Está marcada para esta terça-feira (25/11) a primeira audiência de instrução do caso Laudemir Fernandes, gari de 44 anos, morto com um tiro efetuado pelo empresário Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47, em agosto deste ano. Laudemir trabalhava na coleta de lixo da Rua Modestina de Souza, no Bairro Vista Alegre, Região Oeste de Belo Horizonte (MG), quando foi atingido pelo projétil. Renê confessou o crime.

O empresário responde por homicídio triplamente qualificado por motivo torpe, recurso que dificultou a defesa da vítima e perigo comum. De acordo com a denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o servidor terceirizado da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) foi morto pelo empresário. Durante as investigações, a esposa do suporto autor, a delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira, também foi indiciada por prevaricação – por ela saber que o marido cometeu o crime e não ter cumprido com os deveres da profissão – e porte ilegal de arma de fogo – por ter cedido ou emprestado sua arma de fogo pessoal.

Oito testemunhas de acusação serão ouvidas no 1º Tribunal do Júri Sumariante, no Fórum Lafayette Criminal e de Família, localizado no Centro da capital, a partir das 8h. No dia seguinte, na quarta-feira (26), seis testemunhas de defesa prestarão depoimento. A previsão é que o réu também seja interrogado. 

Na decisão que determinou a marcação de audiência, a juíza sumariante Ana Carolina Rauen Lopes de Souza negou o pedido de Liliane França da Silva, viúva de Laudemir, para nomear um advogado para atuar como assistente de acusação no julgamento. Conforme o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), não foi comprovado com documentos a alegada união estável do casal.

Ainda, a defesa do empresário juntou ao processo diversos diplomas e documentos que comprovam o vínculo acadêmico do réu com os centros de ensino Estácio de Sá, USP, Fundação Dom Cabral, Harvard Business Brasil e com a Ambev.  que já negaram ligação com o empresário. 

Conforme o TJMG, foram apresentados documentos da Universidade Estácio de Sá, onde Renê teria feito um curso superior de tecnologia em marketing; da Universidade de São Paulo (USP), onde ele teria feito especialização MBA Varejo e Mercado de Consumo; da Fundação Dom Cabral, pelo Programa de Desenvolvimento de Conselheiros; da Harvard Business Review Brasil, com o curso de desenvolvimento pessoal para líderes e de um programa de treinamento da Ambev.

A defesa de Renê da Silva foi consultada para esclarecimentos sobre a apresentação de documentos e a reportagem aguarda retorno. 

Como aconteceu o crime?

A equipe de coleta de lixo trabalhava na Rua Modestina de Souza, no Bairro Vista Alegre, Região Oeste de BH, quando a motorista do caminhão, Eledias Aparecida Rodrigues, de 42 anos, percebeu que uma fila de carros se formava atrás do veículo. Para liberar a passagem, ela decidiu manobrar, permitindo que os motoristas seguissem adiante, entre eles o empresário Renê da Silva, que conduzia um carro da marca BYD.

De acordo com depoimentos, a motorista e os garis acenaram para Renê, dizendo  “vem, vem, pode vim (sic)”, em sinal de que havia espaço para ele passar. Nesse momento, o suspeito teria abaixado a janela e gritado para a condutora que se alguém encostasse em seu veículo ele iria matar a pessoa. Ele então pegou uma arma, apontou para Eledias e ameaçou "dar um tiro na cara" dela. 

O gari Tiago Rodrigues se colocou entre os dois, tentando intervir: Você vai dar um tiro na mulher trabalhando? Vai matar ela dentro do caminhão?, questionou. Renê seguiu com o carro sem encostar no caminhão e parou alguns metros à frente. Saiu do veículo armado, mas deixou o carregador cair. Após recolhê-lo, engatilhando novamente a pistola, efetuou um disparo, que atingiu Laudemir no abdômen.

 O tiro acertou o lado direito das costelas e saiu pelo esquerdo. Laudemir foi levado ao Hospital Santa Rita, em Contagem, na Grande BH, mas morreu momentos depois por hemorragia interna. No local do crime, foi recolhido um projétil intacto de munição calibre .380.

Naquele dia, Laudemir substituía um colega afastado por lesão. Ele normalmente trabalhava na rota que atende o Bairro Serra, na Região Centro-Sul da capital. A motorista, em depoimento judicial ao qual o Estado de Minas teve acesso, contou que ele atuava há dez anos na empresa e que havia acabado de conquistar a guarda da filha. Disse ainda que Laudemir estava ansioso para terminar o turno e chegar em casa antes das 18h, horário em que o Conselho Tutelar faria uma visita de vistoria à nova moradia da menina.

O que dizem as investigações?

A arma utilizada no homicídio, uma pistola calibre .380, pertence à delegada da Polícia Civil Ana Paula Balbino Nogueira, esposa de Renê, e foi apreendida na residência da servidora no mesmo dia do crime. Os exames periciais, divulgados na sexta-feira (15/8) pela corporação, apontaram a compatibilidade entre a arma de Ana Paula e as munições usadas no assassinato de Laudemir.

Na noite de segunda, após a prisão de Renê, a servidora, que chefia a Delegacia de Combate à Violência Doméstica em Nova Lima, na Grande BH, afirmou à Polícia Civil que o marido não tinha acesso às suas armas e que não tinha informações sobre o crime. A corporação instaurou procedimento administrativo disciplinar correcional para apurar eventuais responsabilidades.

Apesar do procedimento interno, o delegado Saulo Castro afirmou, em coletiva de imprensa, que não há indícios para afastamento da servidora e, por isso, ela segue em seu cargo regular. “Estamos em fase inicial da investigação, que também foi instaurado um procedimento administrativo disciplinar correcional e que, eventualmente, sendo demonstrado qualquer tipo de responsabilidade, a servidora será devidamente penalizada em âmbito correcional”, disse.

Na ocasião, a corporação acrescentou ainda que o fato de a arma estar no nome da servidora do governo de Minas Gerais “não necessariamente” a coloca como coautora ou partícipe da ocorrência. A participação só será indicada caso fique constatado que a mulher entregou o armamento para o marido.

Um dos pontos centrais da investigação é o horário de chegada de Renê à Fictor Alimentos LTDA, em Betim, na Grande BH, onde ele trabalha. Câmeras de segurança  da empresa inicialmente indicaram que ele teria chegado às 9h18, mas a perícia da Polícia Civil afirma que o registro correto seria 9h38, pouco mais de meia hora após um circuito de segurança na rua capturar o momento em que o gari foi baleado no Bairro Vista Alegre, às 9h07. 

Na quinta-feira (14/8), a Justiça autorizou a quebra de sigilo dos dados telefônicos e telemáticos de Renê, oficiados à empresa BYD do Brasil, montadora do carro do suspeito visto no local do crime, e a operadora Claro. O objetivo é levantar as rotas percorridas por Renê no dia e nos horários próximos do momento do homicídio.

Como Renê foi preso?

Horas após o crime, a Polícia Militar localizou e prendeu Renê no estacionamento de uma academia na Avenida Raja Gabaglia, em Belo Horizonte. Segundo a corporação, a identificação do suspeito foi possível graças à análise de imagens de câmeras de segurança, que revelaram parte da placa do veículo e possibilitaram identificar o modelo do carro. 

Renê teve a prisão em flagrante convertida em preventiva pela Justiça, a pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em audiência de custódia realizada na quarta-feira (13/8). O advogado do caso, Leonardo Salles, não se pronunciou. Ele está detido no Presídio de Caeté, na Grande BH.

De acordo com a decisão judicial, a prisão preventiva do réu é necessária para garantir a ordem pública, dada a gravidade do crime é o modus operandi utilizado. Isso porque, segundo a ata da audiência, o crime foi cometido "em plena luz do dia, por motivo fútil, uma aparente irritação decorrente de uma breve interrupção no trânsito".

O que diz Renê?

Em depoimento no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), no dia da prisão, Renê negou que esteve no local do crime e disse que costuma utilizar apenas vias principais, conforme orientação de sua esposa, já que ele não é natural de Minas Gerais e desconhece bem a cidade.

Renê também disse não reconhecer o nome da avenida mencionada pelas autoridades. Segundo ele, foi abordado de forma cordial por policiais que informaram que ele estava sendo averiguado por uma ocorrência na “Avenida Teresa não sei o que”, sem saber o nome. O suspeito ainda contestou a identificação do veículo nas imagens e afirmou que o carro do vídeo era elétrico e tinha insulfilm escuro em todos os vidros, enquanto o veículo que dirige é híbrido e possui insulfilm apenas nas laterais e na traseira.

Ainda segundo a versão do suspeito, depois do expediente, encerrado por volta de 13h, ele teria ido para a casa, no Bairro Vila da Serra, em Nova Lima, na Grande BH, passeado com seus cachorros e, em seguida, ido para a academia. A abordagem da polícia foi feita às 16:57, segundo o B.O. 

Durante o depoimento prestado logo após sua prisão em flagrante, Renê afirmou que ligou para a esposa naquela manhã, por volta das 8h40, informando que o trânsito estava ruim. Segundo ele, a próxima ligação teria ocorrido às 14h, quando avisou que tinha saído para passear com os cachorros. Por fim, Renê disse ter entrado em contato novamente com a esposa assim que foi abordado pela PM.

Renê é investigado pelos crimes de ameaça e homicídio qualificado, com agravantes de motivo fútil e de uso de recurso que dificultou a defesa da vítima. Segundo a polícia, três testemunhas o reconheceram.

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Quem é o assassino confesso?

Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, atuava como vice-presidente de uma empresa de alimentos, mas foi desligado no dia seguinte à repercussão do crime. Ele é casado com a delegada da Polícia Civil Ana Paula Balbino Nogueira. Em seu perfil do Instagram, que foi desativado poucas horas após a prisão, ele se descrevia, em inglês, como "cristão, esposo, pai e patriota".

Durante a audiência de custódia, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) informou que, apesar de não haver antecedentes criminais no estado, Renê tem registros em São Paulo e no Rio de Janeiro. A ata da audiência, a qual o Estado de Minas teve acesso, mostra que o primeiro caso se trata de uma ação penal pela prática de crime de lesão corporal grave contra uma mulher.

Já no estado fluminense, o empresário responde por lesão corporal contra uma ex-companheira, além de ameaça contra a ex-sogra. A informação foi confirmada à reportagem pelo chefe da divisão de homicídios do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da PCMG, Álvaro Huertas. Além disso, o registro de antecedentes da Polícia Civil do Rio de Janeiro, aponta que o homem também teria envolvimento em uma ocorrência de homicídio culposo, quando não há intenção de matar.

Ao ser questionado sobre o histórico pelos seus advogados, o investigado afirmou que nunca foi preso e não responde a nenhum processo criminal. “Eu respondo por uma luxação do quinto metatarso da minha ex esposa. Mas já tenho uma medida cautelar contra ela, dada pelo Ministério Público de São Paulo”, disse Renê. A reportagem do EM entrou em contato com o MPSP em busca de informações sobre esse processo, mas recebeu como resposta que o caso está em segredo de Justiça.

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