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Estado de Minas COLUNA

A fantasia de poder da �ndia

A �ndia m�stica acredita mais em rituais e na for�a da divindade l�quida do Rio Ganges do que em atos do governo


10/09/2023 04:00
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Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia durante entrevista
Narendra Modi, primeiro-ministro da �ndia (foto: EVELYN HOCKSTEIN/AFP)
A �ndia � um ecossistema fr�gil, atormentado por pobreza, priva��o, neglig�ncia e desesperan�a. Sua entrada no baralho de poder mundial, como pa�s relevante, n�o ser� explicada pelo PIB crescente. Tudo na �ndia cont�m carga afetiva turbinada por manipula��o, movimento e multid�o.

Inspirado em Lord Shiva, deus da cria��o e destrui��o, a gangorra diplom�tica de Nova Delhi balan�a entre China, EUA, R�ssia, Ucr�nia, Brics e o Di�logo de Seguran�a Quadrilateral (QUAD), que Washington criou com �ndia-Jap�o-Austr�lia para conter o avan�o da China na Regi�o do Indo-Pac�fico.

Mas a �ndia profunda nada sabe do mundo. Quando Anna Hazare, na d�cada passada, um senhor idoso e m�stico, foi preso por protestar contra as falhas e limita��es contidas na lei anticorrup��o, o ver�o em Nova D�lhi esquentou mais ainda.

Imediatamente, milhares de pessoas sa�ram �s ruas para apoiar o ativista social criador do Partido do Homem Comum. Querem que a lei anticorrup��o seja implementada para acabar com as exce��es que livram pol�ticos e magistrados de serem julgados.  

Desde a posse de Narendra Modi, em 2014, Hazare o pressiona para cumprir sua promessa de dar poder real ao Escrit�rio Anticorrup��o (The Lokpal Bill). "S� � aceit�vel um Lokpal forte e de vasto alcance que possa julgar qualquer cidad�o suspeito de pr�ticas fraudulentas, sem importar cargo, poder ou condi��o social", advertiu o ativista anticorrup��o. 

O premi� indiano n�o aceita a forma escolhida por Hazare para protestar. "A greve de fome � um caminho totalmente equivocado e carregado de consequ�ncias para a nossa democracia."

O que certamente incomoda ao poder na capital � bem mais do que a mem�ria de Gandhi. Ficou determinado que s� fosse toler�vel jejum de 15 dias considerando mais que isso provocativo e deflagrador de dist�rbio.

A �ndia m�stica acredita mais em rituais e na for�a da divindade l�quida do Rio Ganges do que em atos do governo. Como hoje falta dimens�o espiritual � pol�tica, h� um descompasso evidente entre a imagem mental que os l�deres t�m do poder, com sua pompa e afeta��o, e o surgimento inesperado da emo��o popular, capaz de combinar a��o e passividade.

Num tempo t�o desprovido de altru�smo e austeridade ressurge sempre do nada a figura �nica de um Gandhi. � a espiritualidade do jejum amea�ando o festim da pol�tica!

A �ndia sempre soube fazer conviver e combinar privil�gio e devo��o.  Pa�s que criou religi�es, o conflito entre o hindu�smo e o islamismo retorna sempre. Seu sistema social de castas n�o consegue mais conservar e regular a fragmenta��o do pa�s, pois o surgimento da democracia, ainda muito autorit�ria, tem agitado o gigante.  

H� um n�mero infind�vel de partidos e os arranjos pol�ticos que da� derivam permitem mexer na vida das pessoas, com a ascens�o e a queda de fam�lias inteiras. Assim, o povo encara a pol�tica como um navio e a si mesmo como uma escada de bordo, que somente sobe se agarrado a ela.

Os desentendimentos de todos os dias, a vida entupida de realidade - cren�as e l�nguas que fazem a rotina dos mais de 1 bilh�o de indianos - pode sempre acabar beneficiando algu�m mais pr�ximo, especialmente se ocorrer na noite que alguns deuses dormem. 

Inevitavelmente, a pol�tica reflete as turbul�ncias de uma na��o segmentada e regionalista, acostumada a pouca mobilidade social e comprimida entre tantos poderes rivais.

Os nacionalismos enfrentam-se todos os dias nas ruas e no parlamento. Neste, assiste-se a debates feitos a gritos, tapas, arrancar de microfones, rasgar de documentos e arremessos diversos. E quando as sess�es legislativas transcorrem com tranquilidade, terminam com barulhentos socos na mesa em lugar de palmas. 

Na��o independente h� 75 anos, continua surpreendente, explosiva e subjugada � heran�a da cultura colonial, escravocrata e regionalista. Liderada h� 10 anos por um primeiro-ministro midi�tico e amb�guo, quer apostar no uso da tecnologia e inventividade dos jovens para ampliar as chances de ascens�o mundial.

O pa�s, por�m, tem uma pol�tica nada jovial ou tranquilizadora para na��o emergente que pretende liderar o mundo.

Modi abriu nesse s�bado (9/9) um G20 de pa�ses desalinhados, e cuja foto oficial ser� uma fic��o de unidade. Sem a presen�a da China, o Grupo enfrenta o dissabor de n�o ter harmonia para nada. E sem poder de implementa��o e com institucionalidade fr�gil n�o se resolvem impasses no di�logo multilateral. 

Alimentado por alinhamentos geopol�ticos colegiais, oportunismos diplom�ticos acad�micos e a falta, cada vez mais, de sincera pluralidade entre as na��es, o G20 � uma fantasia de poder para a �ndia. 
                                     

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