Mãos atadas por corrente a bebidas alcoólicas

M�os atadas por corrente a bebidas alco�licas

Imagens Evang�licas / Flickr
O encontro na noite de uma quinta-feira acontece em uma sala nos fundos da igreja na zona leste de S�o Paulo. As paredes est�o pintadas de azul e branco e forradas por diferentes mensagens com um �nico prop�sito: evitar o primeiro gole de bebida alco�lica. Trata-se de uma das dezenas de reuni�es di�rias realizadas por grupos do AA (Alco�licos An�nimos) em todo o pa�s.

A reportagem p�de participar com a condi��o de preservar o anonimato dos participantes -todos os nomes deste texto s�o fict�cios- e acompanhar o encontro do in�cio ao fim.

S�o 20h10 quando todos se sentam depois de tomar um caf� feito por Antenor, um dos coordenadores do dia. O posto � revezado com Alessandro, mas poderia ser ocupado por qualquer participante com mais de 90 reuni�es no grupo.

"Estamos aqui para compartilhar experi�ncias, for�a e esperan�as. N�o somos vinculados a nenhuma religi�o ou partido pol�tico. O que nos une � o desejo de parar de beber e permanecer s�brio", avisa Antenor.

N�o � preciso pagar para participar da reuni�o. Quem deseja contribuir com qualquer quantia para a impress�o dos folhetos, o aluguel da sala e o cafezinho pode fazer isso no intervalo, por volta das 21h. Nesta quinta (25), o valor total arrecadado foi de R$ 24.

Em seguida, todos s�o convidados a ficar de p� para uma ora��o, repetida tamb�m ao fim do encontro, e � lida a reflex�o di�ria, um recorte a partir dos 36 princ�pios do AA.

Come�am ent�o os testemunhos. Ningu�m � obrigado a falar e dois participantes preferem apenas ouvir. Os demais v�o, um a um, para a cadeira posicionada na frente da sala e contam suas hist�rias:

IVAN

"Estou vindo para n�o voltar a beber. Hoje tive um dia de paz, com a fam�lia, que agora � a minha m�e. Antes, eu acordava cedo e a primeira coisa que fazia era atravessar a rua e ir para o bar. Bebia de manh�, de tarde e de noite. Resumi minha vida a um copo de bar.

Com o �lcool, voc� sai de casa sempre para perder: perder a dignidade, a moral, o dinheiro. Minha esposa n�o suportou e nos separamos. Fui morar com a minha m�e e a� a fam�lia viu a gravidade.

Minha m�e come�ou a pedir a Deus para eu mudar de vida e faz dez meses que n�o tenho contato com o �lcool.

Estou feliz com a vida sem ressaca, sem acordar e ter que reparar os danos da noite anterior."

CL�UDIO

"Cheguei � irmandade em 1994.

Tudo � pelo primeiro passo: tem que admitir que � um alco�latra.

Cheguei aqui com o comportamento de culpa e sabia que era culpa minha. Cheguei aqui desacreditado, prepotente. Quem vinha me ajudar na rua eu xingava. Toler�ncia foi algo que aprendi aqui. Sou muito grato ao AA. Hoje, ando com dignidade.

N�o era para eu estar sentado aqui. Era para estar no cemit�rio. S� n�o perdi a vida porque Deus foi benevolente comigo. Tomava tr�s garrafas e fumava 20 baseados por dia.

Quero mostrar para os novatos que funciona. Sempre falo para eles: 'Fica porque funciona'."

EVANDRO

"Estou feliz porque cheguei � irmandade achando que tinha perdido tudo.

Bebia de manh�, de tarde e de noite, de domingo a domingo. Isso teve consequ�ncias na minha vida familiar, no trabalho. Eu n�o parava em trabalho nenhum. Hoje, sou consciente da minha doen�a.

Cheguei [ao AA] em agosto de 2008. Chegar, ficar, aprender a ver, a ouvir. Foram 32 anos de bebedeira, dos 17 aos 49.

Cheguei aqui com vergonha, e a� vem a import�ncia do anonimato. Aqui me senti inclu�do. Eu era exclu�do de tudo. At� em eventos familiares eu afastava as pessoas.

Em 2008, minha esposa me p�s para fora de casa. O AA mudou meu modo de pensar. Ainda tenho um certo tipo de nervosismo, mas estou tentando melhorar. A doen�a est� estacionada.

Aceitei minha impot�ncia diante da bebida. Me considero um felizardo por n�o estar bebendo."

ALESSANDRO

"Sou um alco�latra em recupera��o. Passei a beber na adolesc�ncia. Comecei a trabalhar muito cedo e achava que era independ�ncia.

Fui fuzileiro naval. Fiquei cinco anos na Marinha e n�o tive capacidade de estudar para subir de patente porque dava prefer�ncia ao �lcool.

Meus filhos foram crescendo e eu n�o vi. Digo que terminei minha adolesc�ncia aos 56 anos, quando cheguei ao AA, h� dez anos. Aqui fiquei sabendo que era doen�a.

Como comecei na adolesc�ncia, minha forma��o ficou abalada, meu car�ter. Eu tinha os famosos apagamentos e era horr�vel. Um dia, minha irm� veio a uma reuni�o e ela lembrava, mas eu n�o.

A culpa faz a gente beber mais. Aqui, vamos nos esvaziando desse entulho. Quando cheguei, eu s� chorava. Demorei dois meses para come�ar a falar.

O AA foi minha Mega-Sena. Reaprendi a sentir o prazer de tomar um copo d’�gua, de comer um p�o com manteiga de manh�.

Ficou muito sonho pelo caminho, como ser advogado, mas recuperei parte da minha vida."

ANTENOR

"Vim pela dor. Eu n�o tinha um pingo de vontade de parar. Eu gostava de beber, as perdi a cria��o dos meus filhos -e isso eu n�o recupero mais.

Cheguei ao AA com 47 anos. Hoje, estou com 72 e mais novo do que era quando cheguei. Era uma ter�a-feira. Vim na ter�a, na quinta, no s�bado e na outra ter�a j� n�o tinha vontade de beber.

Minha primeira bebedeira foi com 16 anos, mas o alcoolismo veio mesmo com 24, 26. Ent�o, quando vejo pessoas novas, falo: 'Fique, porque voc� n�o precisa passar por tudo que passei'.

O alcoolismo � uma doen�a. Se voc� n�o perdeu, vai perder o emprego, o casamento, a fam�lia.

Eu acho que reconquistei meus filhos, a fam�lia. Ser� que reconquistei mesmo? Sempre fico com essa d�vida. Eu machuquei muito a minha fam�lia...

Hoje, na pra�a em frente de casa, vejo moleque de 14 anos com cop�o de bebida na m�o. Penso em conversar, mas ele vai responder: 'Voc� bebeu para caramba e agora vem falar para eu n�o beber?'. Por isso, precisamos da divulga��o por terceiros: postos de sa�de, escolas e voc�s da imprensa."