprodu��o dos mosquitos transmissores.

"Foi apenas entre 1905 e 1906, que o m�dico ingl�s Thomas Lane Bancroft, prop�s na Austr�lia que o Aedes aegypti quando infectado, poderia, atrav�s da picada, transmitir o microrganismo causador da dengue. Em seguida, em 1908, as observa��es de Bancroft foram confirmadas pelo m�dico cubano Aristides Agramonte y Simoni", explicou Jorge Tibilletti de Lara, pesquisador em hist�ria das ci�ncias e sa�de da Fiocruz.

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Com a descoberta, come�ou no Brasil uma verdadeira "ca�a aos mosquitos". Quem estava contaminado precisava ficar em isolamento e na resid�ncia era instalada uma arma��o de madeira revestida de tela ao redor da cama para impedir o acesso dos mosquitos ao doente.

No resto da casa, pap�is eram colados em todas as aberturas para evitar a entrada dos insetos. Al�m disso, era comum a queima de p� de piretro, que liberava um vapor capaz de atordoar os mosquitos.

Brasil j� conseguiu 'acabar' com o mosquito

A busca por acabar com os mosquitos transmissores da febre amarela - na forma silvestre os vetores s�o o Haemagogus e o Sabethes; e na forma urbana (�ltimo registro em 1942), os mosquitos Aedes aegypti e Albopictus - levou o Brasil a adotar uma s�rie de medidas, na primeira metade do s�culo 20, contra a procria��o de mosquitos. Propriet�rios de terrenos, por exemplo, eram punidos com multas caso tivessem criadouros de vetores e at� farm�cias tinham que informar quem estava com febre amarela ou dengue.

 

O esfor�o deu certo e vetores de doen�as comuns come�aram a ser erradicados do Brasil.

A primeira esp�cie foi a Anopheles gambiae, em 1940. O exterm�nio desse mosquito, um perigoso vetor da mal�ria, ocorreu antes do uso do pesticida DDT (dicloro-difenil-tricloretano) ser utilizado no pa�s.

"Em 1958, a erradica��o do Aedes aegypti no Brasil foi reconhecida pela a Organiza��o Pan-americana da Sa�de (OPAS), ap�s uma campanha que teve grande import�ncia para a coopera��o interamericana em sa�de p�blica, mas que tamb�m foi marcada por problemas internos, como a ades�o tardia dos Estados Unidos ao programa de erradica��o. Isso somente ocorreu em 1964 e foi finalizado em 1969 sem ter atingido as metas estabelecidas", apontou Gabriel Lopes, pesquisador em hist�ria das ci�ncias e sa�de da Fiocruz.

Foi o estopim para que em 1967, o Brasil voltasse a registrar casos de dengue.

De febre amarela a dengue

Quando o Aedes aegypti voltou a ser problema, na d�cada de 1970, o Brasil j� n�o tinha as mesmas caracter�sticas dos anos 1900. O �xodo rural que fez brasileiros se mudarem do campo para as cidades estimulou o crescimento urbano desordenado, a falta de saneamento b�sico e concomitantemente a reprodu��o acelerada da esp�cie.

"A dengue, como conhecemos hoje, se espalhou pela Am�rica Latina a partir da d�cada de 1980, afetando 25 pa�ses e se expandindo rapidamente pelas cidades mais povoadas. O retorno e propaga��o do mosquito Aedes aegypti, que se intensificou ao final da d�cada de 1970, foi fundamental para esse processo. A perman�ncia desse mosquito em regi�es urbanas pouco saneadas garantiu a circula��o de epidemias sem precedentes no s�culo 21, como o caso da zika e da chikungunya", apontou Gabriel.

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Outra explica��o est� atrelada ao ciclo de vida do Aedes aegypti. Sua r�pida reprodu��o com ovos capazes de ficar at� um ano em ambiente seco para conceder larvas s�o apontados como motiva��es para que o vetor continue sendo temido.

"Os mosquitos t�m o ciclo de vida holomet�bolo, ou seja, com metamorfose completa. O ciclo possui as fases de ovo, larva, pupa e adulto. Os ovos s�o muito resistentes � disseca��o e o embri�o pode permanecer vi�vel at� um ano sem contato com a �gua", explicou Tamara.

Animal mais letal do planeta

Diferentemente do que muita gente imagina, os mosquitos s�o os animais mais letais do planeta.

Dados da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) apontam que cerca de 725 mil pessoas morrem todos os anos por doen�as transmitidas por eles.

Isso porque, diferentemente de muitas outras criaturas perigosas, os mosquitos podem ser encontrados em praticamente todas as partes do mundo sem serem notados.


Aedes aegypti visto em um microscópio

O Aedes aegypti chegou ao Brasil entre os s�culos 17 e 19

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No caso do Aedes aegypti, para que a transmiss�o da dengue aconte�a � preciso que o vetor esteja infectado. Isso porque, ao mesmo tempo em que pica para sugar o sangue, o Aedes expele saliva infectada e transmite a doen�a para o ser humano.

Al�m disso, a pessoa infectada, ao entrar na fase aguda da dengue e ser picada por um outro mosquito, vai contamin�-lo, iniciando novamente o ciclo de transmiss�o do v�rus.

"Hoje, sabemos que at� os ovos da f�mea infectada tamb�m nascem com o v�rus", ressaltou L�via Vinhal, coordenadora de vigil�ncia de arboviroses do Minist�rio da Sa�de.

Vetores de doen�as

Jorge Tibilletti de Lara, pesquisador em hist�ria das ci�ncias e sa�de da Fiocruz explica a transmiss�o de muitos dos v�rus relacionados ao Aedes aegypti se d� pelo sangue. "Esses v�rus se replicam no est�mago do mosquito. Ao mesmo tempo, o sangue humano, alimento preferido das f�meas da esp�cie, aumenta as aptid�es dos mosquitos e a taxa de reprodu��o dos v�rus."

Al�m disso, o fato de os mosquitos se alimentarem v�rias vezes de forma sorrateira, pelos tornozelos, aumentam as chances de transmiss�o. Isso porque muitas vezes a pessoa n�o consegue ver a tempo o inseto em contato com sua pele.

"O Aedes aegypti n�o � o �nico mosquito que transmite pat�genos aos humanos, mas preenche muito bem v�rios crit�rios que corroboram seu protagonismo como transmissor de doen�as: utiliza humanos como fonte de alimenta��o sangu�nea; e vive em estreita associa��o com humanos numa ampla distribui��o geogr�fica", apontou Jorge.

Ou seja, diferente de outros mosquitos que vivem mais em �reas de mata, o Aedes aegypti se adaptou bem ao ambiente urbano. Com isso, tem um maior contato com os seres humanos em rela��o aos outros vetores do planeta, ganhando protagonismo em transmitir doen�as.

"Cidades populosas sem saneamento adequado ao serem atingidas pelas chuvas, produzem condi��es muito boas para a prolifera��o do Aedes aegypti no Brasil. De forma geral, as regi�es urbanas que possuem piores condi��es relacionadas ao descarte do lixo, drenagem e obras inacabadas ou prec�rias podem produzir criadouros muito produtivos para o vetor", disse Gabriel.

Como combater o Aedes aegypti

Pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil dizem que dificilmente o Brasil vai conseguir erradicar o Aedes aegypti, como fez h� 70 anos.

"Hoje, o vetor � altamente domiciliado. O que falamos atualmente � em diminuir a infesta��o do vetor e consequentemente a transmiss�o dos v�rus", disse Livia Vinhal, coordenadora de vigil�ncia de arboviroses do Minist�rio da Sa�de.

Segundo a OMS, a dengue � considerada end�mica em pelo menos 100 pa�ses, abrangendo as regi�es das Am�ricas, �frica, Oriente M�dio, �sia e Ilhas do Pac�fico.


Vaso de planta com água parada

O mosquito pode ter como criadouros grandes espa�os ou at� pequenos objetos

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Atualmente, a grande esperan�a est� relacionada aos resultados positivos de vacinas contra formas graves da dengue – doen�a mais comum de ser transmitida pelo Aedes aegypti no Brasil. No entanto, Alda Maria da Cruz, diretora do departamento de doen�as transmiss�veis da Secretaria de Vigil�ncia em Sa�de e Ambiente do Minist�rio da Sa�de, ressalta que, com ou sem vacina, a melhor maneira de evitar a dengue, chikungunya e zika continua sendo acabar com os criadouros do Aedes aegypti.

"A popula��o muitas vezes acredita que o fumac� � uma das medidas mais efetivas no combate ao Aedes aegypti, mas usamos ele quando todas as oportunidades de controle j� n�o est�o dando mais certo. O que � altamente efetivo no combate ao vetor � evitar �gua parada. Por isso, precisamos muito da colabora��o de todos."


Pessoa com roupa de proteção lançando fumacê

O chamado 'fumac�' � uma das estrat�gias utilizadas no combate ao mosquito

EVARISTO SA/AFP via Getty Images