A for�a majestosa do Natal decorre em parte da rea��o � pol�tica. A hist�ria de afli��es desencadeadas por um governante fraco, Herodes, que usa a brutalidade para tentar se livrar do pesadelo que � ver sua legitimidade contestada por um menino. Mas tudo o que fez foi em v�o.
Depois dos Romanos, se sucederam bizantinos, persas, �rabes, cruzados europeus, califados turcos, 400 anos dentro do Imp�rio Otomano, brit�nicos, at� o atual Estado de Israel. Enquanto isso, as ideias e as a��es do menino marcado para morrer – o qual sequer deixou escrita uma linha de texto – seguem por a� influenciando o mundo, mais do que qualquer outra ideologia.
Uma hist�ria que n�o pode passar em branco nesse Natal � o caso de Lai Chee Ying. Conhecido como Jimmy Lai, ele � um empres�rio chin�s, cat�lico, dono da NextDigital, conglomerado de m�dia em Hong Kong e Taiwan. Lai ficou multimilion�rio ao liderar a expans�o dos tabloides como ve�culo de comunica��o em Hong Kong. Usou suas empresas para defender abertamente um n�o retrocesso ao autoritarismo em sua cidade-estado. Lai vai passar o Natal na cadeia acusado de seja l� o que for necess�rio para manter preso um estorvo na vis�o de Pequim.
Curiosamente, Lai insiste que sua determina��o em desafiar uma escalada autorit�ria ordenada por Pequim vem da sua compreens�o instintiva da f� cat�lica. Uma consci�ncia sobre a necessidade de resistir � restri��o de liberdade, entre as quais a de culto � apenas uma. Ao longo da hist�ria o catolicismo j� legitimou autoritarismos, mas o que fica na hist�ria � a religi�o montada em torno de uma fam�lia de bem perseguida por um estado autorit�rio.
Nesse sentido, fez muito bem o jovem chanceler brit�nico, Dominic Raab, filho de um judeu fugido da ent�o Checoslov�quia, em afirmar que as a��es contra Jimmy Lai violam a Declara��o Conjunta entre China e Reino Unido na ocasi�o de retorno de Hong Kong para a China.
Pode-se discutir o gosto duvidoso dos tabloides, mas n�o � raz�o para pris�o. � verdade que Hong Kong, e outros pa�ses, vem sendo alvos de ataques para desestabiliza��o de governos e regimes – uma esp�cie de marginalidade digital identificada pelo STF e que tamb�m atua no Brasil. N�o se trata de direito de opini�o. Diferente de cidad�os que expressam, sem viol�ncia ou fake news, seus argumentos sobre como a sociedade em que vivem pode ser aperfei�oada. Lai n�o espalhava mentira e �dio com grana oculta, apenas defendia a democracia prevista em lei.
No pensamento chin�s, a hegemonia � normalmente definida como harmonia. Ainda que o Partido Comunista da China (PCC) se orgulhe de ser um partido ateu – o que � diferente de ser laico e objetivamente � uma n�o cren�a crente – o artigo 36 da Constitui��o da China garante a liberdade religiosa. Mais do que isso, boa parte de seus l�deres encontra conforto em pr�ticas e lideran�as espirituais.
Xi Jinping mesmo teve ao longo da vida uma rela��o especial com o templo Linji. Situado no interior de Hebei que � a prov�ncia que envolve Pequim por quase todos os lados, o templo foi reconstru�do enquanto Xi come�ava sua carreira na regi�o. Uma das caracter�sticas mais interessantes da escola de budismo organizada em torno de Linji (chamada de Zen no Jap�o, e como a escola � conhecida no Brasil) � sua iconoclastia.
Linji foi um mestre do s�culo 9 que serviu para reformar o budismo como os ap�stolos de Cristo reformaram o juda�smo, a reforma protestante reformou o cristianismo, e o Conc�lio Vaticano II reformou o catolicismo. A iconoclastia de Linji ocorre por criticar f�s e espiritualidades que se tornam religi�es cheias de regras e estruturas de poder. Quando igreja vira partido a coisa se complica. Mas se o partido vira igreja � muito pior. Acho que Xi precisava refletir sobre isso.
O ex-presidente Hu Jintao em nome da liberdade religiosa teve uma especial simpatia com o budismo como parte da constru��o da harmonia interna do pa�s e do pa�s no mundo. Atualmente, o governo chin�s anda ansioso e suspeito de tudo, um tanto quanto desarmonizado. No caso de Jimmy Lai vemos algu�m que coloca sua fortuna material em risco em prol da liberdade e contra a opress�o. Pequim pode fazer melhor do que a religi�o do PCC est� agindo nesse caso. Pode garantir a integridade territorial de Hong Kong sem fazer com que o uso arbitr�rio da for�a sobre um �ntegro Lai exponha e acentue sua desarmonia. (Com Henrique Delgado)
Boas Festas e um necess�rio Ano Novo.