'� triste constatar que a cultura da cidade tamb�m est� adoecida'

Nem se Clara Nunes e Mam�o vivessem aqui em casa, comigo, poderiam cantar e compor os meus sentimentos de forma t�o real como neste samba cl�ssico de 1973.

Nos �ltimos meses, o Samba Queixinho viveu de esperan�a. Mesmo sabendo que era muito perigoso e que n�o ir�amos desfilar em 2022, retomamos os ensaios na rua e, todas as ter�as e quintas, est�vamos debaixo do viaduto Santa Tereza afinando nossos instrumentos e descontando no couro dos surdos a saudade imensa de dois anos de isolamento e sil�ncio.

Fizemos parcerias com artistas incr�veis, tivemos apoio de onde menos esper�vamos e lan�amos o homenageado do carnaval de 2023, a Orquestra Filarm�nica de Minas Gerais. Para um bloco de carnaval de rua que nasceu aguerrido para ocupar a cidade, isso n�o � pouca coisa. S�o conquistas incr�veis.

Em meio a toda essa magia da retomada, a realidade burocr�tica tamb�m estava ali, no bloco. Sabe como? Bem desafinada, l� no fundo da �ltima ala, tocando bem alto, num descompasso absurdo. Completamente fora da harmonia.

Mas eu, como mestre de bateria que sou, tive que ir l� para tentar ritmar e colocar as coisas no tom. Como se n�o bastasse esse inconveniente, ao lado dele, na plateia, sentada e observando de forma irrespons�vel o momento que est�vamos passando, estava a sombra dos n�o vacinados e negacionistas que teimavam em contrariar a ci�ncia e desprezar o coronav�rus.

N�o vou mentir. Sou m�sico e gosto de m�sica. Me realizo profissionalmente com isso. Mas para que um desfile que leva milhares de pessoas para as ruas aconte�a, sou absorto pelo dever de in�meras reuni�es com �rg�os p�blicos, sanitari stas, especialistas em sa�de p�blica, �rg�os reguladores da cidade, diretores de ligas de blocos, entrevistas, enfim... os ossos do of�cio.

Nesse caminho, al�m da inseguran�a sanit�ria, encontrei muita gente que n�o valia a pena, que foi tra�ra, que desdenhou e menosprezou a causa de centenas de artistas da cidade, completamente abandonados neste per�odo pand�mico. � triste constatar que a cultura da cidade tamb�m est� adoecida. Foi contaminada e vilipendiada da pior forma, por meio de quem a modera. Confesso que quase esmoreci. Mas a fa�sca do samba estava sempre l�, bem acesa, me chamando e lembrando que n�o posso desistir, que sou resist�ncia. Desse desacerto vou fazer mais um samba-enredo com os maravilhosos apoiadores que conquistei ao longo dessa jornada. Sigo lutando com meu estandarte de m�goas.

Triste, confesso, mas determinado a permanecer firme no prop�sito da luta. Ent�o, reafirmo que se existissem condi��es de seguran�a sanit�ria, esses percal�os n�o me brecariam. Mas, por mais um ano, o v�rus venceu e permaneceremos em casa, cuidando uns dos outros.

Em 2022 ainda seguiremos na eterna quarta-feira. Mas vamos manter a tradi��o e, em 2023, estaremos de novo nas ruas com os p�s no ch�o.

>> A SE��O “BLOCO NA RUA”, PUBLICADA AOS DOMINGOS NA COLUNA HIT, TRAZ TEXTO SOBRE O CARNAVAL ESCRITO POR UM CONVIDADO E FOTO DE FOLIAS DE OUTROS TEMPOS