Pesquisa também indica maior probabilidade de casos de obstrução intestinal e paralisia estomacal. Autores lembram que os efeitos são raros

Pesquisa tamb�m indica maior probabilidade de casos de obstru��o intestinal e paralisia estomacal. Autores lembram que os efeitos s�o raros

(Reprodu��o/Freepik)

Popularizadas como uma alternativa simples para a perda de peso, as chamadas canetas emagrecedoras, como Ozempic, Wegovy, Rybelsus e Saxenda, s�o associadas a uma maior possibilidade de ocorr�ncia de graves problemas gastrointestinais. � o que aponta o primeiro grande estudo epidemiol�gico sobre esse tipo de efeito causado pelas subst�ncias originalmente criadas para tratar o diabetes. Segundo a pesquisa, h� um risco 9,09 vezes maior de pancreatite em indiv�duos que usam rem�dios � base de semaglutida ou liraglutida, comparados a quem utiliza bupropiona-naltrexona, normalmente dispon�veis em comprimidos e prescrito para diversas quest�es de sa�de, incluindo o emagrecimento.

De acordo com a pesquisa — publicada, nesta quinta-feira (05/10), na revista Journal of the American Medical Association (Jama) —, as famosas canetas tamb�m foram associadas a um risco 4,22 vezes maior de obstru��o intestinal e 3,67 vezes maior de paralisia estomacal. Embora estudos anteriores tenham destacado algumas dessas complica��es em pacientes com diabetes, esse foi o primeiro grande trabalho a examinar eventos gastrointestinais adversos em n�o diab�ticos que usam essas drogas especificamente para perda de peso. "Diante desses resultados, aqueles que desejam tomar esses medicamentos devem avaliar cuidadosamente os riscos em compara��o com os benef�cios", afirma Mahyar Etminan, autor s�nior do trabalho e professor da Universidade da Col�mbia Brit�nica, no Canad�.

Rodrigo Moreira, diretor do Departamento de Diabetes Mellitus da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), explica que a semaglutida e a liraglutida s�o medicamentos da classe chamada an�logos ao GLP-1, horm�nio naturalmente produzido pelo corpo. "Toda vez que comemos, o intestino produz uma subst�ncia chamada GLP-1, que vai para o c�rebro e sinaliza a ele que o est�mago est� cheio. Ent�o, � o horm�nio que d� saciedade, que tira a fome. Ele tamb�m age no est�mago, diminuindo a velocidade que ele se esvazia, e tem fun��o no intestino", detalha.

O m�dico conta que essas subst�ncias agem ainda no p�ncreas, melhorando as fun��es do �rg�o, principalmente a de secre��o de insulina. Por isso, os an�logos ao GLP-1 foram estudados para tratar o diabetes e, posteriormente, para a obesidade. "Como tinham resultados muito bons para perda de peso, os cientistas avaliaram seu desempenho em indiv�duos sem diabetes. Essas drogas se tornaram populares para perda de peso ap�s devidamente estudadas e aprovadas como medicamentos para o tratamento da obesidade", completa.

Por�m, devido ao pequeno tamanho das amostras e aos curtos per�odos de acompanhamento, os ensaios cl�nicos n�o foram projetados para avaliar problemas gastrointestinais graves, indica o trabalho publicado, ontem, na revista Jama. Para avaliar essa quest�o, os cientistas da Col�mbia Brit�nica examinaram registros de pedidos de seguros de sa�de de cerca de 16 milh�es de pacientes nos EUA. Desse total, analisaram 4.144 usu�rios de liraglutida, 613 de semaglutida e 654 de bupropiona-naltrexona considerando a ocorr�ncia dos problemas gastrointestinais e o tipo de rem�dio usado. Descobriram que os riscos de efeitos adversos eram muito maiores para quem utilizava semaglutida e liraglutida.

A equipe relatou um risco 9,09 vezes maior de pancreatite, ou inflama��o do p�ncreas, que pode causar fortes dores abdominais e, em alguns casos, exigir hospitaliza��o e cirurgia. No caso da obstru��o intestinal, as complica��es comuns s�o c�licas, distens�o abdominal, n�useas e v�mitos. J� a gastroparesia, tamb�m conhecida como paralisia estomacal, limita a passagem dos alimentos do est�mago para o intestino delgado. O estudo tamb�m constatou maior incid�ncia de doen�a biliar, mas a diferen�a n�o foi estatisticamente significativa.

Apesar dos resultados indicarem alta vulnerabilidade, Fernando Gerchman, diretor do Departamento de Obesidade da SBEM, pondera que � necess�rio avaliar os casos particularmente. "Quando a pessoa tem obesidade m�rbida, com um IMC de 40 ou mais, existe uma taxa de mortalidade de 50%. Ent�o, quando discutimos com o paciente sobre o uso de uma medica��o dessas, h� uma grande indica��o, pois a pessoa tem um risco em dois de morrer. Quando tem uma boa indica��o e o modo de uso correto, o paciente se beneficia duas vezes", contextualiza.

Primeiro autor do estudo, Mohit Sodhi tamb�m enfatiza, em nota, a import�ncia dessa an�lise individualizada. "O c�lculo de risco ser� diferente dependendo se o paciente est� usando esses medicamentos para diabetes, obesidade ou apenas para perda geral de peso. As pessoas que s�o saud�veis podem estar menos dispostas a aceitar esses eventos adversos potencialmente graves."

Tratamento deve ser acompanhado

A partir dos resultados relacionando efeitos gastrointestinais graves e o uso da semaglutida ou da liraglutida, os pesquisadores da Universidade da Col�mbia Brit�nica esperam que as ag�ncias reguladoras e os fabricantes dessas subst�ncias considerem a atualiza��o dos r�tulos de advert�ncia, que, atualmente, n�o incluem o risco de gastroparesia. "Essa � uma informa��o cr�tica que os pacientes devem saber para que possam procurar atendimento m�dico em tempo h�bil e evitar consequ�ncias graves", refor�a, em nota, Mohit Sodhi, primeiro autor do estudo.

Jo�o Lindolfo Borges, endocrinologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, conta que o primeiro passo para um melhor controle dessas drogas foi dado. "A Food and Drug Administration (FDA), ag�ncia reguladora dos Estados Unidos, tomou a iniciativa de atualizar o r�tulo do medicamento Ozempic, produzido pela Novo Nordisk, para incluir um alerta relacionado a relatos de obstru��o intestinal", conta. Para ele, o mundo caminha rumo a uma crise relacionada ao uso desenfreado e inadequado desses rem�dios. "Esse cen�rio j� existe. O que vemos muito hoje � a n�usea e constipa��o pelo uso sem orienta��o m�dica dessas drogas."

Os investigadores afirmam que, embora os eventos sejam raros, a grande quantidade de pessoas, milh�es em todo o mundo, que utilizam os medicamentos pode fazer com que centenas de milhares de pacientes enfrentem essas condi��es. "Esses rem�dios est�o se tornando cada vez mais acess�veis, e � preocupante que, em alguns casos, as pessoas podem simplesmente ficar on-line e encomend�-los sem ter uma compreens�o completa do que poderia acontecer", afirma Sodhi.

Cristiane Moulin, endocrinologista e doutora em obesidade pela Universidade de S�o Paulo (USP), pontua que todo tratamento tem efeitos colaterais, e que, no caso da semaglutida ou da liraglutida, eles s�o raros. "Se temos cada vez mais pessoas que utilizam a medica��o, tendem a aparecer mais casos, especialmente porque a preval�ncia de excesso de peso s� aumenta no mundo todo. Mas precisamos lembrar que essas s�o medica��es para manejo de uma doen�a, a obesidade, que est� associada a mais de 200 comorbidades", pondera.

A especialista refor�a que o uso das canetas emagrecedoras deve ser indicado e acompanhado da maneira correta para gest�o das vantagens e desvantagens. "Todo tratamento tem riscos e benef�cios e, por isso, h� necessidade de consultar um profissional capacitado, que vai avaliar cada caso individualmente. Esses rem�dios s�o indicados para pessoas com excesso de peso, comorbidades ou pessoas com obesidade. A grande preocupa��o em rela��o a essas medica��es � que elas, muitas vezes, s�o utilizadas sem acompanhamento m�dico e, inclusive, por pessoas que n�o t�m indica��o de uso."

Palavra de especialista: Falta fiscaliza��o

 "Essas medica��es s�o indicadas para o manejo de diabetes e obesidade, e essa abordagem � realizada em um contexto em que o paciente n�o respondeu � mudan�a de estilo de vida e requer o tratamento farmacol�gico. Acredito que o que est� faltando no Brasil � uma fiscaliza��o mais adequada em rela��o � venda dessas medica��es nas farm�cias. Me parece que esse monitoramento � superficial e o uso est� sendo feito em alta quantidade. Muitas vezes, a utiliza��o � realizada pelo paciente sem orienta��o m�dica. A partir disso, podemos ter um risco maior de efeitos adversos. O uso sem indica��o m�dica pode aumentar o risco de problemas de sa�de, temos que levar isso em conta como qualquer outra medica��o para qualquer outra doen�a n�o � s� para obesidade."

Fernando Gerchman, diretor do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e metabologia