Criança encarando óculos

Dist�rbio aparece cada vez mais cedo em crian�as, diz oftalmologista

Jo�dson Alves/ Ag�ncia Brasil


Em 2020, cerca de 30% da popula��o mundial era diagnosticada com miopia, sendo que apenas 4% eram classificados como altos m�opes – pacientes que superam 5 graus. As proje��es, entretanto, indicam que, em 2050, em torno de 50% da popula��o global ser� considerada m�ope, e 10%, altos m�opes. A preocupa��o dos oftalmologistas vai al�m da simples dificuldade dos pacientes em enxergar de longe, j� que a miopia est� fortemente associada a doen�as oculares graves, como o glaucoma e o descolamento de retina, que podem levar � cegueira. 

 

Em entrevista � Ag�ncia Brasil, o diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, Ian Curi, detalhou especificamente o aumento no diagn�stico de miopia em crian�as e sua rela��o direta com o tempo de tela – sejam smartphones, tablets ou televisores. Curi alerta para os casos da chamada miopia precoce, quando os sinais do dist�rbio aparecem at� mesmo em menores de 5 anos, mas deveriam ser observados somente no in�cio da adolesc�ncia.

 

Para o especialista, a m�xima insistentemente repetida no passado permanece na atualidade: o tempo de tela deve, sim, ser monitorado na inf�ncia – quanto mais longe do dispositivo eletr�nico, melhor. 

 

Curi aponta ainda para outro fator fortemente associado � miopia infantil: o confinamento. Segundo o m�dico, crian�as que n�o s�o frequentemente expostas a ambientes externos naturalmente iluminados t�m maior risco de desenvolver o dist�rbio. Como a miopia tende a crescer at� se estabilizar, por volta dos 20 anos, quanto mais precoce � o diagn�stico, maior a chance da crian�a se tornar um adulto que ter� de lidar com as doen�as associadas e a possibilidade de cegueira. Mesmo a cirurgia refrativa para corre��o de grau n�o ajuda por completo, j� que a vis�o melhora, mas os riscos de quadros correlacionados se mant�m.  

 

Eis os principais trechos da entrevista: 

Existe um aumento no n�mero de crian�as diagnosticadas com miopia nos consult�rios de oftalmologia – inclusive entre as crian�as que n�o t�m o tra�o gen�tico?  

 

Existe um aumento dessa preval�ncia, sim. � um fen�meno global. Existem, al�m da gen�tica, fatores comportamentais e ambientais que podem levar a esse aumento. O n�mero de horas e a utiliza��o da vis�o de perto, principalmente por meio de celulares e tablets e demais aparelhos eletr�nicos port�teis, realmente est�o associados ao desenvolvimento de miopia mais precoce e tamb�m � progress�o do grau daqueles pacientes que j� t�m o diagn�stico.  

 

O que seria considerado desenvolvimento precoce da miopia? 

 

Aqueles graus de miopia baixos, em geral, surgem no in�cio da adolesc�ncia, com 11 ou 12 anos. Eles come�am com um grau baixo e v�o, ao longo da adolesc�ncia,  desenvolver uma progress�o leve e terminar com graus relativamente baixos a moderados, ou seja, s�o pacientes que n�o v�o desenvolver alta miopia. Mas a gente tem crian�as desenvolvendo miopia hoje com quatro, cinco, seis anos de idade. E, quanto mais precoce o in�cio da miopia, mais chance dessa miopia ser muito alta. Al�m de fatores gen�ticos, que infelizmente n�o s�o modific�veis, isso est� associado a fatores ambientais como o uso de telas em excesso. 

 

Outro fator que contribui para isso � o confinamento. Crian�as que n�o se exp�em a ambientes externos, amplos, iluminados pela luz do dia tamb�m desenvolvem mais miopia. Ent�o, uma receita pra fazer com que as crian�as n�o desenvolvam miopia ou n�o progridam tanto em grau seria o menor uso de eletr�nicos port�teis e maior tempo de exposi��o a atividades ao ar livre na claridade natural do dia, que funciona como um elemento protetor. 

 

No caso da miopia, quanto mais cedo ela aparece, maior a chance de atingir altos graus na vida adulta? Quando o quadro se estabiliza? 

 

Quanto mais precoce o in�cio da miopia, maior ser�, provavelmente, o grau final. O grau de miopia progride at� entre os 19 e os 20 ou 21 anos de idade. De maneira geral, se voc� come�a muito precocemente, voc� tem muitos anos pela frente para subir aquele grau. A sua chance de atingir alta miopia, graus acima de 5, e acabar tendo outras doen�as associadas � alta miopia aumenta muito. 

 

diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, Ian Curi

O diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, Ian Curi, defende a redu��o da exposi��o �s telas de dispositivos para prevenir a miopia em crian�as

Arquivo Pessoal
Alguns especialistas recomendam que, se os pais tiverem de escolher um tipo de tela a ser utilizada pela crian�a, que seja a maior poss�vel. Funciona? 

 

Na verdade, isso tem a ver com a dist�ncia. No caso de telas maiores, voc� tende a coloc�-la a dist�ncias maiores. Quanto mais pr�ximo aos olhos, maior a influ�ncia para o desenvolvimento da miopia. A gente tem que priorizar telas que fiquem distantes dos olhos. A televis�o, nesse sentido, n�o � t�o mal�fica quanto o celular, que fica muito mais pr�ximo. Temos at� escolas na parte oriental do globo, na �sia, que desenvolveram mecanismos pra fazer com que as crian�as n�o trabalhem t�o perto, nem do papel, nem das telas. Eles colocam verdadeiros anteparos para fazer com que a crian�a mantenha dist�ncia da tela. Essas escolas tamb�m est�o fazendo aumento das janelas, redu��o do n�mero de cortinas, para que entre a claridade natural do dia dentro das salas de aula. 

 

Aquelas broncas que a gente costumava escutar da m�e e da av�, pedindo que fic�ssemos longe da televis�o, continuam valendo, ent�o? 

 

Sim. E ainda tem outra coisa: as av�s tamb�m falavam que a leitura em luz muito baixa tamb�m parece estar envolvida na progress�o da miopia. A av�, quando reclamava que o menino estava lendo com luz baixa ou pouca luz, tinha raz�o, como quase sempre as av�s t�m. Esta � outra recomenda��o: a leitura deve ser feita em ambientes claros e iluminados, n�o em luz baixa. 

 

Qual a orienta��o da Sociedade Brasileira de Oftalmologia quanto � frequ�ncia com que a crian�a deve ser avaliada por um especialista? 

 

Considerando crian�as saud�veis, sem queixas, para exame de rotina, a recomenda��o �, quando poss�vel, que passem pelo primeiro exame entre 6 meses e o primeiro ano de vida. Depois, h� um exame fortemente recomendado entre tr�s anos e cinco anos de vida, mas preferencialmente aos tr�s anos. Nessa fase, � poss�vel detectar situa��es precocemente, e os tratamentos acabam sendo mais eficazes. A crian�a em desenvolvimento responde muito melhor ao desenvolvimento do que crian�as com mais idade. 

Leita tamb�m: Crian�as viciadas em telas e sem contato humano ser�o uma gera��o de conformistas, diz soci�loga francesa

 

Quais os sinais aos quais os pais devem ficar atentos? 

 

Em rela��o especificamente � miopia, o grande sinal � a dificuldade para enxergar de longe. A miopia provoca uma dificuldade na vis�o de dist�ncia. Ent�o, a aproxima��o do objeto de interesse � um grande sinal, mas h� crian�as que espremem os olhos, que co�am os olhos excessivamente quando demandam alguma aten��o visual. Outros sinais para doen�as oftalmol�gicas que s�o importantes s�o o desenvolvimento de estrabismo ou desvio ocular, olhos vermelhos. A orienta��o � levar a crian�a rapidamente ao oftalmologista. 

 

Existe algum tipo de regula��o do tempo de tela permitido para cada faixa et�ria da inf�ncia? 

 

De maneira geral, dados das sociedades de pediatria recomendam que, at� os dois anos, a crian�a n�o tenha nenhum contato com dispositivos eletr�nicos, a n�o ser em situa��es que sejam de intera��o social com uma fam�lia que mora longe. Aquela crian�a pode fazer uma chamada de v�deo com os av�s, por exemplo. Mas, como regra geral, antes dos dois anos, � contato zero com telas, porque isso n�o s� prejudica os olhos, quando introduzido precocemente, como tamb�m interfere no desenvolvimento cognitivo da crian�a. O desenvolvimento cerebral � negativamente impactado quando a crian�a se exp�e muito precocemente � tela. Entre dois e cinco anos, a gente j� permite uma hora por dia de contato com a tela. Dos seis aos 10 anos, entre uma e duas horas, aproximadamente, e sempre com o controle de conte�do por parte dos pais.

 

Hoje, ao contr�rio do que existia na gera��o anterior, os pais m�opes n�o tiveram a oportunidade de nenhum tratamento contra a progress�o da miopia. Hoje, uma pessoa com 35 anos e � m�ope n�o se submeteu a nenhum tratamento para essa miopia. Ela ia ao oftalmologista, ele ia aumentando o grau dos �culos at� que esse grau estacionava – �s vezes, em graus muito elevados. A novidade � que, nos �ltimos anos, temos tratamentos para diminuir a progress�o da miopia. Quando h� uma crian�a que come�a com um quadro de miopia, e ela est� progredindo, existem alguns tipos de tratamento que fazem com que a subida ou ascens�o desse grau seja mais lenta. Somos capazes de lentificar a subida do grau em torno de 60% a 70%. Isso vai impactar, obviamente, no grau final. As crian�as que s�o tratadas progridem menos e terminam com graus menos elevados. Com isso, temos, ao final, crian�as com menos doen�as oculares como glaucoma, degenera��es da m�cula e descolamento de retina, doen�as muito graves que s�o associadas � alta miopia. 

 

Existe possibilidade de quadros de miopia retrocederem? Em casos de interven��o cir�rgica, por exemplo? 

 

 A miopia praticamente nunca reduz. A tend�ncia � sempre o aumento, durante a inf�ncia e a adolesc�ncia. Existe o pensamento popular de n�o se preocupar muito com o aumento do grau porque depois, quando adulta, a crian�a pode ser operada. � o que a gente chama de cirurgia refrativa para corre��o do grau. No entanto, vale uma ressalva: a miopia ocorre pelo crescimento do globo ocular. Quanto mais ele cresce, mais o grau de miopia sobe. � uma rela��o proporcional. E � justamente esse tamanho excessivo do olho que gera os problemas oftalmol�gicos associados � miopia, o descolamento de retina, as doen�as maculares. 

 

Quando voc� faz a cirurgia do grau, voc� n�o modifica o tamanho do globo ocular. Voc� simplesmente faz uma altera��o na superf�cie dos olhos para que o grau seja modificado. Mas o tamanho do globo ocular, que foi atingido durante a inf�ncia e a adolesc�ncia com o crescimento da miopia, n�o � modificado. Se voc� tem, como exemplo, uma pessoa com 10 graus de miopia e, por isso, tem um globo ocular muito mais comprido que o habitual, se ela � submetida a uma cirurgia refrativa, e o grau fica zerado, o tamanho do globo ocular n�o � modificado e ela continua correndo os mesmos riscos de uma pessoa que tem 10 graus de miopia. 

 

� por isso que a gente tem que batalhar nas causas, para fazer com que as crian�as atinjam graus menos altos de miopia no fim da adolesc�ncia. A cirurgia n�o resolve o problema. H� certas modalidades de tratamento, como um col�rio com medicamento antiprogress�o, lentes de contato especiais que trabalham contra a progress�o da miopia, lentes de �culos que tamb�m atuam nesse sentido.