
Da� que recentemente os debates sobre drogas voltaram para a pauta, junto com a torrencial de maluquices que fazem parte da vida tupiniquim. E como eu gosto de deixar o meu algoritmo biruta por pura divers�o, acompanho absolutamente todo mundo e leio a mesma not�cia umas 10 vezes em locais diferentes s� para ver as formas de abordagem e perceber como a gente torce mais e pensa menos.
Pois vamos l�... Do que eu estou falando agora: o STF j� formou maioria para concluir que usar drogas � autoles�o e, por isso, � inconstitucional criminalizar esta conduta. Essa � a parte que voc� j� sabe e n�o me interessa te convencer que n�o faz o menor sentido n�o ser crime arrancar o pr�prio bra�o e ser crime queimar o pr�prio pulm�o.
O ponto aqui a tratar � como a classe policial em geral trata este tema. A galera ficou revoltad�ssima com a decis�o do STF e se inflamou com aquele j� conhecido discurso de que “virou bagun�a”, “vai ser a festa do traficante”, “vai abrir porta para outras drogas” e etc. Pois bem, apenas por experimenta��o social comecei a interagir com essas pessoas com o seguinte questionamento:
1. O ser humano sempre se drogou e n�o vai ser uma lei que vai faz�-lo parar de se drogar;
2. O il�cito torna a droga cara e de dif�cil acesso, o que aumenta o poder dos traficantes;
3. A pol�cia prende 1 e aparecem 2 no lugar. E se prender 2 aparecem 4. A progress�o � sempre geom�trica;
4. O policial real (o da ponta, do “ch�o da f�brica”) sabe que ele enxuga gelo todos os dias, pois n�o tem fim, dado que a elimina��o da oferta s� torna a demanda maior, mais cara e mais interessante para o tr�fico;
5. Esse ciclo coloca cada um dos policiais em risco todos os dias na rua, se expondo para morrer por algo que � inevit�vel;
6. A guerra �s drogas � uma guerra que usa a for�a bruta e n�o usa o c�rebro, o que custa a vida de in�meros policiais todos os anos. Trabalhadores da seguran�a p�blica, pais de fam�lia, cidad�os honestos, s�o punidos com a morte todos os anos porque nos recusamos a pensar e come�ar a agir com intelig�ncia e n�o com a bile;
7. Se a Pol�cia deixasse de gastar toda a sua energia com essa busca in�til por traficantes, teria mais gente, mais tempo, mais energia e mais dinheiro para salvaguardar a sociedade do que importa, que s�o nossas vidas, nossa liberdade de ir e vir, nossa integridade f�sica (principalmente das nossas mulheres, crian�as e idosos) e outras coisas que simplesmente s�o deixadas de lado porque n�o d� para fazer tudo e tudo � deixado de lado por causa das drogas;
8. Sem o financiamento do tr�fico il�cito, a f�bula de dinheiro que os traficantes ganham para comprar armas e implantar o terror na nossa sociedade vai desnutrir e a for�a deles vai minguar.
Curiosamente, n�o tive muitas respostas negativas. Os policiais da ponta sabem do que estou falando e concordam com isso, basta serem confrontados com estes dados �bvios. Quem n�o vive de discurso e coloca o peito na reta todos os dias sabe que �, no m�nimo, um jeito burro demais de expor a vida, considerando que � um esfor�o in�til.
Agora o mais surreal de tudo isso � entender que a Pol�cia (aparentemente sem querer e sem entender) faz todo o trabalho de propaganda que o traficante precisa e n�o pode fazer! Pensa o seguinte: parece intuitivo que se a Pol�cia est� de um lado, o criminoso est� do outro. Esse � o racioc�nio mais l�gico e mais �bvio que a gente � levado a construir a vida toda.
Afinal, a Pol�cia atua contra os criminosos. Logo, possuem interesses opostos.
Seguindo este racioc�nio, o que � “bom” para um necessariamente h� de ser “ruim” para o outro. Se o criminoso est� feliz, a Pol�cia est� triste. E se a Pol�cia est� feliz, o criminoso est� triste. Parece infantil, eu sei, mas a ideia � essa: mostrar como isso tudo � infantil demais para n�o ter ca�do a ficha ainda.
Entretanto, neste caso, a ilegalidade da droga � o para�so do traficante. A pessoa que menos deseja a liberaliza��o (ou qualquer flexibiliza��o) das drogas � exatamente o traficante. Liberar significa colocar � descoberto, trazer para a vida regular, viabilizar a exist�ncia de m�ltiplos agentes de mercado, venda na internet, concorr�ncia com as grandes redes varejistas e de drogarias.
Sim, meu consagrado! Drogarias s�o lojas de vender drogas! E voc� j� viu algu�m com um fuzil na m�o na porta de uma delas para garantir a seguran�a do ponto? N�o! E olha que l� tem droga cuja dose custa mais de R$ 10.000,00 e tem droga que gente viciada compra para satisfazer a adi��o.
Mesmo assim voc� n�o v� o dono da maior rede de drogarias fuzilar a drogaria concorrente para garantir a �rea “x” ou “z”. Al�m disso, junto com as drogarias legalizadas existem os rem�dios falsificados e a venda ilegal de rem�dios , mesmo assim, a maioria das pessoas prefere ir ao ponto legal de drogas para comprar suas subst�ncias psicoativas.
Por fim, de regra, os efeitos colaterais da venda desmedida de drogas (o Brasil � campe�o mundial) s�o sentidos exclusivamente pelos usu�rios e tratados nos servi�os de sa�de.
Ou seja, tudo isso acontece sem qualquer interfer�ncia da Pol�cia ou do Poder Judici�rio. E, obviamente, o lucro � contabilizado, tributado, gera empregos e contribui para fazer essa engrenagem imensa funcionar minimamente sob a luz.
Voc� acredita de verdade que o traficante quer isso? � claro que n�o! O tr�fico hoje � o sistema de mercado no seu aspecto mais cruel. � o local onde, diante da inexist�ncia de regras e regulamenta��o, vigora a for�a bruta.
Vende quem mata o concorrente; vende quem monopoliza o mercado; vende quem � capaz de corromper agentes do Estado (desde a entrada no territ�rio, armazenamento, transporte, distribui��o, etc); vende quem imp�e mais medo; s� vende quem se disp�e a matar para vender. Ou seja, a proibi��o gera toda a viol�ncia decorrente do tr�fico e n�o a viol�ncia decorrente do tr�fico leva � sua proibi��o!
Tudo isso vai ruir (junto com o poder dos traficantes) quando o cidad�o de classe m�dia puder ir � luz do dia na drogaria da esquina comprar o seu psicoativo (como ele j� faz com outros). Traficante n�o vende Diazepam n�o � porque n�o d� lucro, mas porque tem na farm�cia da esquina. Se voc� n�o acredita, d� uma olhada nos lucros da ind�stria farmac�utica!
E mesmo diante de todo esse cen�rio, o que a nossa Pol�cia faz??? Vai se manifestar pela manuten��o da proibi��o e de todo o sistema como est�! Pior, pede-se ainda mais rigor na guerra �s drogas. Ou seja, a Pol�cia pede que a droga fique cada vez mais cara, mais rara e mais atrativa para vultosos investimentos daqueles que est�o dispostos a matar esses mesmos policiais que querem esse sistema exatamente assim.
Em resumo, nesse assunto, a Pol�cia est� de m�os dadas com a criminalidade, pedindo que o tr�fico tenha cada vez mais poder, que as organiza��es criminosas sejam cada vez mais imp�rios de dinheiro e capacidade b�lica, para que possam sair �s ruas na busca infantil de evitar o inevit�vel e morrer por isso. Faz algum sentido para voc�?
E sabe o que � mais surreal? Com essa postura, a Pol�cia faz com que a popula��o em geral imagine que a criminalidade queira a legaliza��o das drogas (j� que o criminoso est� do lado oposto da pol�cia, lembra?) e, por isso, se sinta influenciada a ser contra tamb�m. A Pol�cia aqui � o marketing perfeito para a criminalidade e o pior de tudo: recebendo a pr�pria morte como pagamento.
Talvez se os nossos policiais pararem para pensar um pouquinho s�, isso fique claro. Melhor ainda se pensarem um tanto mais em si mesmos, nas suas fam�lias e no que representam para a sociedade e para as institui��es do Estado, perceber�o que podem ser muito mais e fazer muito mais por todos n�s. As for�as de seguran�a t�m nas m�os a oportunidade de destruir, sen�o toda, a maior parte do poder que se estrutura cada vez mais para matar e destruir a pr�pria Pol�cia.
S� que para isso � preciso descer da arquibancada e come�ar a trabalhar com dados, com fatos e com a raz�o.