
A bem da verdade, � como se eu n�o tivesse pai. Quando o meu morreu, eu tinha pouco mais de 2 anos, ca�ula de um casal que colocou no mundo 10 filhos – dos quais sou a �ltima que est� por aqui. Como minha m�e se casou de novo uns cinco anos depois, os tempos em que ela se lamentava da perda do primeiro marido eu era muito nova para guardar. Ent�o, o que sinto s�o imagens baseadas em fotos, diplomas, um ou outro lance pequeno.
Minha m�e sempre foi bonita, as fotos de sua juventude contam isso. Deve ser por isso que logo depois que chegou do Rio de Janeiro, onde foi estudar medicina, ele se casou com ela. Era m�dico numa �poca em que o diploma n�o era espec�fico, at� porque n�o existiam cursos para definir especialidades. Ent�o, m�dico atendia tudo – de parto a opera��o, de bra�o quebrado a cor de cabe�a.
Meu pai logo ficou famoso em Santa Luzia e cumpria sua profiss�o ao p� da letra: atendia paciente a p�, na cidade, ou em lombo de cavalo, para cobrir as dist�ncias. Quando era menina e morava na cidade, eu conhecia v�rias mulheres que se tornaram m�es tendo meu pai como parteiro, os elogios eram muitos.
Ele devia ser mesmo um m�dico al�m de seu tempo, s� por escolher o Rio de Janeiro para estudar j� d� uma vis�o disso. Al�m do mais, n�o se fazia de rogado, de doente. Tinha um problema coronariano – arteriosclerose, que atualmente se resolve apenas alargando um vaso, mas naquele tempo n�o existia nem tratamento nem cura.
Assim como gostava de tratar, gostava tamb�m de ca�ar. Um dos retratos que tenho dele � junto de amigos ca�adores. Alto, magro, com uma carabina na m�o. Fora esse retrato, os �nicos que tenho, e espalhei pela minha casa, s�o de formatura e outro, formal, que hoje seria usado em alguma carteira.
� claro que deixou um mundo de comadres, mulheres e fam�lias que tratava sem cobrar – naquele tempo, n�o existia programa social nesse sentido. De consulta em consulta, conseguiu juntar algum fundo para manter a fam�lia. Quando morreu, deixou imensa casa no Bairro Funcion�rios, o que faz entender que trabalhou algum tempo para o governo, o que identifica as casas que deram nome � regi�o. Esses im�veis eram vendidos com pagamento a longo prazo, por pre�os praticamente formais.
S� para dar o tamanho do im�vel, o terreno tinha 40m de frente por 60m de fundos, repleto de �rvores, de bananeiras a pitangueiras – mas n�o tinha jabuticabas.
Al�m disso, deixou um sobrado em Santa Luzia, cujo aluguel ajudava minha m�e. Quando se casou, mostrou seu modernismo. Morador desta cidade tradicionalmente colonial, construiu para a fam�lia morar uma casa de ra�zes europeias, conhecida at� h� bem pouco tempo como bangal�. Ou bangalow, para ser mais da �poca. Tinha jardins em torno da constru��o, que n�o era no n�vel da rua, varanda em torno para curtir tardes e descansos, janelas que viviam abertas e, claro, quintal cheio de �rvores frut�feras e horta para a cozinha dom�stica.
Outra coisa que fez, absolutamente ins�lita para a �poca, foi dar uma baratinha de presente para minha m�e. Para quem nunca ouviu falar, era um carro menor, bem bonitinho, pronto para rodar em qualquer estrada – o que poderia ajud�-lo a atender pacientes fora da cidade.
Minha m�e adorou – era a �nica mulher da cidade com um carro para dirigir. Algu�m lhe deu algumas explica��es e ela n�o teve medo: subiu, ligou e pensou que era craque, porque o carro andou. E arrebentou-se todo na mesma rua, pois ela subiu num monte de pedras do qual n�o conseguiu se desviar. Aprendeu de uma vez: nunca mais tentou dirigir.
Como marcou �poca na cidade, inclusive dirigindo o Hospital S�o Jo�o de Deus, meu pai ganhou nome em uma rua, mais distante do Centro, e a refer�ncia, que ainda sobrevive, como grande m�dico. Eu, como filha, acho que herdei dele o DNA de medicina, assunto que me atrai. Por isso, falo hoje do doutor Chiquito, diminutivo do seu nome, Francisco Vianna Santos. A quem nunca conheci, mas de quem tenho muita saudade.