
O Minist�rio da Fazenda trabalha para come�ar a taxar o setor de sites de apostas esportivas, que vivem um boom de crescimento no Brasil desde 2018, quando foram liberados a operar no pa�s e passaram a patrocinar quase todos os principais times de futebol, masculinos e femininos.
Ao contr�rio do que o senso comum pode imaginar, a not�cia foi bem recebida no setor de jogos, que h� d�cadas tenta legalizar e ampliar o mercado privado de apostas no pa�s. Isso porque a taxa��o vir� junto com a regulamenta��o do servi�o, o que trar� mais seguran�a jur�dica e potencial de neg�cios, dizem representantes do setor ouvidos pela BBC News Brasil.
Embora uma lei do final de 2018 tenha passado a permitir esse neg�cio, a regulamenta��o do mercado ainda n�o saiu do papel. Sem regras claras, as empresas t�m operado esses sites de fora do Brasil, livres de impostos locais.
A estimativa do portal BNL Data, especializado no mercado de jogos, � que esse segmento fature R$ 12 bilh�es em 2023, um aumento de 71% ante os ganhos de 2020 (R$ 7 bilh�es).Segundo o fundador do portal e presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, Magno Jos� Santos, o valor total movimentado nos sites com recebimento e pagamento das apostas esportivas � muito maior, girando na casa de R$ 100 bilh�es.
"Na verdade, (o an�ncio da taxa��o) n�o desagrada nem um pouco. O setor tem aguardado ansiosamente a regulamenta��o da atividade no Brasil j� h� mais de quatro anos. Foi uma frustra��o muito grande o fato de isso n�o ter sido regulamentado no ano passado, antes da Copa do Mundo", disse � BBC News Brasi o advogado Luiz Felipe Maia, especialista no setor.
"As empresas que eu represento est�o ansiosas para ver o mercado brasileiro regulamentado, para poderem operar localmente, pagar impostos e gerar empregos no Brasil", refor�ou.
Proibi��o a jogos de azar come�ou em 1946
O mercado de jogos de azar foi proibido no Brasil em 1946, no governo de Eurico Gaspar Dutra, sob o argumento de que seria algo nocivo � moral e aos bons costumes. At� ent�o, cassinos operavam no Brasil e eram locais populares de entretenimento, com oferta de shows e restaurantes.
Isso n�o impediu, por�m, a exist�ncia de pr�ticas ilegais no pa�s, como o Jogo do Bicho e as m�quinas ca�a-n�queis, muitas vezes controladas por grupos criminosos violentos. J� os bingos n�o s�o permitidos hoje, mas houve momentos em que foram liberados, nos anos 90.
Uma exce��o � proibi��o criada por Dutra que perdura h� d�cadas s�o os jogos lot�ricos, que eram operados com exclusividade pela Caixa Econ�mica Federal desde 1961. A partir de 2020, por�m, passaram a ser oferecidos por governos estaduais e municipais, ap�s o Supremo Tribunal Federal acabar com o monop�lio da Uni�o.
J� uma lei aprovada em 2018, no governo de Michel Temer, permitiu a opera��o dos sites de apostas esportivas, abrindo uma fatia do mercado para empresas privadas. No entanto, a regulamenta��o dessa ind�stria emperrou no governo Jair Bolsonaro, embora a pr�pria lei previsse que ela deveria ter sido adotada at� 2022.
O setor atribui o atraso na regulamenta��o � oposi��o de grupos conservadores, em especial o segmento evang�lico, que era bastante ouvido pelo ex-presidente.
O tema voltou a andar no novo governo, ansioso por novas fontes de arrecada��o para bancar o aumento de gastos sociais e obras, prometido pelo presidente Luiz In�cio Lula da Silva.

O Minist�rio da Fazenda ainda est� fechando os detalhes de como funcionaria essa arrecada��o, para enviar uma proposta ao Congresso. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ao portal UOL que a arrecada��o pode ficar entre R$ 2 bilh�es e R$ 6 bilh�es.
A ideia em discuss�o � criar uma taxa sobre os ganhos das empresas e um tributo sobre os ganhos do apostador. Al�m disso, o governo arrecadaria com a venda de licen�as para as empresas poderem operar. Discute-se cobrar R$ 30 milh�es pelo direito de operar por cinco anos.
O setor se divide sobre esses valores. Para o advogado Felipe Maia, seria mais adequado um valor mais baixo, como R$ 5 milh�es, para atrair um n�mero maior de empresas para a legalidade.
J� o empres�rio Andr� Feldman, presidente da rec�m-criada Associa��o Nacional de Jogos e Loterias, prefere um valor maior, justamente para que o mercado n�o tenha um n�mero muito grande de sites. Por outro lado, ele defende que a licen�a dure dez anos em vez de cinco, para aumentar o horizonte de planejamento do investimento.
"Eu acho que quanto mais alta a r�gua, melhor. Mais f�cil para o governo fiscalizar e arrecadar. Eu prefiro trabalhar num universo de cem, duzentas empresas, do que duas mil", ressalta.
"Para o empres�rio correto, com o tamanho do mercado, o valor da outorga � o que menos interessa", disse ainda.
O setor tamb�m espera que a regulamenta��o aumente a fiscaliza��o e controle contra manipula��es de apostas, algo que causa preju�zos financeiro e reputacional �s empresas.
Em fevereiro, o Minist�rio P�blico do Estado de Goi�s (MP-GO) realizou a opera��o "Penalidade M�xima" contra uma associa��o criminosa que teria manipulado resultados de jogos da rodada final da S�rie B do Campeonato Brasileiro do ano passado, com objetivo de lucrar com apostas em sites esportivos.
No esquema descoberto, jogadores de ao menos tr�s times receberiam R$ 150 mil para cometer p�naltis no primeiro tempo da partida. Um deles, por�m, n�o foi escalado e tentou convencer outro a cometer a penalidade, o que acabou levando a dire��o do clube a descobrir o caso e denunciar ao MP. A estimativa dos apostadores seria faturar R$ 2 milh�es com a manipula��o, segundo a investiga��o.
Contra v�cio, psiquiatra da USP defende restri��es ao setor
A expans�o vertiginosa do mercado, por�m, vem acompanhada de um fen�meno preocupante, o aumento do v�cio nesses sites de apostas, afirma o psiquiatra Hermano Tavares, coordenador do Programa Ambulatorial do Jogo Patol�gico (Pro-Amjo) do Hospital das Cl�nicas da Universidade de S�o Paulo (USP).
Segundo ele, tem ocorrido uma mudan�a no perfil dos atendidos pelo programa. Antes, o p�blico do Pro-Amo era formado, principalmente, por pessoas com idade mais avan�ada, viciadas em m�quinas ca�a-n�queis, jogo que � operado ilegalmente no Brasil.
A partir de 2018, por�m, come�aram a chegar mais pessoas na faixa de 30 e 40 anos, em busca de ajuda para lidar com o v�cio nas apostas esportivas. Tavares estima que esse p�blico j� seja um quarto das cerca de 80 pessoas novas que o programa acolhe por ano.
Na sua vis�o, a regula��o que ser� adotada deveria ter regras r�gidas para reduzir o problema, como destinar uma parte dos ganhos das empresas para financiar a expans�o da rede de atendimento a viciados em jogos, que ainda � muito pequena no pa�s.
Ele tamb�m defende que a publicidade deveria ser proibida, como ocorre no caso de cigarros, ou ao menos restringida, como no caso de bebidas alco�licas. A ideia, que atingiria em cheio uma das principais formas de financiamento do futebol hoje no pa�s, parece n�o estar sendo cogitada no momento pelo governo federal.
A BBC News Brasil enviou alguns questionamentos sobre a regulamenta��o do mercado ao Minist�rio da Fazenda, que, em sua resposta, defendeu a medida como forma de ampliar a arrecada��o e a fiscaliza��o do setor, para evitar manipula��o de apostas e lavagem de dinheiro.
A pasta, no entanto, n�o respondeu se a regulamenta��o trar� alguma restri��o ao patroc�nio de clubes de futebol pelos sites de apostas, devido ao aumento de viciados.
"Eu acho que deve haver uma proibi��o de patroc�nio expl�cito que possa vir a afetar a popula��o vulner�vel, particularmente de menores de idade. Por que esse setor tem que ter tratamento preferencial em rela��o a cigarros e bebidas?", questiona Tavares.
"Eu particularmente estou de saco cheio de assistir aos jogos do meu time ou da sele��o e ficar o tempo inteiro sendo impactado com convites para apostar", reclama.
Para se ter uma ideia da import�ncia que esse tipo de patroc�nio ganhou no Brasil, hoje 19 dos 20 clubes da s�rie A do campeonato brasileiro recebem recursos dessas empresas.

O Flamengo, por exemplo, fechou no final de 2021 um contrato de dois anos com a Pixbet, no valor total de R$ 48 milh�es, que comprou, assim, o espa�o do ombro da camiseta oficial do time para anunciar sua marca.
A Pixbet tamb�m patrocina Corinthians, Santos, Vasco e Cruzeiro, entre outros clubes menores. Outros exemplos s�o a Betano (Atl�tico-MG e Fluminense), Esportes da Sorte (Gr�mio) e Sportsbet.io (S�o Paulo).
O advogado Felipe Maia defende a import�ncia do patroc�nio nesse momento de abertura do mercado, para que o usu�rio possa identificar as empresas legalizadas. Com a regulamenta��o, apenas sites que comprarem licen�as do governo poder�o atuar.
"Em mercados regulados, existe uma estrutura de prote��o �s pessoas com comportamento compulsivo, como um cadastro de autoexclus�o, em que o jogador ou a fam�lia registra o documento desse usu�rio, que fica impedido de apostar. Ou fixa um limite de valor que pode apostar", argumenta.
"Existem coisas que causam muito mais dano, como �lcool e cigarro, e nenhuma delas tem esse tipo de prote��o", disse ainda.
Pa�ses europeus t�m aumentado restri��es
Segundo um levantamento de professores de Marketing da Universidade de Bristol, no Reino Unido, a restri��o � propaganda desses sites t�m crescido na Europa.
Na It�lia, todo o marketing de jogos de azar na TV, r�dio, imprensa e internet foi proibido em 2019, inclusive patroc�nio de times de futebol. "Essa proibi��o geral foi introduzida logo ap�s um estudo destacar que 3% da popula��o italiana sofria de danos ao jogo", diz um artigo publicado pelos professores de Bristol no portal The Conversation.
Alemanha, B�lgica e Holanda tamb�m t�m restri��es duras, como a proibi��o de propaganda durante jogos.
J� o Reino Unido, onde sites de apostas esportivas tamb�m financiam grandes clubes de futebol, discute no momento banir a propaganda dessas empresas na parte frontal das camisas oficiais.
A Liga Inglesa da Futebol (English Football League), patrocinada pela Sky Bet, e que administra os campeonatos da segunda, terceira e quarta divis�es, diz que isso significaria um preju�zo de 40 milh�es de libras ao ano (cerca de R$ 256 milh�es) para seus 72 clubes.
J� a associa��o que representa o setor (Betting and Gambling Council) argumenta que a "esmagadora maioria" das 22,5 milh�es de pessoas que apostam todos os meses no Reino Unidos o fazem "com seguran�a e responsabilidade".
O setor diz ainda que o percentual de pessoas que t�m problemas com apostas estaria em 0,3% da popula��o adulta, o que seria baixo para padr�es internacionais.
Hermano Tavares cita n�meros maiores para o Brasil e chama aten��o para o impacto do problema tamb�m sobre os familiares das pessoas viciadas.
"Ao longo da vida, 1% da popula��o vai preencher crit�rios para transtorno do jogo e outro 1,3% ter� uma s�ndrome parcial, ou o que a gente chama de jogo problem�tico. Somadas as duas parcelas, a gente tem 2,3% da popula��o", diz o psiquiatra da USP.
"E se voc� considerar a taxa de exposi��o, que � a pessoa que n�o aposta, mas convive com um apostador, e, consequentemente, sofre com todos os problemas dele, como desemprego, endividamento extremo, inadimpl�ncia, ser privado de oportunidades, isso pode chegar a 10% da popula��o", acrescenta.
No entanto, apesar de ser pessoalmente contra a legaliza��o de jogos, o psiquiatra da USP diz que essa decis�o n�o cabe ao setor de sa�de isoladamente, j� que h� tamb�m argumentos econ�micos favor�veis � atividade, como a gera��o de emprego e arrecada��o de impostos.
"N�o cabe ao pessoal da sa�de definir se uma atividade como essa vai ser legalizada ou n�o. O pessoal da sa�de vai apontar, quantificar, quais s�o os riscos e benef�cios, e �s vezes n�o saber� dizer se os riscos superam os benef�cios ou o contr�rio", ressalta.