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Estado de Minas ARTIGO

Cargo: porteiro de Wakanda

A racializa��o � um marcador hier�rquico elaborado pelo opressor para determinar quem � mais humano e quem pode ter sua humanidade retirada


22/06/2023 10:00 - atualizado 22/06/2023 13:57
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As atrizes Angela Bassett e Danai Gurira se encaram em cena do filme Wakanda Para Sempre, caracterizadas
(foto: Marvel/Reprodu��o)

Descreva nos m�nimos detalhes as caracter�sticas f�sicas daqueles cincos garotos que sa�ram para se divertir e nunca mais voltaram porque foram alvo de 111 tiros. Qual era a cor da pele, a textura do cabelo e os tra�os faciais? Voc� consegue puxar na mem�ria e fazer um retrato falado daquela senhora chamada Cla�dia Ferreira da Silva que foi baleada e, em seguida, arrastada por 350 metros pela viatura da pol�cia que a socorreu? Se sua mem�ria n�o est� colaborando, jogue no Google e repare, de forma minuciosa e com criticidade, a corporeidade da menina Agatha Vit�ria Sales Felix; do menino Jo�o Pedro; do Jo�o Alberto Freitas; da Marielle Franco – essa, aposto que voc� se lembra. Jogue no Google Imagens, tamb�m, o nome da deputada estadual de Minas Gerais Andreia de Jesus, que durante um longo per�odo foi amea�ada  de assassinato sistematicamente a ponto de ser a �nica parlamentar dentre os 77 eleitos a ter que viver escoltada por seguran�a armada.  

A racializa��o � um marcador hier�rquico elaborado pelo opressor para determinar quem � mais humano e quem pode ter sua humanidade retirada. A ra�a � um dispositivo de seguran�a que coloca em risco de morte constante as pessoas negras e ind�genas. Portanto, se voc� n�o � um ALVO CONSTANTE, n�o adianta se autodeclarar negro baseado na leve ondula��o do seu cabelo e justificar que sua negritude � heran�a de um ascendente remoto negro. Muito menos se reter ao fato  da sua pele n�o ser o tom mais branco da paleta, ignorando propositalmente a realidade de ter nascido em um pa�s tropical com praias paradis�acas, como s�o as do Brasil, onde se bronzeia com facilidade estilo ACM Neto. 

Negro n�o � fantasia de carnaval, n�o � rem�dio psiqui�trico para quem tem problema de identidade e se encontra em um limo racial. At� porque as pessoas negras n�o ficam no limo, n�o s�o chamadas de macacas pela primeira vez na vida adulta. Na realidade, s�o abordadas de forma truculenta e vexat�ria pelos agentes  das for�as de seguran�a ainda na adolesc�ncia, sentem o desprezo dos adultos e de outras crian�as ainda na inf�ncia. Pessoas negras n�o fazem ch� de revela��o de sua negritude, porque quase sempre essa descoberta � traum�tica e violenta. 

A raz�o de ser das pol�ticas de promo��o da igualdade racial, que ofertam reservas de vagas para pessoas negras na universidade, por exemplo, se d�o para amenizar danos irrepar�veis como os que citei. N�o para alavancar e colocar em destaque brancos que, em algum momento, se sentem preteridos porque n�o se encaixam no padr�o de beleza imposto por outros brancos e que, para justificarem para si e para os demais o preterimento, recorrem a um �nico tra�o, a um �nico marcador de negritude em seu corpo. � recorrente presenciarmos o branco radicalizar o outro e se colocar como universal, agora muitos deles escolhem serem brancos quando conv�m, mesti�os quando conv�m, agora usando a “partitude” para se autodeclarar negro tamb�m quando conv�m.

Mas esperar o qu� de um povo que nos escravizou, nos humilha, nos explora, nos insulta e nos discrimina? Que se conscientizem e n�o esvaziem a pauta n�o se autodeclarando negro por raz�es existenciais. N�o vai rolar, n�o � mesmo?  Portanto, se faz necess�ria e urgente a vigil�ncia civil, a vigil�ncia constante por parte de quem tem que desviar a cada 24 minutos de uma bala de fuzil para n�o perder o acesso �s pol�ticas de promo��o de igualdade racial conquistadas. Al�m de ser um alvo ambulante, � necess�rio resguardar o que j� foi conquistado. N�o � raro encontrar pessoas brancas que, agora, se autodeclaram negras porque se sentem envergonhadas ou n�o se identificam com o proceder dos brancos na hist�ria. Isso pode at� parecer inofensivo quando essa autodeclara��o n�o se d� ao pleitear acesso a uma pol�tica p�blica, mas quando a pessoa branca que faz isso tem uma visibilidade, � p�blica ou famosa, ela valida outras pessoas a se autodeclararem negras sem o �nus de realmente serem.  

Fazer essa vigil�ncia civil hoje � ser taxada e taxado de forma pejorativa de “Porteiro de Wakanda” por aquelas pessoas que relativizam o racismo, porque se prop�e monetizar a pauta. Quem � preto e preta de nascen�a neste pa�s sabe muito bem que nossa realidade est� muito longe da de um conto de fadas que lucra financeiramente nos cinemas mundo afora. Mas se para fazer a vigil�ncia civil dos direitos conquistados � preciso se candidatar a vaga de porteiro de wakanda, ent�o vamos l�, o que n�o d� � deixar que uma pauta t�o importante seja banalizada e esvaziada aos poucos e de forma t�o eficiente como vem sendo feito.

Quando negros fizerem isso e apontarem os brancos que se passam por negros, muitas vezes ser�o taxados como porteiros de Wakanda.

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