Criado em 1940, o exame de Papanicolau � dos procedimentos mais rotineiros nos consult�rios ginecol�gicos de todo o mundo. O teste preventivo do c�ncer de colo do �tero � a principal estrat�gia para detectar les�es e fazer o diagn�stico precoce da doen�a. Em pa�ses onde ele � realizado com ampla cobertura populacional, os casos desse tipo de tumor em est�gio avan�ado chegaram a cair em mais de 70%. Em estudo publicado na revista cient�fica Science Translational Medicine, uma equipe internacional de pesquisadores, que inclui brasileiros, defende que o j� difundido exame, apenas com pequenas adapta��es, pode ganhar mais uma importante fun��o: detectar tamb�m os c�nceres de ov�rio e de endom�trio.

Em países onde o exame é realizado com ampla cobertura populacional, os casos desse tipo de tumor em estágio avançado chegaram a cair em mais de 70%

Em pa�ses onde o exame � realizado com ampla cobertura populacional, os casos desse tipo de tumor em est�gio avan�ado chegaram a cair em mais de 70%

Arte: Valdo Virgo/ CB/ DA Press
De acordo com um dos autores do estudo, o ginecologista Jesus Paula Carvalho, do Instituto do C�ncer do Estado de S�o Paulo (Icesp), atualmente n�o existe nenhum m�todo eficiente para rastrear esses dois �ltimos tipos de c�ncer, principalmente, o de ov�rio. Ontem, o Estado de Minas mostrou estudo desenvolvido pela Funda��o Ezequiel Dias e a UFMG que busca desenvolver biomarcadores para detectar o mais precocemente poss�vel o tumor de ov�rio.
Devido � dificuldade no diagn�stico precoce e � demora no aparecimento de sintomas que sinalizem o problema, cerca de 90% dos casos do mal, quando descobertos, j� est�o em est�gio avan�ado. “O c�ncer de ov�rio evolui em semanas, ele � o mais agressivo nas mulheres. N�s temos pouco tempo para fazer qualquer interven��o, e os m�todos atuais, baseados em testes de imagem ou marcadores tumorais, nunca conseguem oferecer uma solu��o para os nossos problemas”, avalia Carvalho.

O estudo liderado pela Johns Hopkins Medicine, nos Estados Unidos, sugere que o mesmo material coletado no colo do �tero das mulheres durante o exame de Papanicolaou pode recuperar informa��es das c�lulas do ov�rio e do endom�trio. Isso porque as c�lulas cancer�genas oriundas dessas partes s�o transportadas pelo canal endocervical, onde s�o alcan�adas pela escova utilizada pelo m�dico na escama��o da superf�cie externa e interna do colo do �tero, procedimento padr�o para o exame de rotina.

O grande diferencial do novo estudo, no entanto, est� na etapa posterior � escava��o. No exame de citopatologia tradicional, as c�lulas colhidas s�o colocadas em uma l�mina para an�lise em microsc�pio. J� no estudo, os pesquisadores transferiram o conte�do da escova para um fixador l�quido, no qual puderam isolar o DNA de 46 pacientes com c�ncer. “Hoje, do ponto de vista molecular, existe uma assinatura de muta��es em alguns genes que levam ao processo tumoral e � forma��o do c�ncer. Com o advento do sequenciamento em larga escala, tornou-se poss�vel detectar o tipo de muta��o presente em cada paciente com c�ncer”, explica Suely Kazue Nagahashi Marie, pesquisadora do Icesp que tamb�m participou do estudo. Segundo ela, a evolu��o das metodologias para sequenciamento gen�tico de largo espectro possibilitou que o material coletado durante o exame de Papanicolaou fosse examinado em seu n�vel molecular.

Detec��o precoce

Para atestar a possibilidade de detec��o de c�lulas cancer�genas por meio do exame de rotina, os pesquisadores primeiro pegaram o fragmento congelado de c�ncer de ov�rio e endom�trio das pacientes j� diagnosticadas em est�gio avan�ado e realizaram o sequenciamento de todo o exoma. Eles ent�o descobriram 12 principais genes mais frequentemente mut�veis nos dois tipos de c�ncer.

A partir de um perfil gen�tico das muta��es, os cientistas procuraram os mesmos marcadores no material de DNA coletado no Papanicolaou e conseguiram 100% de compatibilidade para os casos de c�ncer de endom�trio e 41% para os de ov�rio. “Os dados s�o muito fortes. Para quem n�o tem nada, 41% � muito. Esse � o melhor resultado at� hoje. E isso � s� o come�o, o pr�ximo passo ser� refinar os resultados”, defende Carvalho.{

Segundo o pesquisador, o grande salto do estudo � a possibilidade de analisar fragmentos cada vez menores e, portanto, identificar qualquer muta��o ainda em seu in�cio. “N�o estamos mais procurando n�dulos, tumor, ou c�lulas, mas mol�culas, que � uma estrutura infinitamente menor. Se n�s formos capazes de encontrar o tumor por meio do estudo de mol�culas, � muito mais prov�vel que a doen�a seja detectada precocemente. N�o se trata de tecnologia inacess�vel, mas o uso de conhecimentos consolidados de forma inovadora”, destaca.

S� o come�o

Apesar de considerar a pesquisa relevante, Carlos Gil, coordenador de pesquisa cl�nica do Instituto Nacional de C�ncer (Inca) pondera que � preciso cautela nas expectativas. “A gente costuma dividir os achados cient�ficos entre cientificamente interessantes e medicamente interessantes. Acho que esse artigo, nesse momento, � cientificamente interessante, mas n�o posso dizer ainda que ele vai se tornar um m�todo de diagn�stico precoce.” Segundo ele, com o advento da gen�mica, a oncologia vive hoje um boom de lan�amento de novos testes, entretanto, o grande desafio � torn�-los vi�veis clinicamente. “Os m�todos que eles utilizam s�o de sequenciamento de largo espectro, e, por isso, t�m o custo muito alto. Transformar isso em um exame recorrente vai demorar.”

Agnaldo Silva Filho, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ressalta que, apesar de ser preliminar, o estudo sinaliza uma possibilidade de preencher uma importante lacuna na ginecologia oncol�gica. “Hoje, n�s n�o temos nenhum m�todo eficaz, por isso, todo investimento em pesquisa e em desenvolvimento de t�cnicas para um diagn�stico precoce pode ter um grande impacto na sa�de feminina.”