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Estado de Minas ECONOM�S EM BOM PORTUGU�S

Sete de Setembro de 2021 e os problemas do capital c�vico

Vivemos analogamente � experi�ncia da forma��o de um tsunami: as mudan�as se d�o nas profundezas, poucos s�o capazes de enxerg�-las e avali�-las adequadamente


07/09/2021 06:00 - atualizado 07/09/2021 09:44

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(foto: Divulga��o)
H� um conceito transversal que envolve sociologia, ci�ncia pol�tica e ci�ncias econ�micas: o capital c�vico. Embora teoricamente desconhecido pela maioria, o capital c�vico �, assim como o capital humano e f�sico, componente do capital social que embasa a forma��o e a trajet�ria das sociedades. Nas �ltimas semanas que antecederam � "comemora��o" do dia da Independ�ncia no Brasil, alcan�amos n�veis de tens�o e fissura social pouco vistos ap�s a reabertura democr�tica. E muito do que vivemos atualmente remete � constru��o continental de nosso capital c�vico.

Somente sessenta e seis anos ap�s a declara��o de sua independ�ncia, o Brasil efetivamente aboliu a escravid�o. �quela �poca, os escravos representavam cerca de 30% de toda popula��o brasileira. Povo origin�rio das terras brasileiras, os �ndios, segundo a Funda��o Nacional do �ndio - Funai -, eram tr�s milh�es quando da chegada dos portugueses. Estima-se que, em 1824, os �ndios representavam 9% (360.000) da popula��o brasileira, e, de acordo com o �ltimo Censo Demogr�fico, de 2010, eram 818 mil habitantes - 0,26% dessa mesma popula��o.

A primeira Constitui��o Federal do Brasil, datada de 1824, n�o reconhecia os povos ind�genas. Mas foi bem antes, em 1548, que o Estado selou seu desconhecimento: os �ndios foram "deixando de existir" pelo n�o reconhecimento do direito � propriedade de suas terras, � autonomia pol�tica e � preserva��o de suas caracter�sticas socioculturais. A na��o brasileira foi assim constitu�da, dizimando e empurrando os povos ind�genas para fora de seu territ�rio e tratando o negro como "a carne mais barata do mercado". Da�, originou-se boa parte de nosso capital c�vico.

Fukuyama, Bordieu, Coleman, Guiso, Zingales e Sapienza s�o grandes expoentes do conceito de capital c�vico e v�m, h� algumas d�cadas, debru�ando-se sobre sua constru��o te�rica e emp�rica. Argumentam que o capital c�vico atua como um conjunto de valores e cren�as que contribuem para a coopera��o m�tua, constituindo e fortalecendo as institui��es, a cultura e as diferen�as regionais e explicando as diferen�as nas performances econ�micas persistentes ao longo dos s�culos. A cultura constitui o aspecto mais perseverante na forma��o do capital c�vico e encontra-se sustentada, individualmente, dentro das fam�lias e atrav�s da sua transmiss�o intergeracional.

Os pais investem na forma��o de seus filhos e na preserva��o do capital c�vico; as organiza��es o fazem na forma��o de suas culturas organizacionais. Os pais endurecem suas regras quando percebem que o capital c�vico sedimentado come�a a se fragilizar. O capital c�vico pode se apreciar ou se depreciar de acordo com sua exposi��o a eventos/epis�dios que afetem a cren�a e a confian�a das pessoas ou que mudem sua percep��o de moral acerca de alguns comportamentos.

Um aspecto de extrema relev�ncia � que o capital c�vico nem sempre est� a servi�o do bem-estar comum. Institui��es como Ku Klux Klan, por exemplo, t�m elevado capital c�vico constitu�do �s custas de pensamento coeso interno dissonante daqueles que n�o a integram.

Nessa mesma esteira, t�nhamos, desde o s�culo XIII, os antissemitas alem�es que acabaram encontrando espa�o para se afirmarem e acabarem por promover a Segunda Guerra Mundial.

No Brasil, as diferen�as regionais explicam grande parte dos capitais c�vicos desse pa�s de propor��o continental. Para al�m das disparidades regionais que se inter-relacionam com as disparidades socioecon�micas, o Pa�s vive a comemora��o do 199º anivers�rio de sua independ�ncia trazendo � tona as rachaduras de sua estrutura social que h� s�culos constituiu-se baseada na nega��o de direitos �queles que aqui eram os habitantes naturais, bem como na desigualdade de oportunidades para a maioria de sua popula��o que, n�o coincidentemente, � negra e pobre.

Enquanto n�o percebemos que o capital c�vico est� se corroendo por suas intr�nsecas mazelas e que expressivos movimentos de consci�ncia de minorias v�m, a duras penas, buscando romper com injusti�as e for�as opressoras em vigor h� s�culos, os sentimentos de desamparo, desconfian�a e descr�dito prevalecer�o e os ambientes institucionais e dom�sticos se fragilizar�o.

A vida milenar, de tempos em tempos, vive momento global de rompimento c�vico. E o medo
da alteridade reflete-se por meio de lutas e discursos dissonantes em que, por um lado, quem
n�o quer mais ser oprimido ou exclu�do - incluem-se, nos dias de hoje sobretudo mulheres,
negros, LGBTQ%2b, ind�genas etc. - est� cada vez mais disposto a enfrentar o risco da exposi��o e
lutar pelo aprimoramento de seu capital c�vico; e, por outro, quem luta contra essa alteridade
busca, muitas das vezes, pela demonstra��o da for�a bruta, sustentar sistemas de disparidades
que n�o se comportam mais.

Os conflitos c�vicos ainda ser�o muitos e duradouros, mas o caminho rumo ao novo ponto de muta��o est� em curso. A natureza faz movimentos similares. Vivemos analogamente � experi�ncia da forma��o de um tsunami: as mudan�as se d�o nas profundezas, poucos s�o capazes de enxerg�-las e avali�-las adequadamente e, quando nos damos conta, l� vem a ruptura com toda for�a e capacidade de transforma��o.

Encerro a coluna de hoje, Sete de Setembro de 2021, com uma frase extra�da de recente artigo do fil�sofo e psicanalista Vladimir Safatle: "Em um pa�s marcado por uma hist�ria de pactos extorquidos e miscigena��es que servem apenas para apagar as divis�es reais, n�o compreender que, em certas formas de afirma��o da identidade, h� algo de revolta contra uma falsa universalidade opressora �, de fato, um erro brutal".

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