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Estado de Minas ECONOM�S EM BOM PORTUGU�S

''Faz escuro mas eu canto'' deveria virar mantra para sobreviv�ncia

Enquanto n�o enfrentarmos nossos problemas estruturais, origin�rios na forma��o do Estado brasileiro, n�o seremos capazes de decolar


18/01/2022 06:00 - atualizado 17/01/2022 19:45

Cena do filme '7 prisioneiros' com Rodrigo Santoro
Filme '7 prisioneiros', impactante pela dureza das cenas e do roteiro (foto: Divulga��o)
Entramos no ano de 2022 cientes de que, em breve, seremos invadidos pelas discuss�es eleitorais presidenciais, estaduais e, parcialmente, legislativas. A elei��o presidencial norte-americana nos faz crer que, por aqui, o jogo antidemocr�tico tamb�m nos amea�ar�. Para al�m desse desgaste e corros�o nas estruturas sociais, algo de muito mais grave perpetra e assombra nossa evolu��o hist�rica: a perman�ncia de nossas ra�zes desiguais. 

� poss�vel construirmos um mosaico com trabalhos art�sticos que estiveram em voga recentemente no Brasil, para ilustrar, de forma menos �rida, minha preocupa��o com nosso futuro. O premiado livro “Torto arado”, de Itamar Vieira Junior, o impactante filme “7 Prisioneiros”, estrelado por Rodrigo Santoro e Christian Malheiros, e a �ltima Bienal de S�o Paulo com tema do verso “Faz escuro mas eu canto”, do rec�m-falecido Thiago de Mello, s�o obras que dialogam e trazem, em suas concep��es, sentires e sofreres de uma civiliza��o que insiste em ignorar suas ra�zes perversas. 

“Vi tanta crueldade ao longo do tempo, e mesmo calejada me comovo ao ver os homens derramando sangue para destruir sonhos. Vi senhores enforcarem seus escravos como castigo. Cortarem suas m�os no garimpo por roubarem um diamante. Acudi uma mulher que incendiou o pr�prio corpo por n�o querer ser mais cativa de seu senhor. Mulheres que retiravam seus filhos ainda no ventre para que n�o nascessem escravos. (...) Mulheres que enlouqueceram porque as separaram dos filhos, que seriam vendidos. Vi um senhor cruel deitar com mulheres negras e abandonar seus corpos castigados � morte, como se quisessem expurgar o mal que o fazia cair.” 

Esse trecho, extra�do da �ltima parte do livro ''Torto arado'', � narrado pelo “cavalo”, instrumento de linguagem que abarca a obra e, muitas das vezes, deixa-nos perplexos pela riqueza e for�a das narrativas. Ali temos a vis�o ampla das injusti�as sociais que perduram em nosso tempo, mesmo que tenhamos tantas figuras ilustres em nossa hist�ria e que nos fazem ter orgulho de encontramos, em meio a povo fraco e submisso, motivo e orgulho para acreditar que, devagar e sempre, a sociedade vai rompendo com suas ra�zes fincadas em terrenos s�rdidos. 

“7 Prisioneiros” foi lan�ado em novembro de 2021 pela Netflix. Trata-se de filme impactante pela dureza das cenas e, sobretudo, do roteiro que tem como ideia central a busca de Mateus (Christian Malheiros ) e alguns amigos, todos jovens, por melhores condi��es de vida. Convidados a sa�rem do interior e migrarem para S�o Paulo com a promessa de “ganhar a vida”, ao chegar l�, deparam-se com uma armadilha e se veem for�ados, por meio de seu captor Luca (Rodrigo Santoro), a viver em condi��es de trabalho an�logas � escravid�o. 

Enquanto "7 Prisioneiros" narra promessa de vida melhor que desemboca em uma armadilha para trazer jovens do interior e viverem presos em condi��es an�logas � escravid�o, "Torto arado" nos faz lembrar de um passado que deu origem e permitiu que, at� os dias de hoje, as armadilhas sociais, no Brasil, perpetuem a origem da forma��o desigual e injusti�a do Estado brasileiro.

Neste �ltimo final de semana, veio a p�blico a hist�ria de dois jovens ind�genas de 15 e 19 anos de idade que, conduzidos por um pastor e sua esposa, com a promessa de ajud�-los a estudar, tiraram-nos de sua aldeia, �s margens do rio Curupi, em Paragominas, e levaram-nos para Porto Grande, onde foram mantidos em regime de trabalho an�logo � escravid�o, al�m de passarem fome e outra sorte de explora��es. 

Para al�m da escravid�o e as injusti�as sociais que atingem diretamente cerca da metade da popula��o brasileira, por ser negra e ind�gena e origin�ria de piores condi��es de partida na conquista de melhores espa�os sociais, o Pa�s tamb�m nega, at� o momento, a d�vida social que a ditadura trouxe para nossa sociedade.

 “Fica decretado que agora vale a verdade/ agora vale a vida/ e de m�os dadas/ marcharemos todos pela vida verdadeira". Extra�da do poema “Os estatutos do homem”, do rec�m-falecido Thiago de Mello, o Pa�s tenta, por meio da arte escrita, cantada, desenhada etc., sensibilizar e driblar os entraves para rompimento das desigualdades e injusti�as. 

"Faz escuro mas eu canto” foi o tema da 34ª Bienal de S�o Paulo, realizada em 2021, fazendo alus�o a um verso extra�do do poema “Madrugada camponesa”, tamb�m de autoria de Thiago de Mello. A curadoria escolheu o tema como forma de reconhecimento e reivindica��o da arte como espa�o de manifesta��o e resist�ncia, assim como de possibilidade de ruptura e transforma��o dos sujeitos e grupos sociais. N�o s�o poucos os esfor�os nesse sentido, mas ainda vivemos sob apatia social secular.

Essa apatia � bem colocada por Margarida Genevois, hoje com 90 anos, mas ainda ativa na luta por direitos sociais. Atualmente presidente de honra da Comiss�o de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, Margarida afirmou, em entrevista ao jornal Valor Econ�mico, dia 14/1,  que os jovens da atualidade “foram educados de forma muito individualista, muito voltada para o sucesso, para o que d� mais dinheiro. Valores morais, n�o sei se os pais ensinaram direito”. 

Vale lembrar que, Margarida Genevois fez parte da equipe respons�vel pela juntada de documentos que culminou na mais ampla pesquisa sobre tortura no Brasil, a obra “Brasil: nunca mais”, organizada sob a lideran�a de Dom Paulo Evaristo Arns, de quem Margarida tornou-se, al�m de bra�o direito, a primeira mulher representante de um arcebispo. 

A diplomata norte-americana Gina Abercrombie-Winstanley, atualmente chefe de Diversidade e Inclus�o do Departamento de Estado americano, cargo rec�m-criado pelo governo Biden, come�ou um giro internacional pelo Brasil no in�cio de 2022 e trouxe uma pergunta que ecoou em v�rios espa�os: “estou entre brancos; cad� o resto?” 

Enquanto n�o enfrentarmos nossos problemas estruturais, origin�rios na forma��o do Estado brasileiro, n�o seremos capazes de decolar. A China vem fazendo, h� algumas d�cadas, investimento em ci�ncia, tecnologia e educa��o b�sica, e definiu programa ambicioso para redu��o das disparidades de renda. Nossos problemas n�o ser�o minorados se mudarmos de governos, mas mantivermos, como h� s�culos, o jogo de for�as e interesses prevalecente. 

2022 chega com elei��es e desarticula��es graves! Cada lado tentar� contar sua hist�ria de salva��o, mas o fato � que com a pandemia e a falta de pol�tica econ�mica clara, conseguimos encontrar fosso maior nos �ltimos anos. Os desafios ser�o de d�cadas! Dada nossa trajet�ria hist�rica, dif�cil crer que n�o continuaremos seguindo o fluxo passivo de Na��o conformista, passiva, cujos ecos da arte n�o t�m sido capazes de transformar os sujeitos em atores de sua pr�pria narrativa. Mesmo assim, pelo pulsar pela vida, em analogia a Thiago de Mello, “faz escuro, mas eu escrevo”.

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