Tallulah Clark

Tallulah Clark

Arquivo pessoal/Tallulah Clark

Tudo come�ou com uma sa�da que se tornou estranha. As pessoas riam de mim ou perguntavam se eu — aos 14 anos — estava b�bada. N�o estava. Nos anos seguintes, comecei a notar outras peculiaridades. Minhas m�os come�aram a tremer e escrever ficou cada vez mais dif�cil. Os m�dicos n�o conseguiam me dar nenhuma resposta, muitas vezes insinuavam que eu estava exagerando. Oito anos se passaram at� que eu fosse encaminhada para o departamento de neurologia do hospital.


Meus sintomas estavam piorando, mas, apesar disso, n�o estava preparada para ouvir o que estava por vir.


"Voc� tem uma condi��o neurol�gica muito rara chamada ataxia", disse o m�dico.


Este � um termo que engloba um grupo de dist�rbios que afetam a coordena��o, o equil�brio e a fala, e cujos sintomas e gravidade variam dependendo do tipo de ataxia em quest�o.


Uma em cada 50 mil pessoas tem ataxia. O meu � um tipo chamado AOA2, que afeta cerca de 3 em um milh�o.

 

 


Eu n�o conseguia entender o que o m�dico estava me dizendo. Como isso estava acontecendo? Por que eu?


Ainda hoje acordo na esperan�a de que os �ltimos 6 anos desde que tive essa conversa foram fruto da minha imagina��o, algum sonho estranho que queria me alertar que n�o temos garantia de nada.


Eu nunca consegui jogar e pegar uma bola, nunca consegui andar de bicicleta e era p�ssima nos esportes, mas meu vi�s subconsciente me dizia que isso acontecia porque eu ainda era crian�a, n�o porque tinha uma condi��o neurol�gica rara.


TALLULAH CLARK

Tallulah foi recentemente para Tail�ndia, Cingapura e Rep�blica Dominicana

Arquivo Pessoal/Tallulah Clark

�s vezes sinto que minha vida � uma bomba-rel�gio, imprevis�vel e err�tica. N�o posso prever como vou me sentir a cada dia, se minha fadiga ser� pior do que no dia anterior ou se minha n�voa cerebral vai deixar meus p�s mais inst�veis.


Mas todos os dias quando acordo e ainda sou capaz de andar, s� sinto gratid�o. Ter uma doen�a rara consome tudo, � uma montanha-russa da qual n�o consigo sair mesmo que queira.

O que � ataxia?

A ataxia � uma condi��o neurol�gica que afeta o cerebelo, tamb�m conhecido como c�rebro pequeno.

Embora pequeno, o cerebelo � muito importante, controlando as fun��es humanas b�sicas, como equil�brio, coordena��o, fala e movimento dos olhos.


Ilustração de cérebro

A ataxia � uma condi��o que afeta o cerebelo

Getty Images

Os sintomas da ataxia podem se desenvolver em qualquer idade e podem ser causados %u200B%u200Bpor v�rios motivos.

Por exemplo, a ataxia pode ser desenvolvida devido a uma les�o na cabe�a, infec��es virais, abuso de drogas ou �lcool ou como consequ�ncia de genes defeituosos herdados dos pais.

 

H� muitos tipos de ataxia, mas o Servi�o Nacional de Sa�de do Reino Unido (onde nasci) a divide em tr�s categorias gerais:


  • Ataxia adquirida, na qual os sintomas se desenvolvem como resultado de trauma, acidente vascular cerebral, esclerose m�ltipla, tumor cerebral ou outros problemas que danificam o c�rebro ou o sistema nervoso;

  • Ataxia cerebelar idiop�tica tardia (ILOCA, na sigla em ingl�s), na qual o c�rebro se torna progressivamente danificado por raz�es desconhecidas;

  • Ataxia heredit�ria: em que os sintomas se desenvolvem lentamente ao longo do tempo e s�o causados %u200B%u200Bpor defeitos gen�ticos (a mais comum neste grupo � a de Friedreich).

Os sintomas da ataxia AOA2, que � heredit�ria e da qual sofro, tendem a aparecer a qualquer momento entre o in�cio e o final da adolesc�ncia.

Durante esse per�odo, o equil�brio e a coordena��o come�am a se deteriorar. Os pacientes tamb�m podem sentir movimentos involunt�rios e tremores.

Al�m dos sintomas f�sicos, h� outros invis�veis, mas muito mais tang�veis, como fadiga e nevoeiro mental. Esses sintomas s�o igualmente graves e podem exacerbar doen�as f�sicas.

Devido � natureza rara da AOA2, n�o h� tanta pesquisa em compara��o com outras ataxias mais comuns. Uma cura para AOA2 � meu sonho, mas at� agora minhas preces n�o foram atendidas.

A hist�ria de Marina

Em 28 de fevereiro de 2023, foi feito um grande avan�o na pesquisa m�dica: a ag�ncia reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, FDA (na sigla em ingl�s), a aprovou o primeiro medicamento para tratar a ataxia de Friedriech, chamado omaveloxolona.


Esta droga atua na resposta celular ao estresse oxidativo, melhorando a fun��o celular e reduzindo a inflama��o.


Embora por enquanto seu uso esteja aprovado apenas nos EUA (faltam uma s�rie de etapas at� ser liberado em outros pa�ses), a not�cia trouxe esperan�a para os pacientes com ataxia de Friedriech e suas fam�lias.


Tallulah e Marina

Tallulah (� esquerda) e Marina sofrem de ataxia, mas n�o do mesmo tipo

Arquivo pessoal

Marina � minha amiga. Ela vive na Espanha, onde trabalha como m�dica da fam�lia e tem uma bolsa de pesquisa para fazer doutorado na �rea de neuroci�ncia. Ela tem ataxia de Friedriech.

"Meus sintomas come�aram depois de usar um colete para escoliose por dois anos", ela conta.


"Sempre fui muito �gil, mas de repente n�o era natural eu correr, me abaixar, descer escadas... E n�o entendia o por qu�. Me enganava um pouco dizendo que era consequ�ncia de ter usado o colete por tanto tempo e n�o ter feito muita atividade f�sica."


"Lembro que me inscrevi na aula de spinning com minha irm�, que sempre foi mais desastrada que eu, e eu n�o conseguia acompanhar nem ficar em p� na bicicleta, e ela conseguia... lembro que cheguei em casa nesse dia e comecei a chorar", ela conta.

 

O diagn�stico de Marina veio quando ela tinha 19 anos, ao consultar um neurologista por recomenda��o de seu professor de cl�nica m�dica, que notou sua falta de reflexos enquanto a ensinava a examin�-los em outras pessoas.


"Embora eu soubesse que o que estava acontecendo comigo n�o era normal, pensei que a neurologista ia me dar um comprimido, e eu voltaria a ser como era antes, para poder descer correndo as escadas, pular, etc. Mas ela me disse que muito provavelmente seria ataxia de Friedreich. Eu nunca tinha ouvido falar, e quando perguntei o que era, ela me disse: 'O bom � que n�o afeta a cabe�a'", lembra Marina.


"N�o entendi na hora. Mas quando cheguei na universidade e procurei o termo na internet, fiquei chocada: todos os sintomas que apareciam ali, inclusive problemas card�acos, eu tinha. Foi um dos piores dias da minha vida", afirma.


No entanto, Marina � uma pessoa contagiantemente positiva e tem esperan�a no futuro.


Marina

Marina conta que, de certa forma, receber o diagn�stico foi um al�vio

Arquivo pessoal

"Logo mudei a maneira de ver isso. Retomei a nata��o que fazia quando crian�a, continuei com o atletismo, embora no come�o eu quisesse parar, e o diagn�stico me aliviou no sentido de que agora eu podia ter uma explica��o para o que estava acontecendo comigo."


"Tenho piorado nesses anos, e quando havia perdido completamente a esperan�a de ter uma vida meio normal, aprovaram pela primeira vez um tratamento."


"E embora ainda vai levar tempo at� traz�-lo para a Espanha, e teremos que lutar para que o financiem, � uma grande esperan�a", diz Marina.

Doen�as raras e luto

Quando me perguntam sobre como � ter uma condi��o degenerativa, acho que descrever como um processo de luto resume perfeitamente como me sinto.


Perder lentamente a capacidade de fazer as coisas que voc� fazia naturalmente � devastador.


Tallulah nadando com golfinhos

Um dos itens da lista de desejos de Tallulah era nadar com golfinhos

Arquivo pessoal


Cinco anos atr�s, eu podia segurar uma x�cara de ch� com as m�os. Tamb�m conseguia escrever, conseguia me levantar sem ser atormentada pela ansiedade e apreens�o por medo de cair.


Ter uma doen�a rara envolve um enorme peso emocional, n�o � apenas a dor e a frustra��o de perder partes do seu antigo eu, mas tamb�m o luto pelo futuro que voc� planejou, as esperan�as e os sonhos que voc� j� teve.


Viajei por muitos lugares desde o meu diagn�stico, o que me deu confian�a e otimismo. Tenho aprendido a me adaptar a esta vida que nunca vi chegar.


No ano passado fui para a Rep�blica Dominicana, onde pude realizar um sonho que estava na minha lista de desejos: nadar com golfinhos.

Neste ano, fui para Cingapura e Tail�ndia.


Viajar com uma defici�ncia nem sempre � f�cil. As barreiras f�sicas e sociais costumam ser muitas.


Mas seis anos depois, estou aceitando o fato de que minha doen�a n�o define tudo, que ainda h� maneiras de aproveitar as coisas, mesmo que seja um pouco diferente do que eu imaginava.


E estou aceitando que vou precisar de ajuda, reconhecendo meu cansa�o e, sobretudo, n�o me sentindo envergonhada quando simplesmente n�o consigo fazer algo.