O mieloma m�ltiplo corresponde a 10% dos casos de c�nceres das c�lulas do sangue: efeito terap�utico ap�s uma infus�o de c�lulas CAR-T
A busca por novos tratamentos para os mais de 100 tipos conhecidos de c�ncer nem sempre se concentra no potencial curativo. Muitas pesquisas t�m como foco pacientes para os quais as op��es dispon�veis se esgotaram. Ontem, no congresso da Sociedade Norte-Americana de Oncologia Cl�nica (Asco), em Chicago, nos Estados Unidos, quatro estudos mostraram avan�os significativos nas respostas a medicamentos — em um caso, chegou a 100%.
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Uma inova��o da subst�ncia, chamada ciltacabtagene autoleucel (Cilta-cel), � que bastou uma infus�o das c�lulas CAR-T para se obter os resultados — atualmente, os pacientes precisam passar por in�meras sess�es de quimioterapia, o que debilita o organismo. O Cilta-cel foi aprovado no ano passado pela Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, para adultos com mieloma m�ltiplo que sofreram recidiva ou n�o responderam � primeira linha ap�s passarem por pelo menos outras quatro op��es de tratamento, com alta exposi��o � toxicidade desses medicamentos.
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O estudo apresentado ontem foi o primeiro de fase 3 (a �ltima antes de o tratamento estar pronto para aprova��o dos �rg�os regulat�rios) para avaliar a seguran�a e a efic�cia de uma terapia � base de c�lulas CAR-T para mieloma m�ltiplo. Esse c�ncer afeta estruturas da medula �ssea chamadas plasm�citos, respons�veis por produzir anticorpos que combatem v�rus e bact�rias. A doen�a n�o tem cura e � considerada rara — no Brasil, estima-se que existam 150 mil casos.
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A pesquisa incluiu 419 pacientes que n�o responderam � lenalidomida e haviam passado, anteriormente, por entre uma a tr�s linhas de terapia. Desses, 208 receberam o Cilta-cel, e os demais ficaram com o medicamento padr�o. Na apresenta��o do estudo, o oncologista Binod Dhakal, de Wisconsin, afirmou que o tratamento atual para pessoas com mieloma m�ltiplo � "um fardo consider�vel". "Geralmente, eles t�m reca�da ap�s cada linha de terapia, com per�odos de remiss�o progressivamente mais curtos. Esses pacientes sofrem pior qualidade ap�s cada reca�da, com o aumento das linhas de tratamento."
Na sess�o de discuss�o dos resultados promovida pela organiza��o do Asco, Asher Alban Akmal Chanan-Khan, oncologista da Cl�nica Mayo de Jacksonville, na Fl�rida, destacou a import�ncia do estudo, do qual n�o fez parte. "Impressionou-me que esse benef�cio foi alcan�ado com tratamento limitado versus cont�nuo, e sem preocupa��es adicionais de toxicidade". Para Chanan-Khan, "o estudo mudar� o paradigma de tratamento", tornando-se a primeira linha para mieloma m�ltiplo. "Ficamos imaginando se esse estudo aponta para o come�o do fim de uma longa busca para curar essa doen�a."
Resposta completa
Pacientes sem mais op��es de terapia padr�o tamb�m foram o foco do estudo Ragnar, que avaliou a efic�cia de um medicamento oral chamado erdafitinibe em um grupo de 240 pessoas com tumores avan�ados ou metast�ticos com uma muta��o no gene FGFR. Os testes tiveram como alvo mais de 20 tipos de c�ncer, incluindo p�ncreas, mama e colorretal.
O trabalho apresentado no Asco refere-se a uma an�lise interina, com resultados de 178 pessoas. Dessas, tr�s alcan�aram resposta completa, 49, parcial e 77 mantiveram-se est�veis. "Juntas, a taxa de benef�cio cl�nico, definida como a soma das taxas de resposta parcial, resposta completa e doen�a est�vel mantida por pelo menos quatro meses, foi de 48,9%", explicou Yohann Loriot, pesquisador da Universidade de Paris-Saclay, Villejuif, na Fran�a.
"N�o houve um tumor espec�fico que o resultado foi melhor que o outro, at� porque o n�mero de pacientes � pequeno, mas, mesmo os tumores de dif�cil tratamento, como de p�ncreas e do sistema nervoso central, apresentaram boas respostas", comenta Denis Jardim, l�der da especialidade de tumores urol�gicos do Grupo Oncocl�nicas e um dos investigadores do estudo. Segundo o oncologista, que tamb�m � do Comit� Cient�fico do Instituto Vencer o C�ncer, tr�s em cada 10 pacientes tiveram redu��o de tamanho nos tumores. "Lembrando que eram pacientes sem tratamento efetivo", enfatiza.
A��o combinada
Yohann Loriot tamb�m apresentou resultados do estudo Norse, com 87 pacientes de carcinoma de bexiga que tinham altera��o no gene FGFR e n�o eram eleg�veis para o tratamento de primeira linha. "Esse estudo mostra que quando s� foi dado o erdafitinibe, 44% dos pacientes responderam. Com a combina��o de erdafitinibe e imunoterapia, no caso o cetrelimab, 54,5% dos pacientes responderam", conta Denis Jardim, do Grupo Oncocl�nicas.
Em m�dia, a doen�a progrediu nos pacientes que fizeram uso da terapia combinada depois de 10,9 meses, contra 5,6 meses registrados no grupo que recebeu apenas o erdafitinibe. "Essa � uma popula��o realmente para a qual os tratamentos n�o s�o t�o eficazes, j� que n�o pode receber a quimioterapia com cisplatina", destaca Jardim. "Ent�o, esses resultados de tempo de controle de doen�a e tamb�m a chance de estar vivo em 12 meses s�o bastante animadores com a combina��o da imunoterapia com erdafitinibe", avalia.
O estudo Norse � um recorte de uma pesquisa maior, Thor, que avaliou o erdafitinibe em 266 pacientes de carcinoma urotelial que n�o tiveram resposta em at� duas terapias anteriores. Os dados mostram que o tratamento reduziu em 36% o risco de morte em dois anos de acompanhamento, comparado ao padr�o. "Prevemos que o efeito dos resultados do estudo ser� significativo", disse Yohann Loriot, na apresenta��o. "Eles fornecem evid�ncias que mudar�o as diretrizes atuais", acredita. Paulo Lages, oncologista com foco em tumores geniturin�rios, acredita que o trabalho n�o mudar� a indica��o de terapia de primeira linha. "Mas vai mudar, sim, a ordem em que a gente pensa a sequ�ncia de tratamento."
Terapia revolucion�ria, diz especialista
"O tratamento com a tecnologia das c�lulas CAR-T para mieloma m�ltiplo � revolucion�rio. Primeiro, porque ele vem cobrir situa��es que chamamos de necessidades m�dicas n�o atendidas, que � quando o paciente que j� foi exposto a duas ou tr�s linhas de tratamento anterior se torna refrat�rio. A tecnologia CART-T atende a essa necessidade, porque esse era um cen�rio para o qual n�o t�nhamos uma linha de tratamento e tamb�m porque essa tecnologia n�o se vale do uso de nenhum rem�dio farmacol�gico. Trata-se de uma esp�cie de treinamento do sistema imune do pr�prio paciente para o combate ao mieloma m�ltiplo. De forma extremamente surpreendente, os resultados t�m se mostrado altamente eficazes para o controle da doen�a. � importante relatar que o mieloma m�ltiplo � a doen�a hematol�gica onde se teve o maior avan�o na expectativa e na qualidade de vida dos pacientes. Nos �ltimos 20 anos, a sobrevida global mais do que dobrou, n�s passamos de taxas de 30% em cinco anos para 70%. Ainda n�o � uma doen�a cur�vel, mas a gente vem empregando a express�o cura funcional. Ou seja, o paciente ainda tem a doen�a no organismo, mas ela n�o compromete sua qualidade de vida e, em alguns casos, nem a expectativa de vida. O tratamento com as c�lulas CAR-T vem adicionar novas perspectivas para esses pacientes. Trata-se, sim, de uma revolu��o.
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