Andr� Duarte, Daniel Vieira, Igor Teixeira, Laura Rezende e Nat�lia Vianini*

Thiago Gaud�ncio � torcedor fan�tico do Clube Atl�tico Mineiro. Mesmo assim, come�ou a frequentar os jogos do arquirrival Cruzeiro quando come�ou a namorar. J� Larissa Brand�o terminou um relacionamento de oito anos por diverg�ncias pol�ticas. Os dois casos s�o exemplos de como opini�es e gostos discordantes t�m grande influ�ncia em como os relacionamentos ir�o se estruturar ao longo do tempo, e podem abalar sua continuidade. Ou seja, ser� que os opostos s�o realmente atra�dos um pelo outro? Eles conseguem conviver harmonicamente, mesmo com as diferen�as?
 
Casal debaixo de guarda chuva

Casal debaixo de guarda chuva

 
 
“Terminei um relacionamento de oito anos, pois o indiv�duo disse preferir Bolsonaro a Lula no poder. E nem era ano de elei��o ainda!”, lembra Larissa Brand�o, de 27 anos. O namoro come�ou no Brasil, mas o casal resolveu dar um tempo durante o per�odo que passou no interc�mbio. Quando voltou ao pa�s, em 2016, com a pol�tica no calor do impeachment de Dilma Rousseff, eles at� reataram. Mas, em pouco tempo, Larissa come�ou a perceber que o relacionamento n�o seria imune �s intemp�ries das opini�es divergentes. 
 

“Quando voltei ao Brasil e retomei meu relacionamento, percebi quest�es com as quais n�o concordava, tipo ver que ele apoiou o impeachment, o teto de gastos e uns discursos esquisitos de meritocracia”, lembra. Ela descobriu que o ex-namorado apoiava o ent�o pr�-candidato Jair Bolsonaro. “Para mim, aquilo ali cruzou uma linha que n�o se ultrapassa”, complementa. 

Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), entre 2017 e 2018, o n�mero de div�rcios cresceu 3,2%. O aumento � atribu�do ao momento de grande tens�o pol�tica, devido, principalmente, � disputa entre os ent�o candidatos Bolsonaro e Haddad.

Futebol

Se, na pol�tica, os opostos estremeceram rela��es, no futebol, n�o foi bem assim. Thiago Gaud�ncio cresceu numa fam�lia atleticana. O pai, inclusive, tem um restaurante em Mateus Leme, conhecido como o “bar dos atleticanos”. “Desde crian�a, fui influenciado. Ia aos jogos do Galo, ganhava camisa e vivia o dia a dia como um torcedor apaixonado pelo clube”, conta.
 
Tudo mudou de figura quando Ana Vieira apareceu na vida dele. Filha de pais separados, cresceu na companhia do av� Orlando. “Estabelecemos uma rela��o de paternidade muito forte. Vov� sempre foi cruzeirense e me passou esse legado. Minhas melhores mem�rias s�o assistindo aos jogos com ele”, lembra.

Pois n�o � que Ana e Thiago, literalmente, deram match no Tinder e a paix�o de ambos os lados precisou encontrar um equil�brio? 

“A primeira pergunta que me fez relacionava-se ao fato de eu ser cruzeirense. Ele me disse que, se eu fosse ao jogo do Atl�tico com ele, iria ao jogo do Cruzeiro comigo”, recorda Ana. A proposta, claro, foi desconfort�vel para os dois. Contudo, encontraram a solu��o baseada em respeito e bom humor.

“Quando descobri que o Thiago era atleticano, achei que isso seria um problema entre a gente, mas, com o passar do tempo, percebi que ele era uma pessoa muito tranquila, que conseguia zoar e ser zoado”, diz a namorada. “Nunca achei que isso poderia afetar a gente, pois tenho �tima rela��o com familiares e amigos cruzeirenses. Levamos tudo muito na zoeira”, complementa Thiago. 

O casal est� junto h� quase dois meses. A diverg�ncia esportiva n�o afeta a rela��o. Tanto que os dois “superaram” o impasse da forma mais inusitada e incr�vel poss�vel. Quando Thiago vai ao jogo do Galo, Ana o acompanha. Quando Ana vai ao jogo do Cruzeiro, o namorado a acompanha. 

Ao quebrar paradigmas, o casal conseguiu um feito pouco comum: unir o amor, a rivalidade e a parceria. Ir juntos ao est�dio e quebrar todo o rancor ao time rival � algo surpreendente. O amor superou uma adversidade imensa para o brasileiro: as disputas entre times do cora��o. 

Literatura


A amizade de Ana Menezes e Brenda Gon�alves � como um conto de fadas, mas essa hist�ria sofre uma grande reviravolta, no que se refere a uma paix�o que compartilham: a literatura. Melhores amigas h� mais de sete anos, a diferen�a entre suas personalidades fica evidente quando questionamos quais g�neros liter�rios mais lhes chamam a aten��o. Isso porque uma � amante da fantasia, e a outra j� prefere contos mais associados � realidade. 

Diverg�ncias como essas podem ser insuper�veis, principalmente, quando se trata de jovens t�o apaixonadas pelo tema. Ao ser questionada sobre isso, Brenda n�o pensa duas vezes: “N�o gosto de livros que abordam temas muito reais ou sens�veis. Para mim, a leitura precisa ser um ref�gio da realidade. Ent�o, n�o gosto de biografias ou de autoajuda.” Em contrapartida, Ana conta que n�o gosta de obras de fic��o e hist�rias imagin�rias, talvez por gostar tanto de enredos que transformem a realidade.

Para Brenda, os livros ficcionais s�o agentes necess�rios, que a ajudam a viver outras realidades sem sair de casa. J� Ana prefere obras que a fazem pensar e refletir, a exemplo de O poder do h�bito [de Charles Duhigg] e O c�digo da intelig�ncia [de Augusto Cury], ambos de desenvolvimento pessoal. “Os aspectos de que mais gosto nesse tipo de livro � que eles mostram possibilidades para transformar meus h�bitos e viver de maneira mais inteligente emocionalmente”, destaca.

Apesar das diferen�as, as jovens conseguiram se resolver por meio de um acordo proposto por Ana: ela leria um livro indicado por Brenda, que, por sua vez, adotaria uma leitura sugerida pela amiga. “Quando comecei a ler o livro Hippie, pensei que seria uma autobiografia chata, mas percebi que o jeito como o autor [o escritor Paulo Coelho] escreve faz parecer que a hist�ria seja completamente fantasiosa. Isso fez com que eu me interessasse muito pela narrativa, e acabei gostando”, conta Brenda.
 
O livro que Ana leu foi a saga Jogos Vorazes, de Suzanne Collins: “Mesmo sendo de fic��o, a obra aborda uns temas muito conexos com a vida real. Achei interessante e inteligente”
Aventurar-se em coisas novas � uma experi�ncia emocionante e enriquecedora. Trata-se de uma maneira de expandir os horizontes, descobrir novas paix�es, desafiar-se e crescer, como no caso das duas amigas, que se empenharam em ler livros diferentes daqueles a que est�o acostumadas. Desse modo, conseguiram conectar-se ainda mais, ao explorar novas (e belas) perspectivas.


Limites da diferen�a


Mestra em psicologia social e consultora em rela��es �tnico-raciais e de g�nero, Suely Santos acredita ser muito dif�cil que duas pessoas com diferen�as extremas, no que se refere a opini�es e personalidades, se relacionem. “No amor, � preciso de algu�m que lhe complete, mas n�o, necessariamente, para suprir ou acrescentar aquilo que falta em voc�. Completar uma pessoa pelo amor n�o � gostar de portugu�s, enquanto o outro aprecia matem�tica. Na verdade, completar-se mutuamente � ter gestos, gostos e atitudes parecidas, para conseguir realizar tudo junto, mas de maneiras diferentes”, explica.

Por que, exatamente, � t�o complexo que pessoas diferentes mantenham relacionamentos est�veis? “Imagine ficar com algu�m que n�o gosta do que voc� aprecia, ou n�o concorda com suas opini�es pol�ticas ou seus princ�pios de vida? Enquanto seu desejo � sair, para fazer algo diferente, o outro prefere ficar em casa. Como superar tudo isso? N�o h� erros, pois ningu�m ali est� errado, mas n�o foram feitos para estar juntos”, destaca Suely. 

O sentimento de amor, afinal, pode se segurar por algum tempo, mas, ao final, as coisas ficam dif�ceis, e, com o passar do tempo, geram-se discuss�es, intrigas, conflitos, al�m de desinteresse sobre o outro e o relacionamento. “Portanto, voc� n�o pode gostar de futebol, ou novela, e a pessoa odiar. Existem discord�ncias, mas, quando um n�o gosta ou n�o concorda com praticamente nada daquilo, n�o d� certo”, completa a consultora.

Em suma, para que as rela��es tenham continuidade, de forma saud�vel e duradoura, mesmo em meio a desafios e discord�ncias, � imprescind�vel que se encontre formas de conviver harmonicamente, por meio de debates ou acordos. A supera��o de obst�culos comp�e a pr�pria base de qualquer liga��o. No mais, o que � amor, sen�o o respeito e a harmonia diante da diversidade?
 
* Mat�ria produzida por alunos do Centro Universit�rio UNA, sob supervis�o do professor Maur�cio Guilherme.