
Os desentendimentos acerca do fluxo internacional de dados se azedaram ainda mais entre Europa e EUA. H� no mundo um descompasso entre desejos e oportunidades. Por um lado, o capital avan�ado segue vinculado a Estados, mas � um capital cuja tecnologia trabalha para substituir o poder dos Estados nacionais (a come�ar dos fr�geis e sem qualquer estrat�gia tecnol�gica) por meio da substitui��o da delibera��o pol�tica e da distribui��o da concentra��o das decis�es por escrit�rios de ajustamento de condutas. N�o s�o governos nem Parlamentos que governam o mundo atual.
Evidente que o processo n�o � determin�stico. Mas ajuda a ver os anseios de suas linhas radicais para tatear seu desenrolar. A substitui��o da pol�tica e a distribui��o da concentra��o t�m dois polos radicais em opera��o, conforme sintetizado por Katharina Pistor, da Escola de Direito da Universidade de Columbia, em Nova York. Um deles prop�e a ideia de que o mecanismo de p�r pre�o nas coisas desmonta qualquer possibilidade de delibera��o pol�tica e valores pessoais determinantes. No mundo on-line tudo est� � venda em leil�es constantes. Se algu�m subavaliasse o valor de seus bens para tentar pagar menos imposto, por exemplo, se colocaria sujeito a perder rapidamente o bem atrav�s de uma oferta hostil, a qual n�o poderia recusar.
A ideia faz grandes esfor�os ret�ricos para parecer bem-intencionada, mas � uma desdenhosa a��o do mercado contra a soberania dos outros. Como diz Pistor, a n�o ser que uma maci�a distribui��o de renda global preceda a essa mudan�a do jogo, o que se ter� � entidades com grandes somas de recurso comprando e acumulando o que quiserem mundo afora. A liquidez dos muito ricos inoculou morfina no mercado.
Isso no macro, mas quando chegar no micro ser� a verdadeira lei da selva. Igual hoje, mas pior. Os Estados fortes, � claro, seguiriam impondo suas restri��es a torto e a direito com base em seguran�a nacional.
Na outra ponta da nova ordem radical surge a proposta de processos pol�ticos cada vez mais abertos e diretos. A tecnologia possibilitaria a participa��o constante de todos que quisessem. Os pa�ses est�o cada vez mais em base digital e todas as pessoas podem ser consultadas a qualquer momento. Assim como nos mercados radicais, a ideia de direitos tamb�m seria esvaziada e reavaliada com rela��o ao direito do outro, a toda hora. Direitos teriam mandatos claros para atingir mudan�as acordadas na pol�tica pluralista, e quando a mudan�a fosse alcan�ada, perderiam ao menos parte do seu poder. Nada ser� cumulativo, pois novos direitos com novos prop�sitos surgir�o a cada dia, enterrando o direito velho.
O que ambas as propostas radicais t�m em comum � o diagn�stico de que o equil�brio atual n�o se sustenta, novos atores querem entrar em cena e a velocidade necess�ria para isso passa pela intermedia��o das tecnologias de comunica��o que reduzam poderes estabelecidos nos Estados. Por isso a disrup��o. Quem est� fomentando a desordem s�o justamente essas tecnologias. Acreditar no altru�smo de quem entra a toda hora e lugar no seu celular exige muita f� do usu�rio de tecnologia.
Evidentemente, as mudan�as reais ser�o caminhos intermedi�rios entre as propostas radicais. A forma como o Banco Mundial caminha para apoiar a ideia da renda m�nima universal – uma forma de criar um patamar de onde ningu�m cairia – � um sinal desses tempos.
A ideia de se ter renda m�nima universal � civilizadora. J� a estrat�gia de que a renda m�nima universal substitua a maioria das pol�ticas e a��es de Estado � um verdadeiro cavalo de troia. Presente dado com m�-f� � usurpa��o de boa-f�. O Estado precisa se reformar, mas que ningu�m se engane: em todos os lugares em que h� democracia, o Estado foi essencial ao desenvolvimento e � prosperidade. Poupan�a interna, abertura comercial, estrat�gia industrial, regula��o, educa��o e sa�de universal s� existem onde existe Estado. Se tais a��es n�o ajudam a aumentar a produtividade do trabalho � que a era da necessidade n�o chegou igualmente em todos os lugares.
J� est� claro para os pa�ses influentes dos malef�cios das turbul�ncias com acidentes tecnol�gicos no s�culo 20 e da necessidade de frear sua repeti��o com as tecnologias do s�culo 21.
Os detentores de tais tecnologias precisam ser colocados sob o imp�rio da lei. Nos pa�ses fracos est�o a servi�o de rob�s manipuladores e autocratas. Nos fortes e avan�ados j� se discutem os limites da lei. O Estado brasileiro � fraco, n�o precisa ser forte, mas deveria cuidar de ser avan�ado.