
Nos primeiros meses de 2020, a Fran�a estava prestes a alcan�ar uma nova rodada de reforma previdenci�ria. Como � comum no pa�s, as greves de prestadores de servi�os cr�ticos, como a Companhia Nacional Ferrovi�ria Francesa (SNCF) e a Administra��o Aut�noma de Transportes Parisiense (RATP), foram usadas para interromper ou alterar a reforma.
Como tamb�m � comum na Fran�a, dificilmente � vitoriosa uma proposta que j� n�o esteja pacificada com a maioria das organiza��es da sociedade, representadas nos partidos pol�ticos. A Fran�a � um charmoso escrit�rio, totalmente corporativista.
Como tamb�m � comum na Fran�a, dificilmente � vitoriosa uma proposta que j� n�o esteja pacificada com a maioria das organiza��es da sociedade, representadas nos partidos pol�ticos. A Fran�a � um charmoso escrit�rio, totalmente corporativista.
No in�cio do ano, antes da COVID-19, esse entendimento nacional encontrava-se no limite da pacifica��o. Haveriam cortes. Afinal, a Fran�a precisava, para liderar a Europa, de algum exemplo de austeridade.
A Fran�a � o pa�s no mundo que aloca o maior percentual de seu PIB em Prote��o Social. Representam 35% do PIB os gastos p�blicos dessa categoria, que s�o destinados predominantemente a duas contas: terceira idade (basicamente em aposentadorias, pens�es e afins) mais sa�de p�blica (o melhor do mundo, segundo a OMS). O restante – um ter�o desses 35% – vai para programas de ajuda �s fam�lias com filhos em casa, aux�lio-desemprego, defici�ncia, outras exclus�es sociais e aux�lio para adquirir moradia.
Todos esses programas existem n�o porque a Fran�a � rica, mas porque decidiu usar a riqueza de forma inteligente e humanit�ria para ajudar a si pr�pria a se manter saud�vel e a se tornar cada vez mais rica como na��o. Com essas mesmas contas, a Alemanha consome 30% do seu PIB e o Reino Unido 27%.
O interessante na reconstru��o europeia � que a simples entrada na Uni�o faz com que pa�ses como Rom�nia, Bulg�ria e Est�nia se tornem os que mais aumentam o percentual de seu PIB em Prote��o Social. � bom ser educado, e a UE � uma converg�ncia civilizadora. Como toda civiliza��o, ela visa sua seguran�a e capacidade de financiamento de longo prazo. Separados, os pa�ses europeus t�m pouca relev�ncia e sustentabilidade no mundo interdependente de hoje. Unidos, eles s�o pot�ncia.
Tanto o Reino Unido liberal quanto a Fran�a e a Alemanha coordenadas s�o resultados de coaliz�es de amplo espectro pol�tico. As pol�ticas de Prote��o e Seguridade Social todas s�o misturas entre o liberal Plano Willian Beveridge ingl�s, para “libertar o homem da necessidade”; e os incrementos mais conservadores e coordenados desenvolvidos no continente desde Bismarck, o chanceler de ferro.
No af� de passar sua reforma, o poder executivo franc�s usou um dispositivo constitucional para for�ar a passagem da lei na c�mara baixa no in�cio de mar�o sem vota��o, levando-a ao Senado. Na �poca, foi geral a manifesta��o contra o governo – incluindo entre aqueles que favoreciam a reforma previdenci�ria – que por sua vez previu sua ado��o completa antes deste julho. Macron, que j� era considerado autorit�rio e arrogante por mais de 70% dos franceses, testou seu limite napole�nico.
Eis que a COVID-19 aparece com seus efeitos ao mesmo tempo sist�micos e assim�tricos. A sociedade como um todo sofre com isso – portanto, � sist�mico –, mas certos grupos sofrem muito mais – portanto, � assim�trico. Nesse sentido, surgiu a hora de criar um quinto ramo na previd�ncia social do pa�s. Ou seja, da retra��o � expans�o. Ele se concentraria naqueles em situa��o de “depend�ncia ou perda de autonomia” e tem como objetivo principal garantir assist�ncia adicional � popula��o acima de 80 anos.
A pandemia atual � um alerta aos governos. Como fator que deve provocar choques que alteram tanto os c�lculos das pol�ticas de redu��o – que vinham crescendo nas �ltimas d�cadas em nome de uma competi��o por produtividade internacional – como de expans�o do bem-estar social. Tanto a mudan�a demogr�fica quanto a desigualdade fazem com que todos os pa�ses busquem melhores formas de financiamento de suas obriga��es.
O equil�brio mudou e a competi��o pelo corte de custos foi literalmente postergada. A magnitude dos est�mulos monet�rios e fiscais vai diminuir os efeitos da pandemia, mas se n�o for feita com base em fundamentos tamb�m sociais pode aumentar em muito a desigualdade.
Diferentemente dos EUA, ningu�m na Europa quer se transformar numa China para competir com ela. � insustent�vel. Se n�o por outras raz�es, simplesmente porque essa estrat�gia talvez gerasse retorno no in�cio da globaliza��o 35 anos atr�s. Hoje j� evaporou. A discuss�o agora � como financiar Prote��o Social num mundo com mudan�a nas cadeias globais de valor e no sistema de produ��o econ�mico que testam a compet�ncia do Estado para a regula��o democr�tica. E isso s� pactos civilizat�rios regionais (internacionais) ou nacionais s�o capazes de fazer. (Com Henrique Delgado)