Folha de cannabis

Empresas e associa��es estimam que cerca de 5.000 pessoas fa�am uso medicinal de flores de maconha no Brasil, importadas por meio da resolu��o 660 (RDC 660) da Anvisa, de 2022

Pf�deri/Pixabay


Pacientes que fazem tratamento com flores de Cannabis no Brasil para amenizar sintomas de doen�as como c�ncer, epilepsia, mal de Parkinson, esclerose e fibromialgia est�o numa corrida contra o tempo. Eles foram pegos de surpresa, em julho passado, pela nota t�cnica da Ag�ncia de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) que proibiu a importa��o de flores de maconha para fins medicinais e deu prazo de 60 dias para as �ltimas importa��es. A data limite de postagem de produtos importados ao pa�s � o pr�ximo dia 20, quarta-feira, o que gerou corre-corre de pacientes, uma avalanche de pedidos nas importadoras e ainda questionamentos na Justi�a.

"Quando soube da not�cia, tive uma crise de p�nico", afirma o cen�grafo e DJ Fabrizio Pepe, 34, que tem de fibromialgia e, desde janeiro, faz uso de tr�s tipos de flores de c�nabis importadas da Calif�rnia e vaporizadas para o controle de dores e efeitos colaterais. "As flores s�o como um analg�sico de efeito imediato, e tamb�m melhoraram meu sono, que era horr�vel por causa da rigidez muscular provocada pela dor", afirma, ressaltando que as flores t�m zero ou baix�ssima concentra��o de THC (tetrahidrocanabinol), respons�vel pelo efeito psicotr�pico da planta Cannabis.

 

Quando suas �ltimas flores desembarcarem no pa�s, seu progn�stico � retomar os medicamentos convencionais que havia abandonado. "� tudo o que eu n�o queria porque o rem�dio para dor leva ao rem�dio para a depress�o e a outro para dormir", relata. Outros pacientes que usam flores vaporizadas agora temem ter que buscar alternativas de tratamento, seja nas prateleiras das farm�cias ou no mercado ilegal de drogas.

 

Empresas e associa��es estimam que cerca de 5.000 pessoas fa�am uso medicinal de flores de maconha no Brasil, importadas por meio da resolu��o 660 (RDC 660) da Anvisa, de 2022. N�o h� dados oficiais.

 

A norma permite que pacientes cadastrados na ag�ncia importem produtos com THC e com CBD (canabidiol) mediante prescri��o m�dica e a assinatura de termo de esclarecimento e responsabilidade sobre a aus�ncia de seguran�a e de comprova��o cient�fica da efic�cia dos produtos para tratamentos.

 

O argumento da falta de evid�ncias, que vale para a quase todos os produtos derivados da Cannabis importados via RDC 660, foi apresentado pela Anvisa como uma das justificativas para o recente veto apenas � importa��o de flores. Para a ag�ncia, neste caso, h� "alto potencial de desvio para fins il�citos".

 

A ag�ncia tem respondido a a��es na Justi�a com registros de propagandas irregulares de flores de maconha, que � um produto controlado, e de promo��es de empresas do setor que prometem "legalizar" o consumo de flores de maconha por meio da obten��o de receitas m�dicas.

 

Um caso emblem�tico foi o da empresa The Hemp Complex, que tem como um dos s�cios o rapper Marcelo D2, ex-Planet Hemp, e que lan�ou em julho passado uma campanha cujo slogan era "Bora ficar legal". Poucos dias depois, a Anvisa publicou a nota proibindo a importa��o de flores. Kennedy Filho, CEO da Just Hemp, que comercializa �leos e cremes de cannabis e tamb�m importava flores para fins medicinais at� a proibi��o, afirma que era sabido que algumas empresas praticavam irregularidades. "Mas � triste ver que, no lugar de criar regras e conter abusos, a Anvisa tenha adotado uma medida arbitr�ria que prejudica pacientes."

 

O neuropediatra Eduardo Faveret explica que a vaporiza��o de flores de maconha � um complemento importante ao tratamento com �leos de cannabis, via oral, cujo efeito demora para ocorrer. "A vaporiza��o � muito adequada como via de urg�ncia, nos momentos de agudiza��o de dores e ansiedades", afirma. "Em compara��o com a administra��o via oral, a via inalat�ria gera n�veis de tr�s a cinco vezes maiores de concentra��o dos princ�pios ativos no sangue do paciente. A vantagem � a rapidez do efeito e sua dura��o mais curta."

Caroline Heinz, CEO e fundadora da Flowermed, que afirma atender a 2.600 pacientes na importa��o de flores, contesta os argumentos da Anvisa para a proibi��o. "A Anvisa n�o provou que houve desvio dos produtos nem que a forma vaporizada de administra��o da cannabis n�o tem evid�ncia cient�fica."

"Muitas empresas que investiram na comercializa��o de �leo em farm�cias [permitida pela RDC 327 e que requer grandes investimentos] estavam incomodadas com o volume de vendas das empresas que trabalhavam com a importa��o de flores de c�nabis", diz.

N�o existem dados oficiais sobre o volume de importa��o de flores de maconha medicinal, cujas autoriza��es cresceram mais de 90 vezes em sete anos. Em 2015, primeiro ano da importa��o de produtos � base de maconha medicinal, a Anvisa autorizou 850 importa��es. Em 2022, foram 79.995.

A Anvisa n�o respondeu aos questionamentos da reportagem sobre eventuais press�es de empresas do setor de �leo de maconha. Em nota, a ag�ncia informou que o conceito de produto � base de Cannabis est� regulamentado na RDC 327 e que a "normativa sanit�ria veda o uso sob a forma de droga vegetal ou suas partes". A nota n�o explica por que, ent�o, flores eram importadas at� julho passado.

Para o advogado Em�lio Figueiredo, pioneiro no pa�s no uso de habeas corpus para garantir o cultivo pessoal para uso medicinal, a decis�o da Anvisa de proibir flores de c�nabis "fortalece as empresas que vendem o produto na forma �leo e que vinham sentindo um crescimento abaixo do esperado por conta do sucesso das flores importadas".

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Em nota, a BRcann (Associa��o Brasileira das Ind�strias de Canabinoides), que re�ne empresas do setor dedicadas � produ��o de �leo para venda em farm�cia, nega eventuais press�es na Anvisa e diz que apoia a decis�o da ag�ncia por consider�-la "uma rea��o taxativa contra o uso indevido" da RDC 660.

A Associa��o Brasileira de Apoio Cannabis Esperan�a (Abrace), primeira institui��o do pa�s a obter autoriza��o judicial, em 2017, para cultivar maconha para fins medicinais, diz que vai recorrer aos tribunais mais uma vez, agora para poder oferecer flores aos seus associados. A proposta � limitar o fornecimento de flores somente para pacientes com c�ncer, epilepsias, doen�as neurop�ticas, Parkinson, S�ndrome de Tourette e transtorno de ansiedade generalizada.

 

"Nossa miss�o � lutar para que os pacientes tenham acesso a tratamento, n�o importa se � flor, se � pomada, se � �leo. A dor n�o pode esperar", diz Cassiano Gomes, fundador e diretor-executivo da Abrace, que tem 40 mil associados.

 

Catarina Leal, 41, tem c�ncer metast�tico nos ossos e diz precisar da planta. "A quimioterapia dificulta a alimenta��o e a vaporiza��o melhora o meu apetite."

"O �leo, al�m de demorar para fazer efeito, �s vezes provoca efeitos g�stricos indesej�veis. Eu n�o fa�o uso recreativo, � uma necessidade", afirma ela, para quem a nega��o do tratamento vai empurrar as pessoas para o mercado ilegal.