
O julgamento do marco temporal para a demarca��o das terras ind�genas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser retomado hoje. O marco estabelece que s� pode haver demarca��o de terras para comunidade ind�genas que ocupavam a �rea no dia da promulga��o da Constitui��o, em 5 de outubro de 1988. O pr�ximo a votar � o ministro Cristiano Zanin, o mais novo da corte, indicado pelo presidente Lu�s In�cio Lula da Silva, que vem se pautando por posi��es bastante conservadoras.
O emblem�tico voto de Zanin n�o ser� decisivo, mesmo que vote com os ministros Andr� Mendon�a e Nunes Marques, a favor do marco temporal, porque a tend�ncia da maioria � acompanhar os votos contr�rios dos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Est� em jogo a interpreta��o do artigo 231 da Constitui��o, segundo o qual os povos ind�genas t�m “os direitos origin�rios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo � Uni�o demarc�-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
As lideran�as ind�genas argumentam que a posse hist�rica de suas terras n�o est� vinculada ao fato de um povo ter ocupado determinada regi�o em 5 de outubro de 1988, porque muitas comunidades s�o n�mades ou foram retiradas de suas terras pela ditadura militar. Aguardam a decis�o do Supremo 226 processos sobre terras ind�genas ainda n�o demarcadas.
Segundo o Censo Demogr�fico 2022, 1.693.535 brasileiros se declaram ind�genas, ou seja, 0,83% da popula��o residente do pa�s. No Censo de 2010, segundo o IBGE, eram 896.917 pessoas. Ou seja, a popula��o ind�gena variou 88,82% em 12 anos. Nesse per�odo, as terras ind�genas demarcadas passaram de 501 para 573. Como era de se esperar, a Regi�o Norte concentra 44,48% da popula��o ind�gena do pa�s, com 753.357 pessoas. A Regi�o Nordeste re�ne 31,22% da popula��o ind�gena, com 528.800. As duas regi�es somam 75,71% da popula��o ind�gena do Brasil.
Duas unidades da federa��o concentram 42,51% da popula��o ind�gena residente no pa�s: o Amazonas, com 490.854 (28,98%) e a Bahia, com 229.103 (13,53%). Mato Grosso do Sul vem em terceiro, com 116.346, seguido de Pernambuco, com 106.634, e Roraima, com 97.320. Estes cinco estados contabilizam 61,43% da popula��o ind�gena.
Conceito genocida
A hist�ria do genoc�dio ind�gena no Brasil foi varrida para debaixo do tapete. Segundo a Funda��o Nacional do �ndio (Funai), em 1500 eram aproximadamente 3 milh�es de habitantes, sendo 2 milh�es no litoral do pa�s. Em 1650, esse n�mero j� havia ca�do para 700 mil ind�genas e, em 1957, chegou a 70 mil, o n�mero mais baixo registrado. De l� para c�, gra�as � atua��o de indigenistas como o marechal C�ndido Rondon e os irm�os Cl�udio e Orlando Villas Boas, a popula��o ind�gena come�ou a crescer.
A popula��o em terras ind�genas soma apenas 689,2 mil pessoas, sendo 622,1 mil ind�genas (90,26%) e 67,1 mil n�o-ind�genas (9,74%). Quase metade dessa popula��o (49,12%) est� no Norte, onde as terras ind�genas tinham 338,5 mil habitantes, sendo 316,5 mil (93,49%) ind�genas. Dos 630.041 domic�lios ocupados, 137.256 est�o dentro de terras ind�genas (21,79%) e 492.785 (78,21%), de fora. Um dos problemas � que os �ndios n�o cercam suas terras, a demarca��o � simb�lica. � a� que entra o tal arame farpado.
Inventado em 1876, no Texas, por um jovem chamado John Warner Gates, sem o arame farpado n�o haveria a grande marcha para o Oeste nos Estados Unidos. Segundo o economista norte-americano Tim Harford (“50 coisas que mudaram o mundo”, editora Objectiva) essa inven��o tornou poss�vel assentar os colonos e apartar o gado das planta��es, ap�s a assinatura da Lei da Herdade, por presidente Abraham Lincoln. A lei especificava que qualquer cidad�o honesto, inclusive mulheres e ex-escravos, podia tonar posse de at� 65 hectares de terras no Oeste norte-americano, ent�o um espa�o muito pouco explorado economicamente.
Influenciados pelo fil�sofo ingl�s John Locke, os fundadores dos Estados Unidos adotaram a tese de que os cidad�os, ao trabalhar a terra, passariam a possu�-las. Esse argumento legitimou o genoc�dio dos �ndios norte-americanos, ao ser usado impiedosamente contra eles. Os nativos n�o teriam direito a suas pr�prias terras porque n�o as estavam desenvolvendo. Como os fatos jur�dicos s�o abstratos, para usufruir a posse das terras, os colonos precisavam demarcar seus dom�nios. Seis anos ap�s sua inven��o, no ano de 1980, foram produzidos 423 mil quil�metros de arame farpado numa f�brica em Dekalb, o suficiente para dar dez voltas ao mundo.