O oz�nio medicinal costuma ser aplicado no sangue, na pele, nas articula��es, nos m�sculos e no �nus, entre outros
O presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) sancionou uma lei que autoriza a ozonioterapia em territ�rio nacional. A decis�o foi publicada no Di�rio Oficial da Uni�o nesta segunda-feira (7/8).
A lei, proposta em 2017 pelo ent�o senador Valdir Raupp (MDB-RO), refor�a que a ozonioterapia � um “procedimento de car�ter complementar”, “somente poder� ser realizada por profissional de sa�de de n�vel superior” e precisar� ser aplicada com equipamentos devidamente regularizados pela Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa).
Outros �rg�os, como o Conselho Federal de Farm�cia, apoiaram a san��o da lei.
A seguir, voc� entende o que � a ozonioterapia e como diferentes �rg�os nacionais e internacionais se posicionam sobre a pr�tica — muitos deles alertam para o risco de essa abordagem atrasar a ado��o de tratamentos comprovadamente eficazes.
Um g�s terap�utico?
A ozonioterapia se baseia na aplica��o de oz�nio medicinal, uma mistura gasosa que envolve duas subst�ncias: oxig�nio e, claro, o pr�prio oz�nio.
Esse produto foi descrito ainda no s�culo 19, a partir do trabalho de qu�micos alem�es, e as primeiras aplica��es terap�uticas foram sugeridas no in�cio do s�culo 20. A ideia ganhou f�lego e passou a receber mais destaque a partir dos anos 1980.
Em nota t�cnica publicada em 2022, a Anvisa destaca que o oz�nio “� um g�s com forte poder oxidante e bactericida”.
O “bactericida” significa que ele � capaz de eliminar bact�rias de uma determinada regi�o ou superf�cie.
Por conta dessas caracter�sticas, esse g�s � comumente usado para desinfectar objetos e fazer o tratamento de reservat�rios de �gua, como piscinas.
No contexto de sa�de, os defensores da pr�tica apontam que o g�s poderia ser aplicado diretamente no local afetado ou injetado em partes espec�ficas do corpo, como m�sculos, articula��es, corrente sangu�nea ou pele.
H� tamb�m quem defenda a ozonioterapia retal, em que um cateter � inserido pelo �nus e lan�a o g�s diretamente na por��o final do intestino.
O que dizem as pesquisas?
No mesmo parecer citado anteriormente, a Anvisa pontua que n�o h�, “at� o momento, nenhuma evid�ncia cient�fica significativa de que haja outras aplica��es m�dicas para a utiliza��o de tal subst�ncia nas modalidades de ozonioterapia aplicada em pacientes”.
A ag�ncia aponta que as �nicas indica��es de uso da ozonioterapia “com seguran�a e efic�cia” s�o na �rea da Odontologia, como parte do tratamento das c�ries, da periodontite (inflama��o grave da gengiva), de canais dent�rios e durante a recupera��o de tecidos ap�s cirurgias na boca.
No campo da est�tica, a Anvisa tamb�m diz que esse g�s pode auxiliar na limpeza e na assepsia (elimina��o de bact�rias) da pele.
A Food and Drug Administration (FDA), a ag�ncia regulat�ria dos Estados Unidos, publicou em 2019 um parecer dizendo que “o oz�nio � um g�s t�xico sem nenhuma aplica��o m�dica conhecida como terapia espec�fica, adjuvante ou preventiva”.
“Para o oz�nio ser efetivo como um germicida, ele deve estar presente em uma concentra��o muito maior do que aquela que pode ser tolerada com seguran�a por seres humanos ou animais”, complementa o texto.
A Cochrane Library, uma institui��o internacional que realiza revis�es de evid�ncias sobre diferentes tratamentos, possui uma �nica avalia��o sobre a ozonioterapia. Nela, os autores analisaram se a t�cnica poderia ser utilizada para tratar feridas e �lceras que aparecem nos p�s de indiv�duos com diabetes.
A conclus�o foi a de que n�o h� trabalhos suficientes na �rea. “Com base na baixa e limitada qualidade de informa��es dispon�veis, os revisores n�o s�o capazes de determinar a efetividade da ozonioterapia para tratar �lceras nos p�s de pessoas com diabetes”, diz o texto.
Para que a efic�cia e a seguran�a do oz�nio sejam conhecidas de fato, seria necess�rio que o tratamento fosse avaliado em testes cl�nicos, apontam entidades m�dicas. Neles, a terapia seria comparada com outras op��es dispon�veis ou com placebo (uma subst�ncia ou interven��o sem nenhum efeito).
Os resultados do experimento seriam ent�o publicados em revistas cient�ficas, onde passariam por um processo de revis�o e poderiam ser avaliados, replicados e criticados por especialistas independentes.
Se as conclus�es fossem positivas, as entidades m�dicas teriam mais recursos para indicar (ou n�o) a ozonioterapia como uma op��o contra determinadas enfermidades.
No entanto, entidades nacionais e internacionais apontam que todo esse processo ainda n�o ocorreu com a ozonioterapia — e que os estudos dispon�veis n�o trazem conclus�es suficientemente s�lidas e convincentes.
Em seu site oficial, numa p�gina intitulada “A ozonioterapia � Indicada para que?”, a Associa��o Brasileira de Ozonioterapia (Aboz) alega que “existem diversos estudos cient�ficos e evid�ncias que reafirmam a seguran�a, efetividade e import�ncia” da abordagem.
No mesmo endere�o online, por�m, n�o s�o citadas indica��es terap�uticas espec�ficas, e n�o h� links para pesquisas que corroborem a afirma��o.

M�quinas de oz�nio usadas no Brasil dever�o passar por crivo da Anvisa, estabelece nova lei
Getty ImagesO que dizem as entidades
Em nota oficial publicada em junho de 2022, a Aboz argumenta que a maioria “dos conselhos profissionais j� possuem a terapia devidamente regulamentada, como � o caso da Odontologia, da Fisioterapia, da Enfermagem, da Farm�cia, da Biomedicina, da Biologia e da Medicina Veterin�ria”.
“A �nica exce��o � a Medicina, pois o Conselho Federal de Medicina (CFM) ainda atribui � Ozonioterapia natureza experimental”, diz a nota.
De fato, o uso m�dico da ozonioterapia tem gerado muitos debates e cr�ticas no Brasil nos �ltimos anos.
A Academia Nacional de Medicina, por exemplo, publicou uma carta aberta em 17 de julho pedindo que o presidente Lula vetasse o projeto de lei.
A Associa��o M�dica Brasileira (AMB) tamb�m se posicionou contra a ozonioterapia recentemente.
A entidade lembrou de uma nota de rep�dio publicada em dezembro de 2017 — ano de cria��o do projeto de lei no Senado Federal — assinada por 25 entidades m�dicas nacionais, como as sociedades e associa��es de Neurologia, Infectologia, Psiquiatria, Cancerologia, Pediatria, entre outras.
“N�o h� na hist�ria da Medicina registro de droga ou procedimento contra um n�mero t�o amplo de doen�as”, destaca o texto.
A ozonioterapia � indicada — sem evid�ncias, de acordo com a AMB — contra todos os tipos de diarreia, artrites, hepatites, h�rnias de disco, doen�as de origem infecciosa, inflamat�ria e isqu�mica, autismo, sequelas de c�ncer e de Acidente Vascular Cerebral (AVC).
“Autorizar a oferta da ozonioterapia sem a certeza de sua efic�cia e seguran�a exp�e os pacientes a riscos, como retardo do in�cio de tratamentos eficazes, avan�o de doen�as e comprometimento da sa�de.”
Falando em riscos, a FDA refor�a que o oz�nio � t�xico se usado em altas concentra��es. E isso, claro, pode provocar eventos adversos.
Os mais comuns, ainda segundo a FDA, s�o irrita��o no local onde o g�s foi aplicado. Mas a entidade tamb�m cita relatos de “efeitos fisiol�gicos indesejados no sistema nervoso central, no cora��o e na vis�o”.
“A inala��o de oz�nio pode causar irrita��o dos pulm�es e resultar num edema pulmonar”, acrescenta a ag�ncia regulat�ria americana.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) — o �rg�o respons�vel por regulamentar pr�ticas m�dicas no pa�s — tamb�m mostrou-se contr�rio � ado��o da ozonioterapia pelos profissionais da �rea.
A manifesta��o mais recente da entidade sobre o tema em seu site oficial � de agosto de 2020. Nela, o CFM destaca que a “ozonioterapia n�o � v�lida para nenhuma doen�a, inclusive a covid-19”.
� �poca, defensores da t�cnica defendiam a aplica��o do tal g�s medicinal contra a infec��o causada pelo coronav�rus — a pr�tica de aplicar o “oz�nio retal” foi realizada em alguns hospitais particulares brasileiros, como documentado pela CPI da Covid.
O ent�o presidente do CFM, Mauro Ribeiro, explicou que “com base nos estudos mais recentes e conceituados, o uso da ozonioterapia no tratamento de doen�as n�o oferece aos m�dicos e pacientes a certeza de que � um procedimento eficaz e seguro”.

Oz�nio tamb�m � usado para fazer limpeza de pele em procedimentos est�ticos
Getty ImagesHist�rico recente
A aprova��o da ozonioterapia via projeto de lei se assemelha ao que ocorreu com outro tratamento m�dico em 2016: a fosfoetanolamina, conhecida popularmente como a “p�lula do c�ncer”.
Sem nenhuma evid�ncia de seguran�a e efic�cia, a mol�cula foi objeto de um projeto de lei de autoria do ent�o deputado federal e futuro presidente Jair Bolsonaro (PL).
A meta era disponibilizar a subst�ncia aos pacientes com c�ncer, apesar da posi��o contr�ria de diversas entidades m�dicas e da falta de aprova��o da Anvisa.
A proposta foi aprovada no Congresso Nacional e acabou sancionada pela ent�o presidente Dilma Rousseff (PT).
Naquele mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a decis�o sobre a libera��o da fosfoetanolamina de forma liminar.
Quatro anos depois, em 2020, a Corte derrubou de vez a lei ao julg�-la “inconstitucional”.
O que acontece agora?
Em reportagem publicada no dia 3 de agosto, a BBC News Brasil consultou a Anvisa sobre como seria a aplica��o da lei. Segundo a resposta, n�o haveria mudan�a, na pr�tica: na vis�o do �rg�o, os equipamentos de ozonioterapia autorizados pela Anvisa para uso odontol�gico e est�tico continuariam permitidos apenas para essa finalidade.
“� importante esclarecer que as empresas que, porventura, ensejem a submiss�o de regulariza��o de novos equipamentos emissores de oz�nio com indica��es de uso diferentes daquelas citadas na Nota T�cnica Nº 43/2022 dever�o apresentar estudos cl�nicos com resultados eficazes e seguros a fim de corrobor�-las, conforme disposto na RDC nº 546/2021 e, quando aplic�vel, na RDC nº 548/2021”, disse a Anvisa.
“Assim, somente depois de aprovados junto � Anvisa � que os equipamentos poder�o ser utilizados para outras finalidades”, refor�ou o �rg�o.
J� o advogado e sanitarista Silvio Guidi disse � BBC News Brasil ter leitura diferente. No seu entendimento, a lei d� abertura para que profissionais de sa�de usem os equipamentos j� aprovados pela Anvisa em outros tipos de tratamento complementar.
A expectativa de Guidi, por�m, � que a lei n�o ser� aplicada. O advogado acredita que a lei tende a ser considerada inconstitucional pelo STF, da mesma forma que ocorreu no caso da fosfoetanolamina em 2020.
Para Guidi, apenas o CFM e a Anvisa poderiam ampliar os usos da ozonioterapia no pa�s.
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